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Fotografia: Inês Félix

Em 2024, a histórica Ulmeiro volta a abrir portas em Benfica

A Junta de Freguesia de Benfica prepara-se para fazer renascer aquela que foi a única livraria do bairro durante décadas.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Estávamos em 1969 quando José Antunes Ribeiro fundou a Ulmeiro, no 13A da Avenida do Uruguai, em Benfica. No tempo da ditadura, a livraria-distribuidora foi um dos locais preferidos para quem andava em busca de ideias alternativas e livros proibidos. A audácia resultou em algumas visitas indesejadas, mas o proprietário, um livreiro-editor-poeta, manteve-se sempre resistente. Quarenta e sete anos depois, em 2016, quando José anunciou o fecho do espaço, ninguém quis acreditar – nem o próprio, que reinventou a roda e conseguiu manter as portas abertas mais três anos, antes de se mudar para a Fábrica Braço de Prata. Agora, graças a uma parceria com a Junta de Freguesia de Benfica, o Espaço Ulmeiro – Associação Cultural prepara-se para voltar à rua onde nasceu há mais de meio século.

“A verdade é que nunca produzimos tanto em conjunto como nos últimos anos, com as iniciativas em espaços da Junta e os dois livros que editámos, por exemplo. Mas há muito tempo que tínhamos o desejo de apoiar aquilo que é a associação Ulmeiro num regresso mais físico a Benfica. Em Fevereiro ou Março, dependendo de como correrem as obras, abrimos as portas”, revela à Time Out Lisboa o presidente da Junta de Freguesia, Ricardo Marques. “Trata-se de uma antiga loja de louças, com dois pisos – um rés-do-chão e uma cave. O espaço, cujo arrendamento será feito pela Junta, servirá como uma extensão da biblioteca do Palácio Baldaya, numa colaboração com a Ulmeiro. Portanto, a ideia é que funcione enquanto livraria-alfarrabista com programação literária e cultural.”

Numa zona que “carece de equipamentos públicos”, o regresso da Ulmeiro como “equipamento público-associativo”, num espaço arrendado a três anos com possibilidade de renovação, significa “o fim de um vazio cultural que era importante colmatar”. “Esta parceria vai resultar, com certeza, na produção de livros, estudos, exposições e intervenções artísticas, que vão contribuir para a criação de um legado, que penso ser fundamental. Estamos já, por exemplo, a preparar uma exposição comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril, com o José a tratar do que será o corpo da exposição e do livro associado”, avança Ricardo Marques, antes de reforçar a intenção de investir na criação de um espaço lúdico-didáctico, que receba crianças, adultos e seniores, mas “que também tem esta capacidade de gerar conteúdo e marca no território”. “Futuramente, tencionamos dinamizar também, em conjunto com a Ulmeiro, o novo jardim que estamos a desenvolver no cimo da rua, e que vai ter um eléctrico, que andou 20 anos em Benfica e há-de voltar.”

“Para mim é uma espécie de renascimento”, confessa José Antunes Ribeiro, que aos 80 anos continua inquieto e inconformista. “Eu acho que a Ulmeiro deixou muitas saudades. Aliás, é visível nos comentários que as pessoas fazem nas redes sociais. Portanto, isto é uma enorme responsabilidade e um enorme desafio, porque nós não vamos repetir a Ulmeiro que existiu, nem sequer há hipótese nenhuma de regressar a esse modelo. Queremos uma coisinha mais arrumada”, diz, entre risos, evocando o caos pelo qual a livraria era conhecida e que pode rever na curta documental Isto está tudo ligado: Ulmeiro 50 Anos de Intervenção cultural (1969-2019). “Na cave, por exemplo, teremos um espaço mais versátil, para receber exposições temporárias e dinamizar actividades, como sessões de leitura para os mais jovens, por exemplo, porque é super importante que as crianças tenham acesso a livros, quer possam ou não comprá-los.”

O objectivo é, em resumo, fazer uma coisa diferente que, sem desiludir quem já era cliente, seja capaz de atrair também novas gerações. Para isso, será preciso reconstruir a Ulmeiro como um ponto de encontro, de vivência de bairro e de debate intergeracional. “Eu não sou muito de olhar para o passado. Faremos uma exposição ou um livro, mas de resto é para a frente. Eu faço isto porque não sei fazer mais nada. Foi uma decisão que tomei relativamente novo, com dez, 11 anos. Um dia, já na Faculdade de Letras, uma amiga minha parecia estar num dia terrível, muito em baixo, eu escrevi-lhe no caderno “amanhã é um novo dia”, e ela ainda hoje me diz que isso foi muito importante, porque essa possibilidade não era clara na altura – e os livros, para mim, representam essa possibilidade, são uma espécie de metáfora da vida. Não é só conhecimento, é imaginação, é viajar sem sair do quarto.”

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