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A Papaver Somniferum é uma planta que a humanidade conhece há muito. Pelo menos desde o Neolítico, isto é, do final da Idade da Pedra. A Península Ibérica é mesmo um dos territórios em que se identificaram alguns dos mais antigos vestígios das suas sementes, com mais de 7000 anos. A Papaver somniferum, ou papoila-dormideira, é a planta da qual se extrai o ópio – que por sua vez é usado para efeitos recreativos, médicos e religiosos há pelo menos 2400 anos. Não é uma novidade do nosso tempo. A partir do século XVII, com os impérios ultramarinos, o consumo alastrou e, por alturas da Guerra do Ópio, no século XIX, já a ciência tinha começado a criar derivados como a morfina e a codeína, aplicados no tratamento da dor e de outros males. Mas os efeitos secundários do ópio, incluindo a adicção, continuavam a preocupar. Quando se tentou resolver o problema desenvolvendo opióides sintéticos, foi pior a emenda do que o soneto: inventou-se a heroína; e depois a metadona ou o poderoso fentanil. As leis foram apertando, e muito, mas as farmacêuticas continuaram interessadas nestes analgésicos. Muitos outros foram criados, o mais famoso dos quais tão recentemente quanto 1992: o OxyContin. E é aqui que começa esta história.
O OxyContin chegou ao mercado como o santo graal dos opióides. A Purdue Pharma argumentava que menos de 1% das pessoas tratadas com o medicamento apresentavam sintomas adictivos. Menos de 1% era um valor baixíssimo, tão baixo que os médicos duvidaram quando o produto lhes foi apresentado a partir de 1995. No entanto, a Purdue tinha um trunfo na manga: a bula aprovada pela FDA, o regulador norte-americano, que garantia que se tratava de um opióide menos adictivo do que os demais. Estudos que o atestassem? Nenhum. A conclusão baseava-se na tecnologia farmacológica do OxyContin, cuja acção prolongada, de 12 horas, impediria os habituais picos de efeito. A mensagem passou. Resultado: em menos de nada, a Purdue tinha em mãos um sucesso de vendas na ordem dos 2,8 mil milhões de dólares (1995-2001). O problema é que tanto os pressupostos da droga, que se revelariam falsos, como a estratégia de crescimento rápido da empresa provocaram um choque brutal na sociedade americana, desencadeando a primeira onda de uma epidemia de opióides que perdura até hoje no país. Ao longo de duas décadas, morreram cerca de meio milhão de pessoas por overdose de opióides (incluindo prescritos).
Dopesick, a série da Hulu que a Disney+ estreia esta sexta-feira, 12 de Novembro, mostra os expedientes a que a família Sackler recorreu para fomentar o uso da OxyContin, partindo estrategicamente da América rural, onde abundam os trabalhadores fustigados pela dor episódica ou crónica. Os Sackler são proprietários da Purdue e um dos grandes nomes da filantropia internacional (têm alas com o seu nome em museus como o Met, o Guggenheim, o Louvre...) e continuam até hoje a escamotear responsabilidades e a culpar as pessoas pelos abusos que o próprio medicamento potencia. “A série é o julgamento que a Purdue Pharma e a família Sackler nunca tiveram”, disse o criador, Danny Strong (Empire), à W Magazine. “O objectivo é mostrar o crime da empresa e as mentiras daquela família.” Apesar de ser uma dramatização (e uma adaptação do livro Dopesick: Dealers, Doctors and the Drug Company that Addicted America, da jornalista Beth Macy) e de algumas personagens serem compósitas, outras têm correspondência directa com a realidade.
Um deles é Richard Sackler, que esteve à frente do projecto OxyContin, e chegou mais tarde a presidente da Purdue. É interpretado por Michael Stuhlbarg, um dos nomes fortes do elenco. Os outros são Michael Keaton, como Samuel Finnix, um médico da cidade mineira de Finch Creek, ficcional. A personagem representa os médicos que lançaram os seus pacientes, que neles confiavam, numa rota de dependência e morte. “Nem acredito em quantos deles estão mortos agora”, diz Finnix a certa altura. Peter Sarsgaard dá corpo ao procurador (real) Rick Mountcastle, que desencadeou a investigação ao esquema montado pela Purdue. Rosario Dawson é uma agente da DEA, Bridget Meyer, que cedo percebeu os efeitos perniciosos do OxyContin nas taxas criminais, de dependência e no tecido social das comunidades, mas cuja investigação esbarrou num muro burocrático. Will Poulter é Billy Cutler, delegado de informação médica que intui que algo não está bem quando os formadores da Purdue surgem com o conceito de “breakthrough pain” como justificação para aumentar a dosagem a quem voltava a ter dores antes de completar o ciclo de 12 horas, e quando sugerem prescrições “individualizadas”, o que significava que os pacientes não tinham de começar pela dosagem mais baixa. Porquê? Porque produzir um comprimido de 10 mg ou de 80 mg custava o mesmo, mas eram vendidos por um valor muito superior. O oscarizado Barry Levinson produz e realiza dois dos oito episódios.
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