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O Velho Eurico Take-away
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Comefinamento: O Velho Eurico

Todas as semanas, durante o confinamento, experimentamos um serviço de take-away ou entrega ao domicílio.

José Margarido
Escrito por
José Margarido
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Esta refeição custou-me três chamadas, um e-mail, mensagens em duas redes sociais e uma pungente sensação de que começo a ficar fora de prazo. No fim, ainda tive de cozinhar. Mesmo assim, garanto-me capaz de repetir tudo de novo. Mas voltemos ao princípio.

O Velho Eurico conta uma história que nos reconcilia com a Lisboa modernaça, essa cidade que florescia inexoravelmente no limiar de 2020, no tempo em que a palavra “pandemia” talvez passasse por uma delicatésse feita à base de massa-mãe. É a história de uma boa tasca de antanho ressuscitada por uma falange de gaiatos talentosos, que enxertaram técnica na cozinha e cuidado na ementa, sempre com sentido telúrico, inspiração tradicional e exaltação taberneira, e que com tudo isso montaram uma mesa que é toda ela Lisboa.

Uma história, de resto, já bem contada. Há precisamente um ano, depois de ter sido feliz nas traseiras de São Cristóvão, o mestre Alfredo Lacerda – que uma vez mais cito sem mandato – descreveu certeiramente o boteco como um “exemplar da neo-bistronomie tuga”. É para ler como elogio.

Ora, quando soube que o Velho Eurico mantinha a cozinha aberta, apressei-me a mandar vir. E se eu mandei vir! Uma hora e picos após ter decidido a encomenda ainda tentava consumá-la, já numa impaciência asneirenta, e por pouco não mandei o Velho para o mais-velho. Liguei para o restaurante, ninguém atendeu; enviei mail, ninguém respondeu; fui ao Facebook, ninguém deu a cara; dirigi-me ao Instagram da casa, ninguém contestou. Por último, um chat providencial com uma amiga fez-me perceber que o velho nesta equação talvez fosse eu.

Explicou-me ela, com a pachorra que é devida aos jarretas, que isto tem os seus preceitos. O menu é semanal – uma entrada, um prato, uma sobremesa – e as encomendas fazem-se preferencialmente até domingo, para entregas entre terça e sexta-feira. “Não percebeste que eles fazem tudo por Instagram?” Não. “Não viste a story deles?!” Também não. “O melhor é ires pelo Instagram do Zé Paulo Rocha”. Está bem.

E foi aí, de Zé para Zé, que tudo se resolveu com a franqueza das tabernas. Abriu-se excepção para um estreante atrasado e info- -excluído e lá me encaixaram nas entregas do dia. Rápido e descomplicado, tu-cá-tu- -lá e já está: pouco depois tinha o próprio do Zé à porta com um “pastel de Chaves de codorniz” (5€, congelado para finalizar no forno), uma cabidela de galinha (12€, em peças separadas para montar ao lume) e um bolo de bolacha (4€, pronto a comer, sem mais). Tudo acompanhado de um pedagógico papelinho com instruções à prova de cavalgaduras e umas simpatias escritas à mão.

Comecemos por este “pastel de Chaves de codorniz”, que suspeito que venha com aspas por respeito a um produto classificado com indicação geográfica protegida, mas que encheria de orgulho qualquer alma transmontana. A massa folhada, robustamente amanteigada, envolvia a ave que ali pousou em substituição da tradicional vitela e se desfiava num guisado com precioso sabor de pimento vermelho. Tudo no ponto. Um mimo.

Depois, a cabidela. Os “15 a 20 minutos para o pastel ficar douradinho” foram suficientes para emparelhar as peças do prato principal. Para um calouro, as proporções eram descabidas: molho a mais, arroz a menos, pouco de tudo. Mas segui as instruções com a obediência militar dos subchefes. “Aquecer o caldo.” Ok. “Juntar a galinha.” Certo. “Quando ferver, juntar o arroz e deixar abrir no mínimo”. Feito. “Juntar um bocadinho de água se necessário”. Não foi.

No fim, provou-se que tudo estava na justa medida e saiu dali uma dose generosa (o nome técnico, creio, é taleigada) de uma cabidela cremosa e de tempero quase irrepreensível, apenas o vinagre uma nesga acima da conta. Digo isto a medo, consciente de que o ponto exacto é instável: ácido acético a menos e arrisca-se o sabor do sangue; sendo a mais, a salivação dispara e arriscamos uma rascância desgraçada ao fundo dos maxilares. Mas é a única nota ténue que me separa das cinco estrelas. De resto, a perna da bicha que me calhou em sorte era musculosa, tenra mas firme, como só as pernocas que crescem felizes podem ser.

Do bolo de bolacha, direi apenas que é uma agradável batota, com tuning de chocolate, meio caramelizado. Um conjunto guloso, montado num copo e disfarçado de doce à colher, que por breves instantes me fez sentir miúdo. Da próxima peço dois.

Encomendas por Instagram. Preferencialmente até domingo. Entregas de terça a sexta-feira. Encomendas mínimas 40€. Taxa de entrega 2,5 €. O serviço inclui dois menus: o de O Velho Eurico e o do projecto Colher Torta, assinado por Ana Leão, que reservámos para uma segunda volta

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