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Sandro Veronesi
Il colibrì, de Francesca Archibugi, baseado no livro homónimo de Sandro Veronesi

Do livro para o cinema, ‘O Colibri’ continua livre da cronologia mas não das “grandes perdas”

A adaptação cinematográfica do livro de Sandro Veronesi chega esta quinta-feira, 12 de Janeiro, às salas de cinema portuguesas.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Marco Carrera é um oftalmologista com uma vida boa e organizada. Até ao dia em que um desconhecido lhe entra pelo consultório adentro, para fazer revelações desconcertantes e o avisar de que corre perigo. O episódio desencadeia um longo fluxo de recordações e os leitores são arrastados pela narrativa, que se vai construindo de forma pouco convencional, entre avanços e recuos por várias décadas do século XX e XXI. “Para mim, era essencial manter-se esta ordem, que não é cronológica. Eu escrevi mesmo assim, a saltar de um tempo para o outro, e eles tiveram coragem de fazer o mesmo”, desvendou o autor Sandro Veronesi, um dia antes da estreia de O Colibri nas salas de cinema portuguesas, esta quinta-feira, 12 de Janeiro. Realizado por Francesca Archibugi, o filme adapta o livro homónimo, vencedor do prémio italiano Strega.

É o quarto romance de Sandro Veronesi a ser adaptado ao cinema, depois de La Forza del Passato, Caos Calmo – com o qual ganhou o seu primeiro Strega, há 16 anos – e Gli Sfiorati. Mas o autor nunca participa na escrita dos guiões. “Quando era novo, trabalhei na revista literária Nuovi Argomenti, que era dirigida por Alberto Moravia, um grande escritor italiano, e passei algum tempo com ele. Uma tarde, sem razão aparente, ele disse-me, directamente, ‘nunca participes nas adaptações cinematográficas dos teus livros, só tens de vender os direitos e ir ver o filme’, porque são linguagens completamente diferentes e a única coisa que podes fazer, se participares, é criar problemas. Agora, cada vez que me perguntam se quero fazer parte do processo, digo sempre que ‘o meu mestre não quer que o faça’”, contou, numa apresentação pública, promovida pelo Âmbito Cultural do El Corte Inglès.

A ideia para O Colibri – que foi publicado em 2019 e só chegou às livrarias portuguesas em 2022, pela mão da Quetzal – surgiu da vontade de viver outra vez a sua vida, mas ter a oportunidade de fazer escolhas diferentes. Tal como o protagonista, Sandro Veronesi também viveu em Roma e Florença, em Itália, e também cresceu durante os anos 1970. “Nessa época, não era possível fazer tudo o que queríamos. Eu cresci a saber que escolher uma coisa era renunciar a outra, e comecei a imaginar esta pessoa, que poderia ter sido meu amigo, mas que faria as escolhas opostas. Nessa época, a ideia de mudança, de estar a vir aí algo diferente e grande, era enorme, e nós esperávamos, porque acreditávamos que seria algo bom. O meu personagem não: o Marco Carrera não acredita que a mudança seja boa e, ao contrário do que eu fiz, foca-se em defender o conhece. E, de certa forma, ele tem razão: houve mudanças muito más e há coisas que eu devia ter defendido”, admitiu, sem revelar o quê.

No filme, realizado por Francesca Archibugi, que também assina o argumento, com Laura Paolucci e Francesco Piccolo, o protagonista, Marco Carrera, é interpretado por Pierfrancesco Favino, e conta com nomes como Kasia Smutniak, Bérénice Bejo e Laura Morante no elenco. Depois da estreia mundial em Toronto, no ano passado, a que se seguiu a abertura da 17.ª edição da Festa do Cinema de Roma, em Itália, a longa chega finalmente às salas de cinema portuguesas. No grande ecrã, a história começa com um postal de Verão, numa vila à beira-mar, onde a família Carrera está a passar férias. O pai e a mãe preparam-se para ir jantar com amigos, enquanto os seus três filhos, de vinte e poucos anos, também se preparam para os seus próprios programas: Giacomo planeia aterrar no sofá e alcoolizar-se; Marco vai encontrar-se secretamente com a francesa por quem está caído de amores; e Irene, que está a batalhar com problemas de saúde mental, coloca os fones e refugia-se na música. É nessa noite que, selando o destino dos personagens, uma tragédia acontece.

“Eu escrevi a história, mas não tenho mais nada para dizer [sobre ela] se não o que já escrevi”, confessou Sandro Veronesi, perante a curiosidade da sua audiência. “Sabia desde o início que Marco Carrera ia sofrer grandes perdas, e o que é trágico acerca de uma perda é que a partida é definitiva. Foi por isso que decidi não escrever de forma cronológica. Caso contrário, se matasse uma personagem, ela nunca mais poderia aparecer. Desta forma, uma pessoa que sabemos já ter morrido, pode de repente aparecer num campo, a correr feliz. E depois, quando comecei a escrever de forma não-linear, percebi que tinha feito a escolha certa, que era verdadeiramente livre, que podia escrever o que quisesse, como e quando quisesse. Claro que houve um problema. Durante a noite não conseguia dormir porque pensava, ‘meu deus, nunca vou conseguir chegar ao fim disto’, e acordava a minha mulher a meio da noite, para lhe pedir que trabalhasse mais para ganhar mais dinheiro e nos sustentar. É que eu já tinha publicado muitos outros livros, mas nunca tinha feito isto.”

Algo que Sandro Veronesi também nunca tinha feito – e que deverá provocar alguma expectativa a quem já leu O Colibri e mal pode esperar para o ver ganhar vida no escurinho do cinema – é o recurso a cenas de outros livros que o marcaram de tal maneira que o autor italiano as adaptou para a sua narrativa. “Não há tradição, de copiar as histórias dos outros, fazer ligeiras alterações, e as incorporar na nossa história. Claro que o original é melhor, mas era exactamente o que eu queria pôr em página. E [no final do livro] creditei os autores, como um convite para que o leitor vá ler esses livros que me inspiraram, mas não lhes pedi autorização nem paguei direitos. Claro que pensei que reacções isso provocaria. Mas, uns meses depois de o livro sair, recebi uma carta [de Margherita Fenoglio, uma das herdeiras de um dos autores que Sandro tentou homenagear] a dizer que ficou tocada pela minha decisão – eu fiquei aliviado por ela não me querer processar – e que gostava de me convidar para o centenário do nascimento do seu pai, Beppe Fenoglio [autor de Il gorgo, “um dos melhores contos italianos de sempre”]. E eu fui.”

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