A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Arte, Design, Inês Cottinelli, Daciano da Costa
©Mariana Valle LimaInês Cottinelli

Atelier Daciano da Costa reedita peças do papa do design português

Agora é possível levar Daciano da Costa para casa, mas acima de tudo conhecer mais profundamente a sua obra. Fomos visitar o novo atelier que promove o seu trabalho.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
Publicidade

Muitos portugueses já estiveram sentados em cadeiras desenhadas por Daciano da Costa, alguns sem fazerem ideia. Estão no Coliseu de Lisboa, na Fundação Calouste Gulbenkian e na Casa da Música, entre muitos outros espaços. O homem que levou a disciplina de Design para a academia portuguesa deixou-nos em 2005, mas a sua obra – que vai além de peças de mobiliário – continua bem viva. Agora, o seu legado está a ser fortalecido com o novo Atelier Daciano da Costa, fundado pela filha Inês Cottinelli, com quem nos sentámos a conversar.

Cadeiras, poltronas, mesas, cinzeiros, posters, estantes, porcelanas. Entrar neste atelier é entrar num mundo com traço de Daciano, dos originais às recentes reedições que estão a ser trabalhadas com parceiros escolhidos a dedo. Inês é uma das cinco filhas de Daciano da Costa, a do meio, arquitecta paisagista que em 2013 decidiu dar continuidade à Sociedade Daciano da Costa, com o objectivo de comunicar e valorizar a obra deixada pelo pai. Em 2019, a sociedade encontrou uma nova casa na Lapa, mas a pandemia trocou-lhe as voltas e só agora teve direito a uma inauguração formal na Rua Arriaga, 2. É aqui que pode comprar uma nova peça para a sua casa – ou no site oficial, uma plataforma que inclui toda a informação relativa à vida e obra de Daciano como professor, arquitecto de interiores e designer, elencando as suas principais obras.

Daciano da Costa, Designer, Mobiliário
©DR

Daciano em três tempos
Formado em pintura pela Escola de Belas-Artes de Lisboa, da Costa abriu o seu atelier/escola de design em 1959, numa altura em que “design” era uma palavra estranha em Portugal. A primeira grande encomenda não demorou a chegar: uma intervenção na Reitoria da Universidade de Lisboa, para a qual assinou a arquitectura de interiores e mobiliário. Seguiram-se outros projectos relevantes na área da arquitectura de interiores, como o Teatro Villaret, a Biblioteca Nacional de Lisboa, a Fundação Calouste Gulbenkian, o LNEC – Laboratório Nacional de Engenharia Civil, o Centro Cultural de Belém ou o Coliseu dos Recreios. Daciano foi ainda o responsável, em Lisboa, pelo projecto de requalificação da Praça da Figueira em 1999, em que ainda falta completar o sistema de composições de azulejos nas fachadas da praça.

A partir de 1977 foi docente convidado do Departamento de Arquitectura da Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, precursor da Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa (FA-UTL), onde posteriormente implementou o plano de estudos do curso de Licenciatura em Arquitectura do Design, criado em 1992. Teve ainda uma profícua colaboração com a Metalúrgica da Longra, onde introduziu “as práticas do design industrial”, diz Inês.

Depois veio a Casa da Música, inaugurada em 2005. Para o interior, o arquitecto holandês Rem Koolhaas elegeu a mobiliário desenhado por Daciano da Costa para diversas obras, do Teatro Villaret ao Hotel Altis, entre muitos outros, e o que hoje encontramos na sala de concertos do Porto são novas versões das peças, da estrutura à cor, naquela que foi a última obra acompanhada pelo próprio Daciano. Em Lisboa, conta-se outra história curiosa. A Estação Sul e Sueste, inaugurada em 1932 e da autoria de Cottinelli Telmo, reabriu portas em Abril de 2021, com o traço e a função originais, num projecto desenhado pela arquitecta Ana Costa, também filha de Daciano. Na altura, o atelier concorreu com peças de mobiliário, como as poltronas Boroa que, diz Inês, “ficaram ali muito bem”, sublinhando que “estão ali várias gerações [da família] de mão dada no edifício”.

