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Durante muito tempo foi difícil comer nesta taberna. Fosse a que horas fosse, ao almoço ou ao jantar, havia quase sempre fila à porta. A grande maioria eram turistas atrás de uma recomendação num guia ou revista internacional. Para piorar a situação, não se aceitavam reservas.
Com a Covid-19 tudo mudou. Agora não há fila. E há reservas. É aproveitar.
Foi o que fiz, em dois almoços recentes. Para meu regozijo, os novos tempos não forçaram mexidas nem na cozinha nem no espírito nem no espaço, que continua a ser uma sala estreita e despojada, com um pé direito muito alto, apontamentos de madeira, mármores e um ou outro elemento contemporâneo subtil, como o candeeiro feito de copos de vinho.
Na antecâmara da cozinha, nas traseiras, há outra sala, mais escura, a lembrar o recuado de um casebre antigo, bom para jantar a dois ou a quatro.
Quanto à comida, mantém-se um equilíbrio de clássicos de sempre e novidades de oportunidade. No couvert, estão as azeitonas galegas, agora acompanhadas de manteiga de anchovas e pão da Gleba – este, em ambas as visitas, mostrou-se seco e sem graça. Noutros tempos, houve também como entrada queijo fresco com pimenta da terra e espera-se que regresse. O mesmo para a saudosa broa de Avintes.
Nos pratos obrigatórios está a meia desfeita de bacalhau, com bacalhau de cura e demolha sérias e grão a sério; mas também as iscas mirandesas de vitela, finíssimas, ensopadas em molho figadeiro cremoso, sobre batata nova (belíssima); os gulosos peixinhos da horta, polme estaladiço, feijão verde crocante, uma maravilha; as moelas assadas, muito simples, perfumadas com coentros e cebola picada em vinagre, elásticas sem serem duras de roer.
Entre as novidades e estrangeirados, tanto pode sair um pato confitado com batata às rodelas duplamente fritas (escusado) e salada de alface com tangerina e vinagrete (pareceu-me de mostarda e mel); também acontece inscrever-se na ardósia um cachaço de porco curado com alface do mar; ou um cheesecake à basca; ou o fresquíssimo e brilhante arroz doce com leite de coco, ginjas e menta, bela parceria luso-tailandesa.
Tudo isto são exemplos da petiscaria popular e culta de André Magalhães, taberneiro e gastrónomo, mentor e cara do projecto. O restaurante é feito à medida da sua biografia e do seu saber, mesmo que o não tenhamos encontrado no local. E a fórmula é mais complexa do que parece – não basta ter petisco português, patine, e já está.
Por trás da carta, estão três pulsões do chef que se mesclam naturalmente. Por um lado, as raízes portuguesas, com implantação em Trás-os-Montes, onde tem raízes familiares. Por outro, a alma de viajante: voa frequentemente para destinos da lusofonia (é consultor em São Tomé) e também da Ásia, sobretudo Índia, Japão, China continental e Taiwan. E, por fim, importa para o ADN do restaurante o seu impulso criativo, técnico, aplicado de forma sóbria, nada de twists inapropriados ou foguetório inútil.
Mistura-se tudo e, no fim – e isso é que é extraordinário –, temos à mesma uma taberna portuguesa, mas não uma taberna pós-moderna, não fusão mal-amanhada, não tasca de pechisbeque. É uma taberna portuguesa competente e fresca, que gosta de novidade e do que há no mercado.
As reservas recomendam-se e com as reservas vem o aviso. “Seguindo as directivas da DGS determinámos que o “slot” de ocupação da mesa ao almoço terá a duração de 1 hora”, lia-se na mensagem de confirmação. Ora, não encontrei essa directiva da DGS na orientação para o sector número 023/2020, relativa a medidas a adoptar por causa da Covid. Mas encontrei outra, que A Taberna não cumpre: “Dar preferência ao pagamento através de meio que não implique contato físico entre o colaborador e o cliente (por exemplo, terminal de pagamento automático contactless)”.
Não há multibanco, mas há óptima comida.
Rua das Flores, 103 (Chiado). 91 337 7053. Seg- Sáb 12.00-23.00. Preço: 20€ – 25€