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Francisco Romão PereiraTim

Tim: “Voltámos a recear o futuro”

O histórico vocalista dos Xutos & Pontapés vai passar uma temporada a cantar histórias na Sala 2 do Cinema São Jorge. Encontrámo-nos na sua escola de rock, no Saldanha.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Somos recebidos com um sorriso na escola de rock VOAR, junto ao Saldanha. Aos 63 anos, Tim parece estar de bem com a vida. Passou por muitas coisas, acumulou tantas histórias, escreveu mais de 200 canções e continua com vontade de escrever mais, de cantar mais, de contar mais, de viver mais. É por isso que vai passar uma temporada na Sala 2 do Cinema São Jorge, entre 27 e 30 de Dezembro e depois de uma breve pausa, já em 2024, entre 23 de Janeiro e 8 de Fevereiro, a revisitar cerca de 40 das canções que assinou e cantou ao longo das últimas quatro décadas. À boleia desta série de concertos, a que chamou “Canta-me Histórias”, aproveitámos para recordar o passado do vocalista dos Xutos & Pontapés, da histórica banda e do rock português. Mas também para reflectir sobre o presente e levantar o véu sobre o seu futuro. E o nosso.

Começaste a tocar em 1979, ainda na universidade, e entretanto estás com 63 anos. Se a matemática não me falha, já levas 44 anos disto.
Vou fazer para o ano 45 de Xutos [& Pontapés], mas comecei a tocar antes ainda. 

Tiveste outras bandas antes dos Xutos?
Desde os 15 anos que tocava com amigos e não sei quê. Mas era tudo muito esporádico. Basicamente, no intervalo [das actuações] dos conjuntos de baile, quando eles paravam para comer, pedíamos para dar um toque nas cenas deles e ensaiávamos umas coisitas. Nos primeiros anos dos Xutos, toquei tantas vezes como tocava com esses grupos. 

Porque os estudos te roubavam muito tempo?
Não, era mesmo da época. Não havia sítios, não havia tradição, não havia nada. O que havia era aquilo que eu disse: os bailes, as colectividades e por aí fora.  

Não havia um circuito de salas como temos hoje.
Nem nada que se pareça. Onde havia algum tipo de condição para se poder fazer a coisa era nas colectividades, porque normalmente tinham uma sala, tinham um palco, podiam ter algum tipo de aparelhagem mais ou menos rudimentar, um microfone ou dois, umas colunas da Phillips para se falar ou para se cantar, e era aí que se faziam as coisas. A malta mais velha andava com a tralha às costas, e nós, nos Xutos, não tínhamos o que quer que fosse. Então chegávamos aos sítios, perguntávamos se podíamos tocar no que já estava montado e tal, e ficávamos um bocadito a tocar. Dar concertos à séria era muito complicado, porque não havia equipamento. 

Alguma vez imaginaste, quando estavas a dar estes concertos mais incipientes, que passadas quatro décadas continuasses aqui, a viver da música?
Nem sonhava. O pensamento geral das pessoas, ou pelo menos daquelas com quem me dava, fossem mais velhas ou mais novas, nunca passava por uma carreira musical. Mesmo em Almada, que tinha tido uma série de bandas nos anos 60/70, como os Gatos Negros, as Guitarras de Fogo, só muito raramente havia um ou dois que seria músico. O que acontecia, normalmente, era a música ser um part-time, para não dizer um hobby. Chegava-se a sexta, carregava-se o material e voltava-se só ao domingo. E é um espírito que, apesar de todas as mudanças que houve entretanto, devido à dimensão do país, ainda persiste.

Para a maior parte das bandas, a música continua a ser um hobby.
Nunca houve aquela coisa americana – nem inglesa, nem francesa – de irmos em tourné e passarmos mês e meio fora. Nada disso é possível.

E mesmo uma banda como os Xutos, que toca no país todo... 
Não pode fazer isso. Mesmo sendo músico profissional, e conseguindo viver disto, tens o serviço musical só ao fim-de-semana, e depois ficas a semana toda sem fazer nada. O que é que vais fazer? Podes dar umas aulas, podes arranjar uma sala de ensaio, podes ajudar ou trabalhar com não sei quem, qualquer coisa. Caso contrário, durante a semana, o tempo sobra. E passar os dias no café às vezes é um bocadinho aborrecido. E caro.

