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companhia Universo Paralelo
Fotografia: Helena MeloAustralopiteco, de Adriana Melo, da companhia Universo Paralelo

‘Australopiteco’ quer fazer a diferença na busca pelo mundo perfeito

A nova peça da companhia Universo Paralelo, que estreia no Museu da Marioneta já este sábado, quer pensar a diferença.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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“Eu podia ser tu e tu podias ser eu”, sugere Clara, uma menina mais gordinha do que as outras, mas com a mesma vontade de fazer amigos, brincar e rir a bandeiras despregadas. “Tu podias ser eu e eu podia ser tu ou tu ou tu”, insiste. E, de facto, se pensarmos bem, cada um de nós podia ter sido outra pessoa qualquer. Graças à lotaria da vida, existimos nesta cor, forma e feitio, neste sítio, neste tempo. E, mais importante ainda, em comunidade. Em casa, na escola, no mundo, há sempre alguém que não somos nós. Se fôssemos o outro, como gostaríamos de ser tratados? A companhia Universo Paralelo lança a pergunta com Australopiteco, que estreia para as famílias a 8 de Maio, nos claustros do Museu da Marioneta.

“A minha primeira performance, GET OUT OF THE CLOSET!, já partira da premissa de que um corpo não reflecte a pessoa que o habita. Foi seleccionada para a Mostra Nacional de Jovens Criadores e trabalhei, desde logo, com intérpretes física, psico e socialmente bastante diversos”, conta-nos a encenadora Adriana Melo, da companhia Universo Paralelo, uma estrutura multidisciplinar e multicultural co-criada com Magnum Soares. “Sempre defendi, desde miúda, o direito a ser diferente e a não ser gozado por isso. Nunca calei essa voz de intervenção e luta pelos direitos humanos e por valores que, no fundo, deveriam ser intrínsecos à nossa sociedade – o respeito pelo outro, a compreensão, a empatia.” Mas que, infelizmente, ainda não são.

Durante a sua experiência como professora, numa escola básica em Marvila, Adriana conta como assistiu, várias vezes, a episódios de conflito entre as crianças. Estavam sempre relacionados com a mesma questão. E resolveu abordar a problemática num espectáculo para a infância, “que falasse da diferença recorrendo à diferença”. Para isso, voltou a apostar em actores considerados diferentes pelo meio artístico e que, muitas vezes, têm mais dificuldade em encontrar espaço no mercado. E convidou o elenco inteiro a improvisar e contaminar o texto com frases, gestos e a sua própria vida. Magnum, David, Clara e Beatriz não são só os nomes das personagens: são também os dos intérpretes, Magnum Soares, David Teixeira, Clara Franco e Beatriz Brito.

Nos claustros do Museu da Marioneta, num parque infantil que faz parte da cenografia (mas poderia perfeitamente ali existir o resto do ano), os quatro regressam ao seu eu mais novo e confrontam-se com as suas semelhanças e diferenças. Entre a ficção e a realidade, com a vida de bairro a acontecer por cima das nossas cabeças e os pombos a invadir o palco-que-não-é-propriamente-um-palco, somos desafiados a recordar as dinâmicas de grupo e a tensão entre pares e a reflectir sobre a forma como reagimos perante a diferença. Da menina solitária e com medo que os outros gozem com ela, só porque é maior que as outras meninas, ao rapaz com nome de gelado e pele mais escura, todas as histórias são reais e todas nos mostram como, na infância, é através das brincadeiras que desenvolvemos a relação com o outro e com o exterior, com o que desconhecemos, com o que não controlamos.

“O principal problema é não termos contacto com. As crianças com deficiência, por exemplo, têm muitas vezes aulas noutra sala. E, quando não temos contacto, temos medo, curiosidade ou estranhamento, o que é perfeitamente normal, porque o que importa é como reagimos. Fazemos por conhecer, fazemos por chegar perto, fazemos por perceber?”, questiona Adriana, que defende a explicação das diferenças, das pequenas às grandes, e contou com o apoio da psicóloga Matilde Barata para abordar o tema da melhor forma. “Tem obviamente de ser feito com tacto, mas não pode ser um tabu.”

Com curadoria da escritora e jornalista Alice Vieira, figura incontornável da literatura infanto-juvenil, o texto de Adriana desafia-nos a encontrar “o mundo perfeito”, onde somos todos iguais nas nossas diferenças. E faz mais: ensina-nos que sermos diferentes, todos juntos, pode ser o que é preciso para o encontrarmos.

Com interpretação em Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição, o espectáculo, co-produzido pela EGEAC, irá partir em digressão após as primeiras sessões no Museu da Marioneta, com apresentações no Festival A Salto, em Elvas (a 29 de Agosto), no Centro Cultural da Malaposta, em Odivelas (em datas a anunciar), e ainda no Teatro da Voz e na Sede da Associação de Paralisia Cerebral de Lisboa (ambos em Novembro deste ano). Espera-se ainda, revela Adriana, que possa vir a ser dramatizado em parques infantis de jardins e escolas.

Museu da Marioneta. Convento das Bernardas. Rua da Esperança, 146. Sáb e Dom (8 e 9 de Maio) 10.30. 3€. M/6 anos.

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