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Suécia
© TUNA/ TNSJSuécia, de Pedro Mexia, com encenação de Nuno Cardoso

Esta peça de teatro não é sobre a Suécia

A nova produção do Teatro Nacional São João, que chega a Almada em Julho, marca a estreia de Pedro Mexia como dramaturgo. Voltámos da ‘Suécia’ com vontade de resolver qualquer coisa.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Pedro Mexia nunca esteve na Suécia – também não fala a língua nem conhece por aí e além os costumes –, mas admite alimentar um fascínio antigo pelo país escandinavo; um fascínio que, de resto, acredita estar relacionado com “uma ideia da Suécia” muitíssimo presente na década da sua infância, os anos 70. Talvez por isso, quando desafiado a escrever uma peça, não tenha hesitado em debruçar-se sobre o “modelo sueco”. Com encenação de Nuno Cardoso, Suécia transporta-nos para o Verão de 1976, ainda antes das eleições que ditaram o fim de meio século ininterrupto de governação do Partido Social-Democrata. À superfície, é sobre um casamento que poderá ou não acontecer. Na realidade é sobre o confronto entre diferentes visões do mundo e a desilusão ou felicidade que daí poderá advir. Depois da estreia em Junho, no Teatro Nacional São João, chega a Almada, ao Teatro Municipal Joaquim Benite, no âmbito da 40.ª edição do Festival de Almada.

“Na minha época, havia uma imagem forte da Suécia na Europa – não sei também se no mundo –, que tinha a ver, por um lado, com um modelo social e político, que era a social-democracia; e, por outro, com uma série de artistas, como o [realizador] Ingmar Bergman, o [ex-tenista profissional] Björn Borg ou até o “cozinheiro sueco” de Os Marretas. Enfim, a maioria das pessoas associava à Suécia a ideia de um paraíso político, uma sociedade onde os impostos eram altos mas os serviços públicos eram gratuitos e de qualidade. Essa Suécia não é exactamente a Suécia de hoje, mas interessava-me perceber como é que, apesar dessa imagem, havia já na altura vários intelectuais e artistas, começando pelo próprio Bergman, que afinal tinham críticas a fazer”, diz Pedro Mexia. Além dos suecos, o escritor teve "excelentes guias”, como Tom Stoppard, “ou a História como farsa sofisticada”, e Anton Tchékhov, “ou a tragicomédia das pequenas histórias”.

Não foi a primeira vez que Pedro Mexia trabalhou para o Teatro Nacional São João – o autor e crítico literário já tinha colaborado, por exemplo, em manuais de leitura e numa conversa com o encenador Nuno Cardoso, a propósito da encenação de Espectros, de Ibsen –, mas foi a primeira vez que escreveu um texto original para teatro. O ponto de partida já estava tão enraizado que, apesar de ter demorado muito a começar, demorou muito pouco a concluir. “Escrevi em muito poucos dias porque sabia exactamente o que queria dizer. A minha dúvida era só que situação pessoal ou doméstica, que veio a ser uma festa de casamento, poderia ser a âncora da discussão”, esclarece. “A peça quase não tem enredo, mas tinha de haver pelo menos uma situação – como uma festa de casamento onde as pessoas estão juntas quer queiram quer não – que fosse ideal para pôr as personagens a discutir.”

Em palco, uma das ilhas mais pequenas do arquipélago de Estocolmo. Afastada de tudo, essa ilha é, de repente, um espaço onde se resolve o mundo. Na casa de Egerman, um intelectual sexagenário e amargo, o próprio, a sua filha, o noivo dela, a madrinha e o padrinho de casamento conversam sobre a social-democracia. Mas aqui – como provavelmente em todos os lugares – o político é pessoal. Discutem-se, a propósito e para lá da política, diferentes maneiras de ser, de ver e de estar; e, inevitavelmente, a forma como tudo isso nos arrasta para um ou outro destino. “As discussões evocam também tudo o que está fora de cena, ou seja, as relações passadas daquelas personagens ou até algumas coisas que elas supõem que aconteceram mas não aconteceram”, revela Mexia, antes de chamar a atenção sobretudo para o “desencantamento” de Egerman. “Ele está ali num estado que não é de angústia nem de tragédia mas de vazio, porque já não tem – ou sente que já não tem – propósito.”

O problema de Egerman com a social-democracia não é propriamente o modelo, mas a falta de escolha, o que – arriscamos nós dizer – é mais ou menos o que ele sente sobre quase todos os aspectos da sua vida, a começar pelo divórcio, causado aparentemente pela traição da mulher que o forçou a deixá-la, e a terminar na filha que escolheu não casar com Johannes, o seu aluno preferido. O descontentamento com a política é o pretexto perfeito para dizer o que pensa acerca de uma panóplia de outras coisas: o politicamente correcto, a memória, a essência da felicidade ou a crença na História. É assim que, sempre quietos (porque a acção acontece num mesmo local durante um curto espaço de tempo), as personagens – e os espectadores – dão por si sempre em movimento, porque em reflexão.

Se, por um lado, temos um pai que vê no consulado social-democrata uma versão suave dos despóticos paraísos do marxismo-leninismo, a que aderiu na juventude antes de se tornar um partidário pelo fim das ilusões; temos, por outro, uma filha, relativamente jovem, que ainda acredita na felicidade e num “mundo decente”, ainda que longe de perfeito. O encenador, Nuno Cardoso, considera esse “conflito de gerações” tão actual em 1976 como agora, em 2023. “O confronto intergeracional acontece sempre, nós é que achamos que o nosso é sempre mais importante.” Apesar de não ser sobre a Suécia, nem sobre Portugal ou outro país qualquer em específico, é sobre a natureza humana, que é a mesma independentemente da geografia. “Ele [Pedro Mexia] discute a problemática da social-democracia, mas sobretudo a problemática da família e do indivíduo face à sua finitude, face ao momento em que deixa de ser influência”, afirma, confessando-se entusiasmado por ter começado e ir acabar a temporada do São João “com um texto acabadinho de fazer, que ainda não ganhou todos os sentidos que poderá ter”.

Teatro Municipal Joaquim Benite (Almada). 6 Jul, Qui 21.00. 20€

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