Calculo que tenha sido por isso que agora abriste esta escola de rock, a VOAR.
Pois. Mas já tinha dado aulas em Santarém, há uns oito ou nove anos. Talvez mais, até. Porque os meus filhos andavam lá a estudar, no Conservatório, e eles não tinham muita gente. Até que um dia a directora me perguntou se eu podia dar aulas, porque podia ser que assim tivessem mais uns alunos. E assim foi. Montei um curso, a escola comprou um baixinho elétrico, uma guitarrinha eléctrica, dois amplificadores pequenos, e comecei a dar aulas. Durante três anos, ou lá o que foi, pegava às onze e largava às quatro. Ainda tive uns 14 ou 15 alunos. Muito tempo depois, com os meus filhos já crescidos, comecei a fazer os concertos da Casinha, durante a pandemia. Com meus filhos, mais os Leston [Design], mais o pessoal das luzes e da televisão, da imagem.

Lembro-me disso, um espaço de concertos em streaming.
Sim. Estávamos todos sem trabalho, parados, e foi uma maneira de darmos um monte de concertos e trabalharmos juntos. Quando acabou a pandemia e a Casinha se encaminhou para os seus finalmentes, eu e os meus filhos começámos a considerar o que podíamos fazer para continuarmos a trabalhar e a aproveitar o bom entendimento que temos. Foi aí que comecei a pensar em abrir a VOAR. Eles concordaram com a ideia de experimentar a dar aulas, desde que eu também desse, e começámos à procura de um espaço e de outros professores para complementar a oferta. Quando demos por nós, no Natal do ano passado, tínhamos a coisa montada. Começámos as aulas no fim de Fevereiro, a título experimental, com cerca de 16 ou 18 alunos, e depois abrimos este ano, em Setembro, com um ano lectivo um bocadinho mais completo. Temos estado a crescer e tem sido uma oportunidade boa para não nos afastarmos e continuarmos a fazer aquilo de que gostamos – além de darmos uso a uma série de conhecimentos e de material que temos.

Com todo esse tempo livre que tinhas e tens, chegaste a fazer alguma coisa com o curso de Agronomia que tiraste?
Cheguei a fazer o estágio [risos]. Quando acabei o curso oficialmente, os exames, estávamos nós a fechar o ciclo do [Rock] Rendez-Vous. Logo a seguir começámos a ensaiar com o Carlos Maria [Trindade] para o Circo de Feras, e eu começo a fazer o estágio, ainda ali na Ajuda e em Coruche. Quando finalmente acabo o estágio, depois de Agosto de 86, se bem me lembro, está o Circo de Feras a ir para estúdio. Na altura, estávamos a trabalhar com uma editora mais profissional, a exigência era outra, e do lado da Agronomia, não havia resposta nenhuma. Portanto, tinha duas opções: ir trabalhar por dois tostões para um sítio qualquer, talvez ir para o interior, à espera de ficar efectivo, o percurso normal; ou continuar nos Xutos. A escolha não foi difícil.

E a partir daí a vossa vida mudou completamente.
Sim. Até aí tinha sido tudo muito na sequência do que a gente falou, do hobby, do part-time, da confraternização, do nacional-porreirismo. Depois começou a ser uma cena mais a sério.

Começaram a tocar mesmo muito. Até fora de Portugal, de vez em quando.
Em Espanha, em França. Se a memória não me falha, no ano do Circo de Feras, demos mais de 70 concertos. Até então, num ano, nunca tínhamos dado mais de 25 – e, na altura, já eram muitos.

É um valente salto.
Completamente, uma grande diferença. E nunca mais parámos.

Quer dizer, pouco tempo depois até param, por causa da Resistência e de outros projectos.
Mas sabes que os Xutos nunca pararam por causa desses projectos. Todos eles apareceram em folgas. Por exemplo, na Resistência, a folga era minha, um bocado. Ainda que muito mais dos Delfins. Muito mais do Pedro Ayres. Houve ali uma oportunidade, um Outono, um Inverno, e de repente a coisa montou-se. Se pensarmos no Rio Grande, é uma história parecida: aparece uma folga ali no final da Primavera, depois há uns encontros e mais não sei o quê, entretanto estamos outra vez no Inverno e a coisa dá-se. Nunca era em alturas de trabalho, de disco ou de concerto.

