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“Softly as in a Morning Sunrise”, da Broadway ao jazz de vanguarda

Ao contrário do que a sua origem deixava antever, a canção tornou-se num favorito dos jazzmen mais vanguardistas. Eis dez versões clássicas

Escrito por
José Carlos Fernandes
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“Softly, as a in a Morning Sunrise” foi ouvida pela primeira vez na Broadway, em Setembro de 1928, na opereta The New Moon, com música de Sigmund Romberg e letra de Oscar Hammerstein II. A opereta é uma frivolidade ao estilo vienense que decorre em Nova Orleães durante a Revolução Francesa e foi um sucesso, com 519 representações até Dezembro de 1929. Foi adaptada ao cinema, com o título New Moon, por duas vezes, em 1930 (com acção transposta para a Rússia no tempo da Revolução Bolchevique) e em 1940 (regressando ao tempo da Revolução Francesa), duas pepineiras que servem para lembrar que nos Anos de Ouro de Hollywood também houve imenso pechisbeque.

A primeira versão jazzística surgiu em 1938, pela mão de Artie Shaw, mas só a partir de meados da década de 1950, os músicos de jazz descobriram realmente esta canção fatalista e agridoce, que vê todas as paixões como condenadas: “Flamejando no resplendor do sol nascente/ Um beijo ardente sela/ Um voto que todos irão trair// Pois as paixões que inflamam o amor/ E nos fazem ascender aos céus/ São as paixões que matam o amor/ E o fazem tombar no inferno/ Assim termina a história”.

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Dez versões clássicas de “Softly as in a Morning Sunrise”

1. Modern Jazz Quartet

Ano: 1955
Álbum: Concorde (Prestige)

O Modern Jazz Quartet (MJQ) tinha óbvias inclinações Third Stream – designação para as aproximações entre jazz e música clássica praticadas nas décadas de 1950-60 – pelo que não é inesperado que “Softly, as a in a Morning Sunrise” seja raptada do mundo da opereta vienense e levada para o território do contraponto barroco. O álbum Concorde foi o primeiro do MJQ a ser editado originalmente em formado de LP de 12’’ e o primeiro em que figurou o baterista Connie Kay, em substituição de Kenny Clarke – ficava assim definida a formação canónica do MJQ, com Kay, Milt Jackson (vibrafone), John Lewis (piano) e Percy Heath (contrabaixo).

2. June Christy

Ano: 1955
Álbum: Something Cool (Capitol)

Something Cool foi o álbum de estreia de Christy a solo, após ter granjeado fama como cantora de cool jazz na banda de Stan Kenton, e contou com arranjos e direcção de Pete Rugolo, um dos principais responsáveis pela renovação da sonoridade da orquestra de Kenton. O álbum teve uma 1.ª versão em 1954, como LP de 10’’ e sete faixas, e ressurgiu em 1955 como LP de 12’’, com quatro faixas adicionais gravadas nesse ano, entre as quais está “Softly, as a in a Morning Sunrise”.

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3. Al Cohn

Ano: 1956
Álbum: Cohn on the Saxophone (Dawn)

Este “Softly, as a in a Morning Sunrise” é um belo exemplo das qualidades do saxofonista Al Cohn: leveza, limpidez e precisão. O quarteto alinha Hank Jones (piano), Milt Hinton (contrabaixo) e Osie Johnson (bateria)

4. Sonny Rollins

Ano: 1957
Álbum: A Night at the Village Vanguard (Blue Note)

Na longa carreira do saxofonista Sonny Rollins – que, aos 89 anos, ainda se mantém no activo –, o período entre 1955-58 é mais inspirado e relevante do que toda a sua produção nos 60 anos que se seguiram e as sessões que gravou a 3 de Novembro de 1957 no clube Village Vanguard representam um dos cumes desse período. Rollins tem, nesta versão de “Softly, as a in a Morning Sunrise”, a cumplicidade de Wilbur Ware (contrabaixo) e Elvin Jones (bateria).

