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Benfica abre um portal entre o passado e o futuro: o Cine-teatro Turim

Um auditório completamente renovado, um bar com finger food e videojogos, e um restaurante (minhoto) especializado em francesinhas. A terceira vida do Turim começa este sábado, aos 40 anos. Obras custaram 450 mil euros.

Hugo Torres
Escrito por
Hugo Torres
Director-adjunto, Time Out Portugal
Cine-teatro Turim
Francisco Romão Pereira/Time OutA entrada do Turim pela Rua da República Peruana
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“Benfica é um dos últimos bairros típicos de Lisboa?” Em Abril de 2019, ainda a crise da habitação ia no adro, a Time Out publicava na sua revista semanal um tema de capa sobre Benfica e a manchete vinha na forma de uma pergunta. A resposta estava lá dentro e não deixava margem para dúvidas: sim, é. Cinco anos depois, continua a ser verdade. Não é um caso de inércia. Pelo contrário: o que tem vindo a acontecer é um movimento de recuperação do que faz de Benfica um bairro assim. O mais recente exemplo é o Cine-teatro Turim, que reabre ao público este fim-de-semana, depois de uma profunda remodelação.

Inaugurado em 1984, o espaço cultural vai ser uma cápsula do tempo, com decoração e programação muito devedora dos anos 1980 e 1990, embora esteja também pensado como um local de acolhimento e de descoberta de novas criações e de novos artistas. Cinema, teatro, dança, música, stand-up, tudo. “Queremos que seja um espaço de fusão e de criação cultural com muita abrangência, muito livre”, diz à Time Out o presidente da Junta de Freguesia de Benfica, Ricardo Marques. O fim-de-semana da reabertura deve mostrar o que será um dia característico no Turim: programação para as famílias de manhã, cinema e conversas à tarde, e à noite concerto e DJ set, ou uma sessão de stand-up. “Na prática, num dia, vamos buscar o público sénior, jovens e crianças. Portanto temos um sítio que une a comunidade. É um ponto de centralidade. Esta é a visão que sabemos que o Turim traz.”

O Auditório Afonso Moreira, ainda em obra
Francisco Romão Pereira/Time OutO Auditório Afonso Moreira, ainda em obra

No sábado, as portas abrem-se às 10.00 com um “family challenge” no Arcade Bar (que repete à mesma hora no domingo). Segue-se a cerimónia de inauguração, às 11.00. Os primeiros a entrar no Auditório Afonso Moreira serão os miúdos, para assistir a O Capuchinho Vermelho, peça infantil da Tártaro, a partir das 11.30. Os mais crescidos entram à tarde, às 14.30, para ver ou rever Caça-Fantasmas, clássico de Ivan Reitman vindo directamente do Natal de 84 e que fará com certeza parte da conversa com Nuno Markl, que vai acontecer às 17.30. À noite (21.00), a curadoria de Dino D’Santiago ocupa o auditório com os projectos da Lisboa Criola. O dia termina com um DJ set no bar.

O domingo de manhã está reservado para uma sessão de cinema infantil com o dedo da produtora de animação Sardinha em Lata (11.00). E o início da tarde também é para as crianças, com o musical infantil MagoLand (15.00). O dia continua com um concerto de João Feneja (19.00) e termina com stand-up comedy, com Liliana Marques a chamar ao microfone David Cristina, Ruben Branco e Dagu. Todas as actividades são gratuitas, incluindo a sessão de cinema que fecha a programação especial de reabertura, já na segunda-feira: E.T: O Extraterrestre, um dos filmes-carreira de Steven Spielberg.

Ricardo Marques, presidente da Junta de Benfica
Francisco Romão Pereira/Time OutRicardo Marques, presidente da Junta de Benfica, junto à bilheteira do Turim

O Turim encerrou pela primeira vez em 2007. Três anos mais tarde, reabriu graças a uma tentativa da actriz Anabela Moreira e do realizador João Canijo de ali criar um pólo cultural. Mas voltaria a encerrar em 2015. Em 2020, quando assumiu a presidência da Junta, Ricardo Marques começou a alimentar a ideia de o devolver ao bairro e abordou o proprietário, o empresário Afonso Moreira, pai das actrizes Anabela e Margarida Moreira. “Sempre sentimos que havia uma ferida aberta na memória da freguesia, que era o facto de o Turim estar fechado. Falei pela primeira vez em 2020 com o senhor Afonso Moreira”, diz o autarca. Todavia, este não se deixou seduzir logo pela ideia. “Andámos a falar uns meses. Ele estava algo descontente com a Câmara [de Lisboa], por causa de um licenciamento no início dos anos 2000. Estava algo melindrado com as entidades públicas, mas fomos ganhando confiança um com o outro e na altura – se não me engano, no Verão de 2021 – conseguimos concluir os termos gerais do acordo, que seria um arrendamento a dez anos para este propósito. Ficou sempre claro que a nossa intenção era nunca desvirtuar este objectivo, que era de reabrir a sala de espectáculos do Cine-teatro Turim.”

