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Vista frontal do museu
Studio LibeskindVista frontal do museu

Afinal, o que vamos discutir sobre o futuro Museu Judaico?

O novo Museu Judaico de Lisboa vai entrar em discussão pública, mas pouco se sabe, ainda, sobre o seu desenho. Perguntámos ao atelier Saraiva + Associados, que colaborou com Libeskind, como será, afinal, este museu.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
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A 23 de Fevereiro, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) aprovou a promoção do debate público sobre o futuro Museu Judaico da cidade. A decisão prende-se com o facto de o desenho do edifício, assinado pelo polaco-americano Daniel Libeskind, em colaboração com o atelier Saraiva + Associados, ter uma frente contínua de 80 metros, característica que coloca em causa o sistema de protecção de vistas da frente ribeirinha previsto no Plano Director Municipal (PDM) – que diz que os novos edifícios não podem ter frentes contínuas de dimensão superior a 50 metros. Para avançar com a obra, a CML teve de declarar o "interesse excepcional" do museu para a cidade, o que obriga à discussão pública do projecto, por um prazo mínimo de 30 dias.

É essa a discussão que se abrirá, depois da apresentação pública detalhada do projecto. "Estando o Museu com as dimensões mínimas [possíveis], penso que a discussão pública poderá incorporar as questões da envolvente, sobretudo. Nós achámos que, aqui, o sistema de vistas está totalmente salvaguardado, não subvertemos o PDM. Se a discussão versasse sobre questões estéticas, estaríamos a praticar arquitectura a metro. E é preciso ver que todos os serviços da CML e a DGPC [Direção-Geral do Património Cultural] deram uma nota favorável a esta intervenção", declara à Time Out Miguel Saraiva, do atelier que colaborou com Libeskind nesta criação.

Futuro Museu Judaico
Studio LibeskindFuturo Museu Judaico

O arquitecto português defende que não se pode olhar para o Museu Judaico "simplesmente como um edifício comprido". "Há uma resposta a um programa funcional e cultural. Um museu tem sempre um percurso associado e esse percurso seria muito difícil de fazer em menos espaço, sendo que aqui havia condicionantes como a altura, a volumetria do edifício e a dimensão do terreno", explica. Posto isto, a área de implantação do edifício é de 2000 metros quadrados e mais 2360 metros quadrados são reservados ao logradouro, que inclui zonas de estar e os acessos ao edifício. A zona de estar integra uma área verde, com relvado "mas também alguma componente arbórea", que vai comunicar com toda a envolvente, em especial a zona de passeio de quem segue desde o Centro Cultural de Belém (CCB) na direcção de Pedrouços, onde se implantará o novo museu, de seu nome Tikvá (palavra hebraica que significa esperança).

Quanto ao edificado, vai dividir-se em cinco volumes, "fragmentos" que se prolongam em 80 metros à frente do rio, sendo que cada um deles representa uma letra da palavra Tikvá. Entre os diferentes volumes, "o skyline não é constante", variando entre 10,40 metros e 15,30 metros de altura, "o equivalente a edifícios entre os três e os cinco pisos, aproximadamente", compara Miguel Saraiva. Longe de ser um conjunto de blocos simétricos e monótonos, associado ao conteúdo, "há uma necessidade de criar estímulos através da arquitectura", explica o profissional. Do ponto de vista do conteúdo, a proposta que mereceu o parecer favorável de todos os vereadores enquadra um espaço que, além de contar mais de dois mil anos de história judaica em território nacional, “visa potenciar a actividade cultural e criativa da cidade de Lisboa, promovendo acções educativas e pedagógicas com a participação de escolas e estabelecimentos de ensino, bem como acções de investigação e acções de divulgação da história da comunidade judaica portuguesa e do património cultural judaico” da cidade.

A questão das vistas

Cientes do sistema de protecção de vistas do PDM, os arquitectos chegaram a equacionar uma hipótese de museu "em dois volumes separados", para quebrar a tal frente contínua de 80 metros. "Mas não faria sentido estar a visitar o museu e ter de sair para voltar a entrar e continuar a visita, numa segunda fase", explica Miguel Saraiva, para quem "faz todo o sentido" existir este sistema de salvaguarda da visão para o rio, com o objectivo de impedir que se crie "um muro entre a zona alta e a zona baixa da cidade". Permite "uma permeabilidade visual fluída", diz. Mas, ao mesmo tempo, a possibilidade de evocar o interesse excepcional de uma determinada obra "existe para ser utilizada, não pode ser vista como um problema", defende o arquitecto.