No meio de todos esses grupos e discos a solo, além dos Xutos, tens mais ou menos noção de quantas canções escreveste ou co-escreveste?
Por acaso até tenho. Ando a fazer uma recolha para ver se faço um livro com aquilo tudo. Se não me engano, andam à volta de 200. Duzentas e tal. Escrevi para os Xutos, escrevi para mim, escrevi quatro ou cinco coisas, para Quinta do Bill, Teresa Salgueiro, Tais Quais. Mas são sobretudo minhas.

Não escreveste nada do que cantaste com os Cabeças No Ar ou Rio Grande?
Não. O Rio Grande é uma obra perfeitamente fechada do Monge – do João Monge e do João Gil. E Cabeças no Ar é uma obra fechada do Carlos T e do João Gil. E a Resistência... 

Eram versões. Não havia muito que escrever. 
Pois [risos]. 

Dessas 200 canções, quantas vais tocar nestes espectáculos a solo no São Jorge?
Cerca de 40. Ainda não fechei a lista, mas tive de começar a assentar a poeira. Vou tentar fazer um espectáculo de uma hora, porque não quero que seja uma coisa muito grande. Portanto, se tentasse ir às capelinhas todas, não conseguia contar o que quero. O que é que vou tentar fazer, então? Escolhi as canções que para mim são significativas do Rio Grande; as canções da Resistência que acho bem e que posso cantar; tive especial atenção à primeira fase dos Xutos & Pontapés, quando começo a escrever, depois da saída do Zé Leonel; depois tenho um bocado mais sobre os Xutos, com especial atenção aos últimos discos e ao desaparecimento do Zé Pedro. Mas em todos os concertos quero ter um ou dois temas de um disco específico dos Xutos, dos Dados Viciados, do Dizer Não De Vez, deste e do outro. Escolho duas canções ou assim e faço.

Já sabes como vais estruturar essa hora de espectáculo? 
Mais ou menos. Vai haver uma introdução que será sempre a mesma. Uns temas possivelmente do início de carreira, para falar sobre quem sou, de onde venho. Depois dedico-me a uma era específica dos Xutos. A seguir dedico-me a uma zona da Resistência, por exemplo. E depois fecho. E no outro dia faço a mesma coisa com outra zona dos Xutos, com uma zona dos Tais Quais, e fecho. A ideia é serem concertos... 

Completamente diferentes, noite após noite?
Sim. Porque as músicas vão ser diferentes. E ao mudar a canção, muda a história que conto: o que está por trás dela, onde foi gravada, quem estava lá, qualquer coisa. Só ainda não sei como é que as vou agrupar. Poderei fazer, sei lá, o primeiro dia sobre Xutos, o segundo com Resistência, o terceiro com Tais Quais, o quarto com não sei quê. Ou poderei fazer a primeira sessão só com Xutos. E depois a segunda com este e com outro projecto. Essa parte ainda não sei, mas acho que, grosso modo, vai haver seis tipos de concerto nestas 20 e tal datas.

O que é que te levou a fazer isto agora? Esta...
Esta coisa [risos]. Houve várias razões. Primeiro, porque há já muito tempo que andava à procura de um sítio onde se pudesse estar a trabalhar continuamente, a receber as pessoas num ambiente fixo. Depois, porque fiz alguns espectáculos destes, em que contava e falava sobre as canções. A convite, por exemplo, do António Manuel Ribeiro [dos UHF]. A convite desse, a convite de outro. Também houve algo do género no Porto, e saí de lá com a sensação de que tinha sido muito bom. E que se desenvolvesse melhor a ideia isto tinha pernas para andar. E propus à malta que trabalha comigo que arranjasse um sítio confortável para as pessoas irem, em Lisboa, de modo a fazermos isto durante uma época mais morta, que é agora o Inverno. 

