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A Vida em Cores
Gavin ThurstonA Vida em Cores

A forma como os animais vêem as cores está a mudar – e isso é um problema

Depois de comover meio mundo, no ano passado, David Attenborough volta para nos maravilhar (e inquietar) com ‘A Vida em Cores’. Antecipamos a nova minissérie da Netflix.

Hugo Torres
Escrito por
Hugo Torres
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Os documentários dedicados à Natureza e à vida selvagem têm muito de artificial. Gostamos de pensar o contrário, que estamos a penetrar nesses habitats naturais tal como são, virgens e inteiros, a partir do conforto deslumbrado do sofá. Mas não é assim. Estes documentários são uma construção que se tornou norma em televisão graças à BBC – sobretudo graças à BBC, através da sua Unidade de História Natural – e nos viciou o olhar. As perseguições, as manadas em debandada, o voo dos flamingos filmado de cima, acontecimentos raros mostrados em catadupa, os céus a abarrotar espectacularmente de estrelas (algo impossível de ver a olho nu) e, em particular, a ausência de seres humanos no ecrã são fruto de um aturado trabalho no terreno e na sala de edição, assim como do recurso a câmaras com tecnologia de ponta. É tudo menos natural. E isso tem consequências negativas na nossa relação com o mundo selvagem. David Attenborough é, paradoxalmente, um dos rostos desse formato, mas na nova minissérie que protagoniza para a Netflix carrega tanto na técnica que talvez mostre a fauna mais natural do que nunca.

A Vida em Cores, com estreia nesta quinta-feira, vai encher o olho. Isso é certo. No início do Outono passado, quando a pandemia dava sinais de que estaria para durar, o testemunho de vida de sir Attenborough, 93 anos, a maior parte dos quais dedicada à divulgação e à promoção da vida selvagem, caiu com o estrondo de um glaciar nos nossos corações gelados. Uma Vida no Nosso Planeta era um alerta sobre como o naturalista britânico tinha presenciado ele próprio, ao longo das décadas, os nefastos resultados de um modelo de desenvolvimento global insustentável e das alterações climáticas, e sobre como é preciso agir já e com determinação para salvar as gerações futuras. Sem apontar dedos, sem exaltações. Um comovente ponto de situação e uma exortação tranquila capaz de angariar alguns cínicos para a causa ambientalista. De certa maneira, a nova minissérie dá-lhe continuidade. Attenborough mantém o foco nas mudanças que estão a ocorrer, embora a aposta esteja agora tanto na capacidade de maravilhar os espectadores como em fazê-los pensar duas vezes antes de irem ao talho. E o que causa mais assombro do que a cor?

Em três episódios, ficamos a saber como é que a pigmentação contribui para a vida animal, do laranja e negro nos tigres-de-bengala às cores garridas das rãs Dendrobatidae. As respostas são conhecidas de antemão – ora se trata de camuflagem, ora encerram perigos letais, ora são armas de galanteio. Mas a equipa de Attenborough não se limita a mostrá-las pela enésima vez, nem a fazer uso de câmaras de altíssima definição para as apresentar ainda mais brilhantes, ainda mais contrastadas, numa espécie de Instagram em esteróides. Não. Aqui, a tecnologia permite que se vejam as cores tal como os animais as vêem. E são bastante distintas. É esse o apelo de A Vida em Cores, que obrigou a desenvolver material de rodagem propositadamente para o projecto. Em vez de criar falsas expectativas sobre a vida selvagem, e a sua alegada condição de Natureza intocada (problema sobre o qual a jornalista Emma Marris escreveu recentemente na Atlantic), esta co-produção da Humble Bee Films e da SeaLight Pictures para a Netflix promete pôr-nos do lado dos bichos.

Por outro lado, é mais um capítulo na história de perseverança de David Attenborough. Apesar de ser um nonagenário já entradote, o naturalista recusa-se a ser um isco destes programas. A emprestar-lhes o nome e o prestígio, narrando-os de cadeira. Continua a viajar pelo planeta. Em A Vida em Cores, desloca-se à vizinha Escócia, para uma visita às Terras Altas, submete-se a uma viagem intercontinental até às florestas tropicais da Costa Rica. É nessas incursões que nos ajuda a perceber como é que as alterações climáticas estão a mudar as cores que os animais percepcionam e que impacto é que isso pode ter nos ecossistemas, enquanto nos mostra sinais UV emitidos a partir de asas de borboletas ou estranhos padrões escondidos nas penas dos pavões. Tudo a acontecer num campo visual invisível aos nossos olhos – de resto, como sabemos, é aí que está o essencial.

Netflix. Qui.

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