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Candy Montgomery estava aborrecida no seu casamento. Insatisfeita. O sexo era falho. Uma mulher que trata da casa, dos filhos, do marido, que frequenta a igreja, participa na vida da sua comunidade, planeia tudo para que nada falte, uma mulher é uma mulher e tem necessidades. Está nas Sagradas Escrituras: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; na verdade, o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mateus 26:41). A carne é fraca e Candy sucumbiu, mas teve companhia: Allan Gore, seu carismático colega no coro da Igreja Metodista de Lucas, no Texas, com quem ficava à conversa no final dos ensaios, também se deu ao pecado. Pobre alma. Um dia Candy ganhou coragem e perguntou-lhe se estaria interessado em ter um affair puramente carnal com ela. Um encontro quinzenal, despesas de motel e alimentação partilhadas, sendo certo que, ao mínimo vislumbre de empenho emocional, estaria tudo acabado entre ambos. Parece o ponto de partida para uma comédia romântica ao estilo Amigos Coloridos. Não é. Esta é uma história de true crime – “true” no sentido em que a realidade é tal que é de nos fazer cair o queixo.
A minissérie de cinco episódios que a Disney+ estreia esta quarta-feira, Candy, é a primeira de duas produções que recuperam esta história com mais de 40 anos (a outra, Love and Death, é uma adaptação para a HBO Max de um dos gurus da televisão americana, David E. Kelley, e só chegará ao streaming em 2023). Percebe-se o interesse por ela, numa altura em que as séries sobre crimes reais se tornaram num ai-jesus do streaming. Sucede que o relacionamento extraconjugal entre os dois crentes no amor sem culpa terminou da pior maneira possível, com Candy Montgomery – a amante, portanto – a matar a mulher de Allan, Betty, com nada menos do que 41 golpes de machado. Quando a polícia percebeu que tinha sido ela, os EUA ficaram chocados. Estávamos em 1980. À distância da geografia mas sobretudo dos anos, poderíamos fazer uma fria análise hermenêutica e dizer que também para a língua portuguesa Candy Montgomery protagonizou um episódio ímpar, em que, por uma vez sem exemplo, se pode dizer que algo aconteceu simultaneamente por atacado e a retalho. Deus nos perdoe, livre e guarde. Tal como fez com Candy durante o julgamento.
Jessica Biel (que, nem de propósito, entrou no remake de 2003 de Massacre no Texas) faz o papel da dona de casa suburbana com mão pesada. Melanie Lynskey (Yellowjackets) é Betty Gore, a vítima em dobro – traída e chacinada. As duas mulheres eram, antes de mais, amigas, tal como as filhas, e foi num dia em que a primogénita de Betty ia dormir a casa de Candy que a morte se precipitou: quando esta foi a casa da miúda buscar o fato de banho de que ela se tinha esquecido, a 13 de Junho de 1980, Betty confrontou Candy com uma dúvida que a vinha agastando. Queria saber se Candy tinha tido um caso com o seu marido, que naquele dia estava numa viagem de trabalho. Não, respondeu Candy. Na verdade, essa aventura tinha acabado no final de 1979. Allan (Pablo Schreiber) tinha começado a sentir-se culpado, porque entretanto nascera a segunda filha, e decidiu terminar com aquilo. Candy, contrariada, aceitou. Que remédio. Portanto, para quê levantar problemas agora? Mas Betty insistiu, exigia saber – e Candy acabou por admitir que sim. Betty não tem mais nada e vai buscar o machado à garagem. E instala-se o caos. Isto contado por Candy em tribunal, onde um júri a absolveu da acusação de homicídio, legitimando a tese de legítima defesa.
Não sendo totalmente inesperado na altura, a decisão não deixou de ser controversa. É contestada até hoje pela família de Betty. No entanto, mais do que o resultado, sobejamente conhecido, Candy é uma oportunidade para ficar a conhecer o processo: o julgamento foi até palco para um especialista em hipnose dar o seu contributo decisivo para o desenlace do caso. Para perceber como alguém tão em controlo do seu mundo pode cegar de um momento para o outro e cometer uma atrocidade deste calibre, limpar cuidadosamente o rasto, sair do local do crime e abandonar à sua sorte um bebé com menos de um ano.
Robin Veith (Mad Men) é a showrunner de Candy, partilhando os créditos de criação com Nick Antosca (Brand New Cherry Flavor). Michael Uppendahl (American Crime Story: Impeachment) realiza dois dos cinco episódios, que vão ser disponibilizados em conjunto.
Disney+. Qua (estreia)
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