Finalizado o acordo, e ainda antes das obras, organizou-se um open day (dois, na verdade) em Outubro do ano passado. “Um bocadinho para o devolvermos à população, mas também para servir quase de uma auscultação daquilo que isto poderia ser.” Correu bem. “Passaram por cá centenas e centenas de pessoas em dois dias, todas a trazer-nos um bocadinho daquilo que é hoje o Turim. Percebemos que a vocação de cinema do Turim era algo muito importante para as pessoas”, conta Ricardo Marques. “É importante devolver estes pequenos cinemas de bairro, de proximidade, com filmes que podem não ser os do mainstream, mas que são aqueles que queremos ver com a família ou com um grupo de amigos.” A memória, frisa, é de grande importância neste projecto. “Sentimos muito isso [no open day], esta questão das memórias. Houve pessoas a chorar, agarradas à mulher, a contar aos filhos que foi aqui que começaram a namorar.” Para a honrar, até o velhinho projector de 9 mm foi recuperado e está pronto a usar, apesar de ter sido adquirido um moderno projector digital.

O velho projector de 9 mm recuperado
Francisco Romão Pereira/Time OutO velho projector de 9 mm recuperado

“O cinema tem que ter um pendor muito grande no programa. Mas não queremos desvirtuar a memória da família Moreira, especialmente da Anabela e da Margarida Moreira, que em 2005 decidiram fazer deste espaço também uma sala de teatro. Daí ele ser um espaço muito polivalente”, observa o autarca, revelando estar a estabelecer um protocolo com o vizinho Instituto Politécnico de Lisboa, para que os alunos das escolas superiores de Teatro e Cinema, Música e Dança possam ali apresentar-se, “tentando que seja um espaço emergente na cidade. Que haja aqui um refúgio. Que qualquer jovem artista, de diferentes áreas de expressão artística, possa vir e apresentar-se à comunidade.” Ou seja, este é um espaço cultural que se vai alimentar muito do passado, mas também do que será o futuro.

O investimento na reabilitação do Cine-teatro Turim foi de 450 mil euros, dos quais 150 mil custeados pela Câmara Municipal de Lisboa ao abrigo do programa Um Teatro Em Cada Bairro (este é o segundo da rede, depois do Avenidas, que abriu no final de 2022 no Rego). O resto ficou a cargo da Junta de Freguesia de Benfica, responsável pela gestão do equipamento. Os custos fixos anuais estão estimados em 350 mil euros, segundo Ricardo Marques, entre programação, recursos humanos e manutenção do elevador (uma novidade a ligar os dois pisos, mesmo ao lado da bilheteira, que foi mantida e que voltará a essa função). A Câmara entra com 100 mil euros anualmente. A Junta assume o que falta, sem a expectativa de que a receita do Turim cubra a diferença. “Tal como no Auditório Carlos Paredes e no Palácio Baldaya, assumimos que a produção cultural tem um custo. Portanto, uma entidade pública que se predispõe a fazer cultura tem que assumir que o que gasta em cultura é como o que gasta em direitos sociais ou em mobilidade. Em Benfica, assumimos isso. Esta aposta na cultura, ao longo desta década, mudou a face de Benfica”, afirma, antecipando outros projectos, como a Biblioteca António Lobo Antunes. “A cultura tem um papel fundamental na comunidade que somos hoje, no sentimento de pertença, e o Turim será aqui mais uma cereja, para não dizer a cereja do topo do bolo.”

A entrada do Turim pela Estrada de Benfica
Francisco Romão Pereira/Time OutA entrada do Turim pela Estrada de Benfica

3, 2, 1… Fight!

