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Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda
© Mariana Valle Lima

Georges Dambier, o fotógrafo que levou a alta-costura para a rua

Directamente dos arquivos do fotógrafo francês, dezenas de imagens contam a história da alta-costura parisiense no pós-guerra. Uma exposição para ver no Museu do Traje.

Mauro Gonçalves
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Mauro Gonçalves
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A fotografia — janela insubstituível para vislumbrar a história do século XX e que se revela igualmente essencial quando os horizontes dizem respeito à moda e às suas ramificações na sociedade ocidental. Desde sexta-feira, o Museu Nacional do Traje convida a visitar "Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda", uma exposição cujo foco faz ressaltar o trabalho do fotógrafo francês em meados do século passado, incluindo uma passagem por Portugal, em 1957.

"Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda"
Mariana Valle LimaVista da exposição

Para Anabela Becho, historiadora e investigadora de moda e curadora da exposição, a retrospectiva conta muito mais do que a história de uma única lente. "É um trabalho sobre o tempo e a memória, um tempo especial na história da moda e com várias camadas de leitura que podemos acrescentar. As imagens são belíssimas, mas não queria fazer apenas uma exposição de imagens belíssimas. Quis mergulhar nestas memórias, na tradição da alta-costura e nas pequenas histórias que vão muito além do Georges Dambier, o trabalho dele é o motor", expõe, em conversa com a Time Out.

Dentro da sala de exposições temporárias, o percurso arranca com dois rostos marcantes — Capucine e Bettina, "que foi a pessoa mais fotografada, em 1950", como contextualiza a curadora. Na força dos olhares das duas manequins, o sonho (para muitos inatingível) saído dos ateliers dos grandes criadores, mas não só. "[A Bettina] foi a primeira manequim vedeta do pós-guerra. Participa em toda a revitalização da alta-costura numa França dilacerada pela guerra, alta-costura essa que, no final da década de 40, era uma das maiores indústrias de exportação do país. Era poderosíssima", completa.

"Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda"
Georges DambierBettina fotografada por Dambier em 1953

Ao lado das fotografias de Dambier, está a frase que serve de mote à exposição — regarde-moi avec un regarde de tendresse —, uma pista que nos leva a conhecer o homem atrás da câmara. "Ele começou na segunda metade dos anos 40, depois de ter tido formação com o cartazista Paul Colin. Foi retratista e acabou por se tornar fotógrafo de sociedade. Ia para os clubes, fotografou aquelas actrizes todas — a Rita Hayworth, a Jeanne Moreau, a Gene Tierney, a Elizabeth Taylor. Era um esteta inveterado, apaixonado por Paris e apaixonado pelas mulheres".

Foram duas as pessoas a aproximar Georges Dambier do universo da moda: Françoise Foucault, a modelo com quem viria a casar, e Hélène Lazareff, fundadora da revista Elle, em 1945. Um projecto editorial pautado por ideais progressistas e feministas, que rapidamente se demarcou das restantes publicações de moda da época. "Ela percebe que ele, na altura com 25 anos, tem um olhar especial". Em Fevereiro de 1952, estreia-se nas páginas da revista ao cobrir o primeiro desfile de Hubert de Givenchy. As imagens ficaram de fora do circuito expositivo — composto por 35 fotografias a preto e branco nesta primeira sala —, mas estão entre as cerca de 120 seleccionadas para o livro que acompanha e complementa esta mostra inédita.

"Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda"
Mariana Valle LimaAnabela Becho, historiadora e investigadora de moda e curadora da exposição

A obra de Dambier, em particular a fotografia de moda, é um acervo por explorar. Foi Guillaume Dambier, filho do fotógrafo (que morreu em 2011) e conservador dos seus arquivos, a estabelecer o primeiro contacto com Anabela Becho, ainda no final de 2018. "Ele deixou Paris e foi viver com o pai para a Dordogne, onde começou a recuperar tudo isto", explica a curadora. O pretexto? Uma série de imagens capturadas em solo português. A historiadora não hesitou e retorquiu com uma proposta de exposição.

A partir daí a pesquisa foi exaustiva, na tentativa de contextualizar cada imagem resgatada do espólio Dambier. Do Musée des Arts Décoratifs, em Paris, à biblioteca do Museu Nacional do Traje, passando pelo Palais Galliera e pelos arquivos das próprias casas de moda, seguiu o rasto a reportagens e editoriais, mas também a peças de vestuário — a única que conseguiu localizar é um sobretudo Christian Dior. Roupa e documentos serviram apenas para enriquecer a informação sobre as fotografias expostas, já que todas elas surgem acompanhadas por trechos dos textos com que foram originalmente publicadas.

"Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda"
Mariana Valle LimaEditorial para a Elle, em 1955

O foco são as imagens e o segundo núcleo destaca a audácia de um fotógrafo, instigado pela visão disruptiva de uma nova revista de moda. "É um núcleo essencial na exposição porque mostra esta novidade que o Georges Dambier traz para a fotografia de moda, esta renovação da imagem da alta-costura. Em vez de fazer fotografia em estúdio com poses estereotipadas, ele leva as maiores manequins da época para a rua", resume. A imagem de Bettina vestida por Givenchy e fotografada nas ruas de Paris para a Elle condensa todo o ar fresco que todos os intervenientes representaram na altura. "A Bettina representa a alta-costura em marcha entre a tradição e a modernidade, enquanto o Givenchy veio quebrar com a silhueta do new look, muito mais próximo do corpo da mulher e respeitando muito mais a sua morfologia. Ela deixa de ser um sonho e passa a ser realidade. Ele veio ainda propor os coordenados, para que as mulheres pudessem conjugar as peças entre si, e também o algodão, que não era considerado um material nobre".

Balenciaga, Christian Dior, Jacques Fath, Patou, Madame Grès e Chanel — o rol de casas e criadores de moda cujas criações foram fotografadas por Dambier é extenso, à semelhança das manequins que as vestiram: Dorian Leigh, Fiona Campbell-Walter, Gigi, Suzy Parker, Barbara Mullen e até futuras musas do cinema, como Brigitte Bardot e Anna Karina. Num conjunto de imagens dedicado à fotografia em viagem — foi dos primeiros a partir com as modelos e a fotografar editoriais de moda noutras paisagens. Ainda em 1952, assinou o primeiro editorial de moda para a Elle. O destino? Itália, ao lado da mulher Françoise que assinou o texto, onde chegou mesmo a relatar o roubo de que foi vítima na Praça de São Marcos, em Veneza.

"Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda"
Mariana Valle LimaUm dos núcleos da exposição: Convite à viagem

Em Novembro de 1957, a paragem seria outra. Em Portugal, fotografou o catálogo de Primavera-Verão da marca francesa Tricosa. Trouxe com ele as manequins Gunilla e Barbara Mullen, além da equipa que ficou hospedada no Hotel Palácio, no Estoril. A Linha de Cascais e a Nazaré foram os cenários escolhidos. "Este sentido de humor, este olhar gráfico que ele tem. Esta relação que ele cria entre as manequins e as gentes locais", aponta a curadora, enquanto chama a atenção para o pescador e para o empregado de hotel que aparecem nas fotografias.

"Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda" convida os visitantes a descobrir outros espaços do Museu Nacional do Traje. Nas primeiras salas da exposição permanente, quatro outras fotografias de Dambier (as únicas a cores em toda a exposição) dialogam com peças do acervo, mas também com períodos históricos em destaque. Um terceiro espaço é ocupado pela instalação Robe-fantôme, onde a palavra dita, da autoria de Anabela Becho, ecoa numa sala escura e desprovida de informação visual. "[A instalação] entrecruza memórias objectivas e concretas de vestidos observados ao longo da investigação que tenho feito sobre a Madame Grès. Mas também pretende mostrar imagens mais pessoais, algo que nunca é dado a ver numa investigação científica".

"Viver a sua Vida: Georges Dambier e a Moda"
Mariana Valle LimaFotografia do catálogo Tricosa, tirada na Nazaré, em 1957

Há anos que o trabalho académico de Anabela gravita em torno da figura de Madame Grès, razão pela qual a criadora surge em alguns dos apontamentos adicionados à exposição permanente. Quanto à pequena retrospectiva de Georges Dambier, inserida na Temporada Portugal-França 2022, está pronta a seguir para outras paragens, depois de seis meses em Lisboa. "A exposição foi criada de raiz e agora pode até criar outros diálogos. O trabalho do Georges Dambier ainda não está devidamente estudado. Ele não se preocupou em constituir arquivo, como fizeram alguns fotógrafos daquela época. Tinha uma espontaneidade muito grande que se estendia a toda a sua postura".

Museu Nacional do Traje, Largo Júlio de Castilho (Lumiar). 21 756 7620. Ter-Dom 10.00-13.00 e 14.00-18.00. Até 30 de Outubro. Entrada: 2€ (só exposição temporária) e 5€ (exposição temporária e exposição permanente).

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