Arte, Design, Cadeiras, Daciano da Costa
©Mariana Valle LimaCadeiras Palace

Sempre na linha
A criação de linhas de mobiliário de escritório é um dos legados do multifacetado Daciano da Costa. Assim como peças de decoração, das cerâmicas que desenhou para o Hotel Madeira Palácio, aos objectos em mármore para o Hotel Altis, em Lisboa, dois exemplos mais portáteis à venda no Atelier, reedições na sua maioria baptizadas com o nome dos espaços para os quais foram originalmente desenhadas. É o caso das cadeiras da Linha Alvor, Linha Palace, Linha Casino, Linha Reitoria (também com canapés), Linha BNU (com uma mesa disponível), Linha Penta, um conjunto de tapeçarias que serviam de sinalética de identificação dos pisos no antigo Hotel Penta (hoje Hotel Marriott Lisboa) e ainda do Prática, um sistema modular de estantes metálicas, desenvolvido na década de 70. A curadoria tem sido feita com a ajuda de João Paulo Martins, antigo aluno e colaborador de Daciano da Costa, professor na Faculdade de Arquitectura de Lisboa e o comissário da exposição “Daciano da Costa – Designer”, na Fundação Gulbenkian, em 2001, evento que assinalou os 40 anos do ofício do designer.

Nesta primeira fase, estão a reeditar estas peças originais, com desenhos da época, e a avançar com prototipagens, mantendo na íntegra toda a selecção e escolha de materiais do autor. “Não podemos fazer tudo, mas sim escolher algumas que vão ao encontro da nossa vontade de serem peças compatíveis com ambientes domésticos e entrar dentro da casa das pessoas.” O Atelier Daciano da Costa lançou também uma primeira edição de serigrafias com dois desenhos que Daciano fez quando tinha apenas 17 anos e era aluno na Escola de Artes Decorativas António Arroio, uma forma de comunicar a sua obra a preços mais acessíveis. A ideia é trabalhar vários temas: depois do Daciano Estudante, segue-se a série de serigrafias Daciano Pintor e uma outra dedicada aos desenhos de viagem.

Na calha está ainda a reedição do livro Design e Mal-Estar (1998), uma compilação de textos e imagens publicados por Daciano nos jornais portugueses, “que documentam a militância de um designer e de um professor durante estes últimos 25 anos”, nas palavras do próprio, então em entrevista a Carlos Pinto Coelho, no programa Acontece, da RTP2. Será reeditada pela Orfeu Negro e lançada por alturas da próxima Feira do Livro, em formato de livro de bolso, com um preço acessível.

Desenho original, Daciano da Costa, mesa e cadeira Hotel Alvor, 1967
©DRDesenho da mesa e cadeira Alvor

Daciano fora de portas
Esta missão de manter viva a obra de Daciano também passa por outras casas. Entre 19 de Fevereiro e 30 de Abril, o espaço Clink, no Porto (Rua do Rosário, 84), recebe uma mostra inédita chamada “Da forma no espaço ao espaço da forma”, uma homenagem composta por peças originais e reedições, um documentário, desenhos e fotografia de autor. Em Abril, o atelier vai ao Brasil para uma participação no SP–Arte – Festival Internacional de Arte de São Paulo, com as cadeiras Superligeiras (originalmente desenhadas para as habitações de funcionários bancários do Banco Nacional Ultramarino e agora reeditadas), as tapeçarias Penta, a cadeira Alvor ou a cadeira Palace. A Superligeira será ainda a peça que o atelier vai levar para a feira Lisbon by Design, em Maio, uma participação “muito modesta”, diz Inês, “num pequeno espaço para pontuar a nossa presença”.

Em 2015, Daciano também entrou na colecção permanente do Centro Georges Pompidou (Paris), com uma Boroa 2, “uma poltrona maciça, pesada, feita em aço, quase o projectar daquelas colunas e robustez do CCB”, e está a caminho do MoMA, em Nova Iorque, representado pelo sistema Linha Dona, um sistema de utensílios para cozinha em esmalte, cujas peças encaixam umas nas outras, pensado em 1970 e nunca comercializado.

Rua Arriaga, 2 (Lapa). 91 108 1409. Seg-Sex 10.00-18.00. Sábado por marcação

+ Casa Fernando Pessoa começa o ano com poesia, música e histórias

+ Seixal vai acolher conferência internacional do património

Últimas notícias

    Publicidade