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Blaya
©Manuel Manso

Dos chats no IRC ao pós-Buraka: Blaya vai virar-nos ao contrário

Escrito por
Tiago Neto
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Na tropicália de Carla Rodrigues cabe o afro, o funk e o hip-hop, mas Blaya Con Dios, o disco de estreia, vai além da música. É uma viagem que hoje chega aos ouvidos

O estrangeirismo é propositado. Talvez por conforto, ou porque é desta forma que Blaya gosta de existir, enquanto artista e enquanto mulher: sem pudores. Coincidentemente “Fucking Blaya” é, também, o título da primeira faixa deste Blaya Con Dios, o primeiro disco em nome próprio, editado nesta segunda-feira (27 de Maio, dia de aniversário de Blaya), depois de três anos em formulação.

“A fucking Blaya sou eu, a Carla Rodrigues, desde sempre. É uma artista irreverente”, diz. O corpo do trabalho, esse, não é tão dado a definições claras. Nele cabem o funk, o afro e o hip-hop, cabe o Brasil, cabe Lisboa e o Alentejo, numa viagem que está longe de acabar. Isto é só o início, a estreia. “Ainda falta muito para chegar aonde quero chegar.” Ao fundo está tudo o que lhe faz falta. “Quero chegar àquele nível em que tenho as condições necessárias para ter um concerto megalómano, ao nível americano, com um palco gigante, luzes, coisas a descer e a acontecer. Nem falo ao nível de música e de álbuns mas de performance”. Em Portugal, aliás, esse é um dos problemas. “Falta isso, as pessoas dão pouca importância à performance em palco. Então quero chegar a esse nível”.

O caminho começou cedo. Das rimas “bué yo!” aos 14, ao Mirc, onde procurava grupos de hip-hop e de onde lhe chegavam as novidades da indústria. “Havia o #Hip-HopPortugal, o #Ladies, o #Alentejo (onde morava). E eu estava lá! Bem dread! Sabia mais ou menos das novidades por aí, depois apareceu a Hip-Hop Nation, a revista, e nessa altura o crioulo estava muito na moda, tanto que tinha um dossier com palavras em crioulo”, ainda que nunca tivesse usado. “Mas a minha primeira música foi sobre o meu cão. A segunda foi sobre um aquecedor – a minha mãe dizia para não tapar o aquecedor a óleo e eu tapava-o, e isso entrou numa rima tipo ‘não sei quê do not cover’”.

Lisboa chegou-lhe depois, ancorada pela dança, quando percebeu a falta de força do rap feminino. “Dancei em vários sítios, grupos, discotecas, sítios muito estranhos. Foi a minha vida”, até cruzar caminhos com Eva, uma das MC mais respeitadas do hiphop nacional. “Disse-me para fazer o casting para os Buraka, que estavam à procura de uma bailarina. Fiz, e em 2008 entrei”.

O colectivo de Branko, Riot e Conductor ajudou-a a sedimentar a presença e deram-lhe as referências musicais pelas quais ainda hoje se rege. Com os autores de Black Diamond, lidou de perto com os ritmos que acabariam por servir-lhe de suporte ao trabalho que nos faz agora chegar aos ouvidos. “Mas se formos ouvir bem as coisas de Buraka, as minhas músicas já eram mais viradas para o hiphop. Era um misto de coisas: electrónico, afro, hip-hop. "Acabei por nunca me distanciar muito, esteve sempre presente”.

“O facto de Madonna e Anitta estarem a fazer a versão de uma música minha só me faz ver que em Portugal fazemos coisas boas.”

Onze anos depois, o percurso é só seu. Os Buraka, e as colaborações com Regula ou Agir, foram importantes, mas o elevado número de visualizações no YouTube dão-lhe projecção própria. Ela diz preferir o trabalho à euforia, ainda que o sorriso denuncie um orgulho profundo no seu percurso. “Eu ando nesta luta da música-dança desde sempre, nunca fiz outra coisa. Então estou muito de pés na terra. Não tinha uma expectativa de ‘ok, vamos fazer isto e lançar’. Para mim um milhão já era fixe mas as coisas foram-se desenrolando. Se estava à espera? Não posso dizer que sim, não tínhamos noção dos números que íamos atingir”.

O Brasil, de onde é natural, foi um mercado decisivo. Anitta chegou, interpretou um tema seu, “Faz Gostoso”, e Madonna seguiu-se na calha. “O Diplo entrou em contacto comigo e disse-me ‘A minha amiga Madonna quer fazer uma versão da “Faz Gostoso”’. Entrámos em contacto com o manager dela, conversámos”. “O facto de elas [Madonna e Anitta] estarem a fazer a versão de uma música minha só me faz ver que realmente em Portugal fazemos coisas boas. A música é universal e pode chegar a qualquer lado”.

Mas há ainda muito espaço em branco a preencher. Em Blaya Con Dios as faixas são, além da música, mensagens sobre o poder da mulher. É forte. É também comercial, mas mais importante ainda, para Blaya, é parte de uma construção que continua a decorrer. “Sou eu mas ainda posso mostrar mais, ainda estou a definir a estética. Tenho tantas influências que fico confusa”.

Três anos depois, o resultado chega sem filtros, cru, como a camisola que traz vestida – “Boy eu ‘tou-me a cagar”. Dos 21 temas que saíram do writing camp que organizou com outros artistas – uma espécie de residência artística informal em que os convidados contribuem para o trabalho do anfitrião –, sobraram 15. Quinze faixas que não precisam de encaixar em parte alguma mas que fazem parte de um todo, o dela. Quinze faixas talhadas ao verdadeiro sentido de liberdade e de afirmação no feminino. “Quero sempre mostrar esse lado de que não são sempre os homens que mandam, que as mulheres também mandam e fazem. Na ‘Yoga’ é a mulher que vira o homem ao contrário. E então, qual é o problema?”

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