O renovado Cine-teatro Turim é essencialmente constituído por três espaços. No piso térreo, com entrada pela Rua da República Peruana, fica o Camada, restaurante especializado em francesinhas, com origem em Braga e casas espalhadas pelo país (Viana do Castelo, Barcelos, Fafe, Porto, Aveiro, Vilamoura). É a estreia em Lisboa e tem, por força do caderno de encargos, um pequeno palco para que a programação cultural também ali ocorra. Quem entrar pela Estrada de Benfica percorre o corredor até à bilheteira e daí desce para o piso inferior, onde fica o Auditório Afonso Moreira e o Arcade Bar, este a cargo da Associação Menino da Lágrima, cuja ambição passa por tornar as idas ao Turim em experiências completas. Entre os seus associados notáveis contam-se Ana Bacalhau, Nuno Markl ou Filipe Melo.

A primeira coisa que vemos ao descer é uma máquina arcade. “Não podia deixar de ser”, diz à Time Out Miguel Ponces de Carvalho, vice-presidente da associação. Vai dar para jogar uns clássicos, como o Tetris ou “talvez” o Street Fighter. “Do lado esquerdo teremos o bar. Depois temos a entrada para o cinema e está ali também uma zona para se poder estar a tomar um copo. Depois, para o lado direito, teremos a nossa zona de exposições.” (Para inaugurar esta área, a associação comissariou uma exposição com reinterpretações da pintura do Menino da Lágrima por artistas nacionais e estrangeiros. “Temos coisas incríveis”, adianta o responsável.) Ao fundo, fica o snack-bar, com um carta de finger food a cargo de Daniel Roque, consultor gastronómico com percurso por cidades como Londres ou Dusseldorf.

O núcleo da associação Menino da Lágrima: Miguel Ponces de Carvalho, Francisca Silva, Patrícia Ameixal e Diogo Andrade
Francisco Romão Pereira/Time OutO núcleo da associação Menino da Lágrima: Miguel Ponces de Carvalho, Francisca Silva, Patrícia Ameixal e Diogo Andrade

Ao contrário do auditório, que as pessoas vão encontrar exactamente igual ao que era, a criação do Arcade Bar obrigou a uma alteração significativa daquele espaço. A divisão por lojas deu lugar a um open space. “Era impossível manter a traça. Era um centro comercial dos anos 90. Paredes verdes…” Ponces de Carvalho diz que a escolha da arquitecta para esta intervenção foi criteriosa. “Fizemos questão de ir buscar alguém mais ou menos da nossa idade que conseguisse olhar para o passado e, aproveitando esses momentos do passado, fizesse algo mais virado para o futuro.” A escolha recaiu sobre Cláudia Campos, que ajudou a criar um espaço que se vai ajustando às necessidades do momento. “Ou seja, teremos algumas arcades que podem passar de um sítio para o outro, em função de termos DJ ou não [ou noutras circunstâncias]. Porque a nossa ideia é conseguirmos abranger o máximo número de pessoas possível. Por exemplo, quando há teatro infantil, a ideia é os pais não terem de apanhar uma seca. Podem ficar a beber um cocktail, uma cerveja (teremos cervejas que não se costuma ver muito). Podem ficar a jogar nas arcades. A seguir até podem mostrar às crianças: olha, quando era da tua idade era isto que jogava. A experiência que temos, do open day, é que as crianças têm muito interesse pelas arcades.

A programação de cinema também vai ter a curadoria Menino da Lágrima. Além dos blockbusters já inscritos na história dos filmes e da cultura popular (como os dois do fim-de-semana de abertura), os espectadores podem contar com clássicos – incluindo, “se calhar”, alguns do cinema português “que quase ninguém viu” – e cinema independente dos nossos dias (“Já estamos em conversações com alguns produtores independentes”). “Este espaço permite-nos de tudo um pouco, sem ser cinema mainstream. Não tencionamos, pelo menos por enquanto, fazer aqui uma estreia de um grande filme. A sala é pequena. Apostaremos sempre mais num circuito alternativo”, revela Ponces de Carvalho. Mas não só. “O cinema não tem de se esgotar quando as luzes se acendem. Há livros, pode-se falar sobre eles. Há DJ sets com a música. Há merchandising. E nós queremos fazer isso. Queremos que uma ida ao cinema seja uma experiência.” Há até a vontade de que a comida servida no snack-bar seja “apropriada” ao filme que se vai ver. E há outro pormenor ainda: os bilhetes. Não querem aqueles talões despersonalizados dos nossos dias. “Se souberem de alguém que tenha uma máquina de bilhetes antiga…” Bom, se souberem, eles estão interessados.

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