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Boutique da Cultura, em Carnide
Américo Simas/CMLBoutique da Cultura

Aos dez anos, Boutique da Cultura mais que duplica e integra rede Um Teatro em Cada Bairro

A coqueluche de Carlos Moedas no plano cultural ganhou três salas novas, para ensaios, oficinas e espectáculos. A inauguração coincidiu com o 10.º aniversário do espaço em Carnide.

Rute Barbedo
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Rute Barbedo
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Ainda Carlos Moedas andava em campanha, em 2021, e já a Boutique da Cultura era o seu modelo de como fazer cultura na cidade. “Assegurar um centro multicultural em cada bairro” foi, então, uma das promessas em destaque no programa eleitoral, a par de propostas como a Fábrica de Unicórnios ou o investimento nos mercados municipais. Desde então, o executivo inaugurou cinco espaços do programa Um Teatro em Cada Bairro: no Rego, em Santa Clara, em Benfica, na Estrela e, ontem, 22 de Outubro, em Carnide, sendo este o primeiro da rede com gestão autónoma e com uma história de dez anos para contar.

A pergunta é: o que muda na Boutique da Cultura ao ganhar o selo da autarquia? Para já, viu ampliada a área dedicada ao projecto Livrarias Solidárias (em que livros doados por particulares e editoras são vendidos por valores entre um e cinco euros), ganhou três novas salas e uma zona para espectáculos ao ar livre, mais que duplicando, na totalidade, o seu espaço de acção. Depois, passa a funcionar em articulação com os restantes espaços da rede. Por fim, nas agendas de quem dirige a Boutique, entrarão mais reuniões com a Câmara Municipal de Lisboa, apesar da garantida gestão independente. Ou seja, na prática, a capacidade para acolher público e criadores aumenta, mas a linha orientadora do projecto mantém-se. “Estamos muito contentes por este ser o primeiro equipamento da rede de gestão não autárquica. Vamos manter a nossa autonomia. Só assim, na pluralidade, é que se constrói cidade”, discursou Paulo Quaresma, presidente da Boutique da Cultura, durante a apresentação dos novos espaços, não apresentando complexos quanto ao facto de serem “uns pré-fabricados por detrás do Colombo” (piada de Pedro Tochas, comediante integrado na programação da Boutique). “Estamos orgulhosamente em contentores”, afirma Paulo Quaresma.

A pluralidade de que fala Paulo Quaresma quando pensa na cena cultural de Lisboa também tem uma expressão interna bastante vincada. Com enfoque na comédia, no teatro infantil e experimental, dois terços da programação do espaço são produzidos por colectivos de fora. “Somos capazes de receber 50 grupos por ano, de Lisboa e não só”, contabiliza o presidente, o que perfaz uma média de 200 pessoas envolvidas diariamente no projecto. Em acolhimento ou parceria, chegam grupos de teatro, ensaiam coros, pratica-se yoga (numa vertente de trabalho artístico do corpo) e vêm também utentes de instituições psiquiátricas estrear-se na expressão dramática. “A partir das 18.00, isto é uma loucura”, ilustra por seu lado o director artístico, João Borges de Oliveira. 

Boutique da Cultura
Américo Simas/CMLLivrarias Solidárias

A produção in loco, por sua vez, assenta num trabalho de proximidade com a comunidade de Carnide. “Gostamos muito de ter cá pessoas como o [Pedro] Tochas ou a Rita Ribeiro, claro, mas, para nós, o mais importante é dar esta oportunidade de as pessoas trabalharem em conjunto e de subirem ao palco. E acho que é assim que somos reconhecidos por quem nos visita, como um lugar que aposta no trabalho ligado à cidadania”, diz Paulo Quaresma.

Em concordância, o director artístico partilha um exemplo: “Já demos formação em teatro a mulheres de bairros municipais e fizemo-lo muito com o objectivo de empoderá-las, não só para subirem a um palco mas também para se capacitarem para uma entrevista de emprego, por exemplo.” Não é raro, por isso, assistir-se na Boutique da Cultura a peças como Natálias (homenagem a Natália Correia no seu centenário, em cena até 2 de Novembro), em que actrizes profissionais convivem com alunas e mulheres de Carnide abertas a representar, juntando-se “vários percursos” numa mesma sala.

Leonilde Melo é uma das Natálias em palco, mas também uma das cidadãs que contribuiu para o crescimento da Boutique nos últimos anos. “Ainda não havia estes contentores e eu já andava no Espaço Bento Martins [da Junta de Freguesia de Carnide, onde a Associação Boutique da Cultura funcionou durante seis anos, antes de ter um espaço próprio], a ensaiar. Depois, veio a livraria [financiada pelo programa BIP/ZIP] e, mais tarde, pertenci ao grupo de pessoas que lutou por este lugar no Orçamento Participativo [em 2019]. Preciso do teatro e um espaço cultural em Carnide, uma freguesia com uns 12 mil habitantes, fazia muita falta. Para mim, isto foi uma lufada de ar fresco, até pela convivência intergeracional que aqui acontece. Nesta peça, eu sou a mais velha das Natálias, mas temos também a Maria, de 17 anos”, relata a moradora do bairro.

Além de Natálias, para os próximos meses podem esperar-se, na Boutique da Cultura, espectáculos infantis como o clássico O Capuchinho Vermelho (em versão musical), O Concerto Intimista para Graúdos e Miúdos ou a dupla de comediantes Tochas e Telmo.

Resposta à necessidade de espaços culturais é insuficiente

O facto de grande parte da actividade da Boutique da Cultura ser desenvolvida por companhias externas denuncia a carência de espaços para fazer cultura em Lisboa. “Temos cá o [encenador e actor] João de Brito, enquanto não há D. Maria, tivemos cá o João Baião durante dois meses… A cidade tem um problema claro de falta de espaço para a criação cultural”, diagnostica o director artístico. Questionado pela Time Out, o vereador da Cultura, Diogo Moura, contabiliza “mais de 100 pedidos nos últimos anos”, assumindo que “não há capacidade para responder a isso”, nem física nem financeira. Trabalhar em rede, como propõe o programa Um Teatro em Cada Bairro, é a solução possível, segundo o vereador.

No início de Novembro, a rede municipal recebe mais um "inquilino": o Complexo dos Coruchéus, em Alvalade, que funcionará no antigo atelier do escultor Laranjeira Santos, junto à Galeria Quadrum e à biblioteca. Seguem-se o antigo lavadouro da Ajuda e o local onde hoje funciona a Academia Dramática Familiar, em Pedrouços, ambos em obras e com inaugurações previstas para 2025. No futuro, o programa contará com mais "teatros de bairro", mas ainda não se sabem quais nem onde. Em 2024, aliás, segundo avançou Diogo Moura, a autarquia vai lançar uma chamada às estruturas da cidade que possam estar interessadas em fazer parte do programa-bandeira de Carlos Moedas.

Boutique da Cultura. Av. do Colégio Militar, 1500-187. Seg-Sex 09.30-13.00, 14.30-22.00 Sáb 10.00-13.00, 14.00-18.00 Dom 14.00-18.00

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