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5. Paul Chambers

Ano: 1957
Álbum: Paul Chambers Quintet (Blue Note)

A formidável discografia de Paul Chambers como sideman – dezenas de discos essenciais da viragem dos anos 50-60 contam com o seu contrabaixo – faz esquecer que também tem uma nada negligenciável discografia em nome próprio, entre a qual está este álbum com o trompetista Donald Byrd (ausente de “Softly, as a in a Morning Sunrise”), o saxofonista Clifford Jordan, o pianista Tommy Flanagan e o baterista Elvin Jones. Em “Softly, as a in a Morning Sunrise”, Chambers mostra que o papel do contrabaixo não se limita ao “acompanhamento” e faz questão de ser ele a expor o tema.

6. Helen Merrill

Ano: 1958
Álbum: The Nearness of You (EmArcy)

A 1.ª parte desta versão pela cantora Helen Merrill, suave, melancólica, velada e com acompanhamento minimal, está em franco contraste com a leitura realizada por June Christy três anos antes, mas Merrill também acaba por ganhar swing e abrir a voz.

O álbum contém material de duas sessões com diferentes orquestras e arranjadores e “Softly, as a in a Morning Sunrise” provém da sessão arranjada e dirigida por David Carroll.

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7. John Coltrane

Ano: 1961
Álbum: Live at the Village Vanguard (Impulse!)

1961 foi um ano crucial na carreira de John Coltrane, com a gravação do primeiro álbum com aquele que viria a ser o seu “quarteto clássico”, a transferência da editora Atlantic para a Impulse! e o início da colaboração com o saxofonista e clarinetista Eric Dolphy, que esteve presente nas sessões de 2-3 de Novembro no clube Village Vanguard, mas não toca em “Softly, as a in a Morning Sunrise”. Jimmy Garrison, que viria a ser o contrabaixista do “quarteto clássico”, ainda não substituíra definitivamente Reggie Workman, pelo que é este que figura em “Softly, as a in a Morning Sunrise”, cabendo a Garrison o lado 2 do LP. A equipa completa-se com o pianista McCoy Tyner (com elaborado solo em “Softly, as a in a Morning Sunrise”) e Elvin Jones (bateria).

8. Ron Carter

Ano: 1961
Álbum: Where? (New Jazz)

Eric Dolphy estaria presente noutra reinterpretação de “Softly, as a in a Morning Sunrise” gravada nesse mesmo ano, no álbum de estreia como líder do contrabaixista Ron Carter (por vezes reeditado sob o nome de Dolphy, como que para compensar a breve discografia deste). Tal como Chambers quatro anos antes, Carter trata de afirmar o papel assumido pelo contrabaixo no jazz e assume a exposição do tema, com arco.

Em quatro das suas seis faixas, Where? dá também a ouvir Carter em violoncelo (ocasião em que o contrabaixo passa para as mãos de George Duvivier). Os outros músicos são Mal Waldron (piano) e Charlie Persip (bateria).

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9. Eric Dolphy

Ano: 1963
Álbum: The Illinois Concert (Blue Note)

Dolphy regressaria a “Softly, as a in a Morning Sunrise” com uma banda sob a sua liderança, num concerto registado, informalmente, em Março de 1963, na Universidade de Illinois, em Champaign, que só foi editado oficialmente em 1999. A versão de 20 minutos de duração por Dolphy comprova que os jazzmen de vanguarda estavam a levar a canção para paragens muito distantes do espírito da opereta de 1928.

O quarteto tem no piano um jovem e ainda desconhecido Herbie Hancock, no contrabaixo Eddie Khan e na bateria J.C. Moses.

10. Larry Young

Ano: 1966
Álbum: Unity (Blue Note)

Não há suavidade nem melancolia neste “Softly, as a in a Morning Sunrise”, antes tensão e tumulto. O organista Larry Young estreara-se como líder em 1960, com Testifying, e foi ganhando confiança e ousadia, de forma que em meados da década estava a rubricar álbuns que, não comungando da estética free, estavam indubitavelmente na linha da frente do jazz, como é o caso dos incendiários Into Something e Unity, este último com as fornalhas guarnecidas por Woody Shaw (trompete), Joe Henderson (saxofone) e Elvin Jones (bateria).

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