Futuro Museu Judaico
Studio LibeskindFuturo Museu Judaico

Basta olhar para a frente ribeirinha para se perceber que a excepção já ocorreu mais do que uma vez na história de Lisboa. São disso exemplos as construções da Fundação Champalimaud, do MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia ou do Hospital CUF Tejo, com este último a estar envolto numa especial polémica e contestação, dada a altura e o impacto que o edifício trouxe à cidade, não protegendo a vista a partir de zonas mais altas, como na freguesia de Alcântara. Na altura, o caso conduziu à demissão do vereador do Urbanismo Manuel Salgado, responsável por aprovar a construção do hospital e tendo sido constituído arguido na sequência dessa decisão, depois de 12 anos na autarquia. Em entrevista ao jornal Expresso, em 2019 (ano da sua saída), o ex-autarca afirmou o seguinte acerca da CUF Tejo: “É preciso reconhecer que não resultou. O seu impacto volumétrico é excessivo. Se fosse hoje, não o teria aprovado.”

Paulo Ferrero, da associação Fórum Cidadania Lx, movimento que se mostrou contra a edificação do Museu Judaico proposta na década passada para Alfama, refere que, no caso deste projecto, "conheciam-se os pormenores, ele foi apresentado". "Agora sabe-se muito pouco. Também é um lote muito pequeno e depois parece ter um impacto visual grande nas imagens 3D", diz, alegando que "é sempre melhor apresentar primeiro à população do que acontecer o que aconteceu em Alfama". Por outro lado, acredita que "é preciso ter cuidado com esta questão do interesse excepcional". "Podem alegar que há interesse público em diferentes projectos, como já aconteceu, e depois suspende-se o PDM e pronto", afirma.  

Dez anos à espera

O projecto do Museu Judaico de Lisboa arrasta-se há mais de dez anos. Começou por tornar-se num caso bicudo em Alfama, a primeira localização escolhida, em 2013, para a criação de um museu sobre a memória e a cultura judaicas na Península Ibérica. Moradores e comerciantes juntaram-se, por considerarem que o desenho de Graça Bachmann rompia com a tradição do bairro, e em 2018 a sua construção foi suspensa. A zona entre Belém e Pedrouços foi a nova solução encontrada, em 2021, e a inauguração do museu chegou a estar prevista já para este ano de 2024. Mas a "mudança do executivo", "questões técnicas" e "burocracias" terão sido algumas das responsáveis pelo facto de a construção do Tikvá ainda não ter começado. "Não é um atraso que me surpreenda", constata Miguel Saraiva.

Futuro Museu Judaico
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Apenas em Abril de 2023, a Associação Hagadá (entidade privada sem fins lucrativos responsável por construir, instalar e gerir o museu em terreno público) submeteu à autarquia o pedido de licenciamento para a realização da obra. No mesmo dia em que a Câmara aprovou a discussão pública do projecto, também votou favoravelmente a permuta de terrenos para viabilizar a construção do museu. Em causa está a troca de uma propriedade privada de 185 metros quadrados por um terreno municipal com 774,28 metros quadrados, ambos na Rua da Praia de Pedrouços, tendo o particular de pagar ainda 559 mil euros, de acordo com a agência Lusa.

Em comunicado, a vereação do Bloco de Esquerda referiu que, com este negócio, a Câmara avançou com a "alienação de um terreno da CML onde estavam previstas 12 casas de renda acessível", e permitiu ao proprietário privado ter "um ganho potencial de 3,1 milhões de euros, o que é um benefício manifestamente elevado e uma perda enorme para a cidade que perde casas que as pessoas podem pagar". Já o Cidadãos Por Lisboa defende que "não está em causa a realização do Museu Judaico, mas sim a solução deste executivo para a obtenção da parcela privada necessária de terreno, por permuta com terreno municipal edificável e que, como tal, poderia ser usado para construir habitação acessível". Também o Livre considera que "não faz sentido que a câmara abdique de um terreno com enorme potencial construtivo" para habitação e que, sendo necessário um terreno para permitir a construção do Museu Judaico, o município deveria recorrer a "outros mecanismos ou formas de compensação, como a compra através do exercício de direito de preferência ou a expropriação".

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