Quiseste fazer isto numa época mais morta para não afectar outros planos? Com os Xutos, por exemplo?
Os Xutos estão cheios de planos. Temos 300 mil coisas sempre para fazer. É uma maçada. Para já, os concertos ainda não acabaram este ano. Ainda vamos tocar em Fronteira, em Braga, num [concerto] privado e depois no fim do ano. Logo a seguir há o aniversário dos Xutos, a 13 de Janeiro. Depois param os concertos, e até Março temos que nos organizar para completar o disco que temos estado a fazer. Um gajo começa a fazer o disco, mas vai-se atrasando por isto ou por aquilo. Não é por falta de trabalho, é porque… 

Vão sempre aparecendo novas ideias e propostas. Como a tourné do Circo de Feras.
Exactamente. E depois inventa-se mais não sei quê e as coisas vão ficando um bocadinho para trás. Por isso é que quero ter isto resolvido até à Primavera. Não digo lançar o disco, mas pelo menos encaminhá-lo. Porque neste momento sinto que está tudo no congelador, à espera de que alguém se lembre de pegar. Se não nos dedicarmos a isto agora, acontece o que sempre acontece, que é aparecerem os concertos e depois não haver outra vez tempo.

Continuam sem ninguém no lugar do Zé Pedro?
Sim. Em termos de banda vamos ficar os quatro. O que não sabemos, e isso é uma coisa que está sempre em discussão, é se vamos precisar de outra pessoa para os concertos. Essa porta nunca está fechada. Porém, em termos de construção, em termos de gravação, em termos de participação criativa, não me parece que esteja aberta. Porque é uma coisa um bocado complicada, complexa, e às vezes até mete medo entrar ali alguém novo.  

Calculo. Depois de tanto tempo... 
Pois. Se fosse para a minha carreira a solo não teria muita dificuldade em escolher uma pessoa ou outra. Ou dizer anda cá tocar este bocado. Mas como não é para mim, é para os Xutos, não sou só eu que tenho de gostar. É também o Cabeleira, é o Kalú, é o Gui... E se demorámos quase sete anos a achar um produtor de que gostássemos todos, imagina um músico. Como te digo, pode acontecer que, depois das canções estarem criadas, seja necessário encontrar um executante para esta ou para aquela parte. Para não sermos eu e o Cabeleira a fazer as guitarras todas. Mas mais não. E isto já é um progresso. Na altura em que o Zé Pedro morreu, não conseguia mesmo admitir que outra pessoa fosse para ali, principalmente para o meu lado. Mas, se calhar, fui um bocadinho duro demais. 

É compreensível. Parecia-te que estavam a substituir o Zé.
Sim. As pessoas diziam que fazia falta o som do Zé Pedro. Ok. Mas eu não queria ter um facsimile do Zé ao meu lado. Por mais simpático que fosse. 

Lembro-me de termos falado disso na altura, até.
Pois, pá. Vale mais fazer algo diferente, e bom à mesma, do que ter um gajo a fazer de Zé Pedro ou a tocar as mesmas coisas.

Suponho que os concertos do Circo de Feras, com o Tó Trips,  te tenham ajudado a desbloquear isso, porém.
O Tó foi simpático o suficiente para aceitar o projecto, e para nos dizer logo à primeira hora que só ia fazer aqueles concertos. Isso foi bom. Porque ele tem a carreira dele, nós temos a nossa. E possivelmente íamos... Tenho medo. Porque ao início é tudo muito fixe, mas as pessoas depois começam a criar atritos, e o que era bom desaparece. E mais vale ficar como bons amigos.

Do que como mau casal.
Isso. Não vale a pena.

Essa digressão do Circo de Feras, tal como esta tua temporada a solo, olham para trás, apelam à nostalgia. Dá-te prazer revisitar o passado. Ou é algo que sentes que tens de fazer porque as pessoas querem que faças?
Olha, acho que estás enganado nas duas [risos].

Achas que as pessoas não querem que faças estes concertos?
As pessoas adoram e querem que os faça. Eu é que não os faço por elas quererem. Nem porque goste muito. Não é por aí.

Então é porquê?
Porque é possível. Porque podíamos e tínhamos vontade. Entre os Xutos, já tínhamos comentado que gostávamos de fazer o que já muita gente faz, que são concertos dedicados a discos específicos. E o Circo de Feras acabou por ser o mais evidente. Só que às vezes tenho pena de não poder visitar outros momentos mais vezes. Sei lá, a zona do Dizer Não De Vez, a zona do “Jogo do Empurra”, coisas assim. Até os próprios Dados Viciados, no seu todo. São canções que, para mim, têm um valor grande e ficaram para trás. Apesar disso, não tenho propriamente um gozo muito grande em refazer aquilo ou aqueloutro. Agora, que as pessoas gostam muito que se façam estas coisas, isso a gente já sabe desde a mudança do século. Ali por volta do ano 2000, as pessoas começaram a gostar muito do que se tinha passado. Acho que é um bocado de insegurança, medo do futuro.  

E é normal que tenhamos, não é? Ainda por cima quando o nosso futuro se afigura cada vez pior. Mais incerto.
Pois. Nisso tens toda a razão. Não falamos muito nisso, mas o terror, o receio do futuro, que a dada altura parecia ter-se afastado, está de volta.  

Naqueles primeiros anos da geringonça, olhava-se à volta e os portugueses estavam bem dispostos. Parecia que respiravam com vontade outra vez. De peito cheio. Todavia, após a pandemia nunca mais voltámos a respirar da mesma forma. 
Não. A covid deixou muitas sequelas. 

Nunca recuperámos. E logo a seguir começou a guerra na Ucrânia. Depois a inflação. Agora Israel. 
Israel, tudo por aí fora. Quando se deixou de falar na covid, as pessoas começaram-se a borrifar para tudo. “Quero é fazer o que me apetece, quero é divertir-me o mais possível, quero lá saber destes e dos outros e dos sacrifícios. Esquece lá isso, pá. Agora vamos aproveitar, aproveitar, aproveitar.” 

A covid foi uma coisa que nos devia ter feito repensar muitas coisas, só que não. Chegou um dia em que as pessoas se fartaram e disseram: “a covid acabou”.
Agora é festa. 

Não se pensou em nada, não se fez o balanço de nada.
“Quero lá saber disso, meu, depois ainda vem outro covid qualquer. Não, pá, não vou pensar…” Por exemplo, antes da pandemia, nessa fase que estavas a referir, as pessoas estavam mais livres, mais disponíveis. Pensavam no futuro e faziam planos e até eram capazes de guardar coisas ou dinheiro para mais tarde. Depois veio a covid e as pessoas passaram a pensar: “Não, amanhã vou fazer isto e depois de amanhã quero é que se lixe”. 

Pois. 
Que sera, sera.

Porque eu acho que nunca processámos o que aconteceu, o mal que os confinamentos nos fizeram.
Ninguém recuperou.

Ninguém.
Ficou tudo diferente. E voltou o medo.

Agora fiquei deprimido. Vamos lá acabar isto numa nota mais feliz.
Sim. Não vais pôr esta tristeza toda no papel. 

Vá, uma coisa feliz. Tu não precisas de trabalhar, podias estar só em casa a viver dos royalties, da SPA. O que te leva a abrir uma escola, a fazer discos dos Xutos, a ter tantos projectos aos 63 anos?
Quando me deito à noite, antes de dormir, gosto de me entusiasmar com o que vou fazer no outro dia. Ter qualquer coisa programada, uma razão para sair da cama. A covid também contribuiu para isso. Sentir os dias todos iguais foi uma prova difícil para toda a gente. E para mim também. Hoje, quando estou a fazer qualquer coisa e chego à noite com aquilo arrumado, começo logo a pensar que, se eu ligar este fio ao outro, depois se acontecer aquilo, se fizer aquilo, talvez possa ser assim. E na noite a seguir penso, já liguei este fio ao outro, já aconteceu isto e vai andando, vai andando, vai andando. Há-de chegar um dia em que esta inquietação acalma e tenho de fazer as coisas mais devagarinho. E pronto, tudo bem. Mas até lá, passar o tempo sem fazer nada, só a ler livros, a ler o jornal e a ver o pôr-do-sol pode ser porreiro, mas só durante cinco ou seis dias por ano.

Cinema São Jorge. 27-30 Dez (Qua-Sáb) e 23 Jan-8 Fev (Ter-Qui). 21.00. 20€

Continuamos à conversa

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