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‘House of The Dragon’ vs. ‘Os Anéis do Poder’: a guerra do streaming é de fantasia

O Verão traz duas séries colossais ao streaming, as prequelas de ‘A Guerra dos Tronos’ e ‘O Senhor dos Anéis’. A primeira já se estreou na HBO Max; a segunda chegará a seguir à Amazon Prime Video.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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Entusiasmo e desconfiança. Os fãs de fantasia estão enfiados numa camisa de sete varas neste Verão. Por um lado, estão a roer-se de expectativa para ver as produções milionárias que os novos donos e senhores da ficção audiovisual – as plataformas de streaming – têm para estrear entre o final de Agosto e o início de Setembro; por outro, já se descabelam só de pensar nas liberdades criativas que as mentes da televisão possam tomar diante das suas adoradas histórias. Secretamente – como se fosse um pensamento impuro –, acalentam a hipótese, a ínfima, quase impossível, certamente inatingível hipótese de que House of The Dragon e O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder sejam tudo o que gostariam que fossem. Se não forem, ai, vão ouvir das boas. As redes sociais estão cá para isso.

Dinheiro não faltou. House of The Dragon, que se estreou primeiro, a 22 de Agosto na HBO Max, gastou cerca de 20 milhões de dólares (19,1 milhões de euros) por episódio. Ora, vezes dez, dá a milionária quantia de 200 milhões para a primeira temporada desta prequela de A Guerra dos Tronos. Mas já começa a desiludir. Baseada em Sangue e Fogo – A História dos Reis Targaryen, que George R.R. Martin publicou em 2018, ainda antes de completar a série de livros original (As Crónicas de Gelo e Fogo), House of The Dragon entra nesta viagem ao passado de Westeros a meio do caminho. Não recua 300 anos, não explora “a conquista” de Aegon Targaryen, isto é, a unificação dos Sete Reinos (bom, seis, que Dorne continua independente), e não mostra a criação do Trono de Ferro. A adaptação deverá concentrar-se só na segunda parte de Sangue e Fogo. Ou assim parece.

O segredo é a alma do negócio, e a indústria da televisão leva muito a sério a política no spoilers, mas pelo que se sabe a acção vai perder um século de história. Arranca no reinado de Viserys Targaryen, que sucede ao avô, Jaehaerys, que por sua vez era neto de Aegon. O tempo é de paz e prosperidade. No entanto, os bastidores fervilham com esquemas, golpadas, conveniências, cortinas de fumo e traições, e apesar da acalmia e das boas relações diplomáticas não devem faltar violência, sangue a jorros e mortos em barda, ou não estivéssemos no universo medieval de A Guerra dos Tronos. Incesto também, claro, que isto é sobre os Targaryen e o “sangue de dragão” é para manter puro (embora isso dê origem a um ou outro rei louco, como sabemos). Em contenda está o trono, sempre o trono.

Viserys (Paddy Considine) conquistou-o com o apoio dos lordes contra a prima Rhaenys (Eve Best), descendente do filho mais velho de Jaehaerys, com o argumento de que o herdeiro deveria ser o familiar masculino mais próximo do rei anterior. Problema: Viserys só tem uma filha, Rhaenyra (Emma D’Arcy), que tem puro sangue valiriano e, tal como Rhaenys, é cavaleira de dragões – mas é mulher. Rhaenys, por seu lado, é casada com o homem mais rico dos Sete Reinos, Corlys “The Sea Snake” Velaryon (Steve Toussaint), e tem poder de influência. Mas a Mão do Rei, Otto Hightower (Rhys Ifans) – pai da mais bela mulher de Westeros, Alicent (Olivia Cooke) –, crê que o principal perigo vem do irmão mais novo de Viserys, Daemon (Matt Smith). É esta a teia que os showrunners Ryan Condal e Miguel Sapochnik têm de tecer, com uma vantagem para os leitores de George R.R. Martin: ao contrário de David Benioff e D.B. Weiss em A Guerra dos Tronos, têm o final escrito em letra de forma. Em princípio, não há nada a alterar. É só seguir o rumo – que nos levará, por exemplo, à aldeia de Monsanto, em Idanha-a-Nova, um dos locais de rodagem da série.

“Sente-se a responsabilidade, mas também o entusiasmo”

O caso de O Senhor dos Anéis: Os Anéis do Poder não é assim. Com oito episódios na temporada de estreia, para ver a partir de 2 de Setembro na Amazon Prime Video, a série é um corta-e-cose de elementos dos seis livros centrais à narrativa criada por J.R.R. Tolkien, e dos “apêndices” à obra que o próprio escreveu (com detalhes sobre o passado da Terra Média, com árvores genealógicas, e enquadramentos sócio-culturais e linguísticos). Tolkien não escreveu esta história. Esse crédito deve ser atribuído à equipa de argumentistas, liderada pelos showrunners J.D. Payne e Patrick McKay, e auxiliada pelas lentes examinadoras de alguns dos maiores especialistas do mundo neste épico da literatura e no imaginário do seu autor. Os Anéis do Poder não é Tolkien, mas está escrito como se fosse.

A narrativa centra-se na Segunda Era da Terra Média, dois mil anos antes do que vimos nos filmes de Peter Jackson, e percorre essencialmente quatro eixos: a criação dos anéis do poder, a ascensão de Sauron (ainda como vilão de carne e osso, sendo um dos grandes segredos da série o actor que o interpretará), a queda da ilha de Númenor, e a Última Aliança Entre Elfos e Homens. No cruzamento de todos eles está Isildur (Maxim Baldry), o humano que eventualmente cortará o anel da mão de Sauron e será intoxicado pelo seu poder, acabando por ser morto por orcs no início da Terceira Era – o ponto de partida para os filmes de Jackson. Aqui, encontraremos um ainda jovem Isildur, o seu pai Elendil (Lloyd Owen) e a irmã, Carine (Ema Horvath), uma das personagens inventadas para a televisão.

“Tentei aprender tudo o que podia sobre as personagens deles e pintar um quadro do que seria a minha em reacção às deles, perceber o que faria em relação a eles”, diz-nos Ema Horvath, revelando como construiu esta personagem extra (face à obra de Tolkien), numa breve videoconferência com a Time Out, no final de Junho, conjuntamente com os restantes actores que compõem o seu núcleo – Maxim Baldry e Lloyd Owen. São eles a família no centro da narrativa. “A Carine é uma espécie de figura contrastante na família. O pai e o irmão simpatizam com os velhos hábitos dos elfos, enquanto ela é uma personagem bastante progressista”, adianta a actriz. E esse contraste é fundamental para o desenrolar inicial da série. De tal maneira que Baldry classifica este arranque como “um drama familiar passado num mundo de fantasia”. E Owen corrobora: “Na primeira temporada, exploramos a origem destas personagens, antecipamos decisões que vão tomar mais à frente… Mas no centro da série está o modo como elas interagem umas com as outras, como elas são.”

A criação de novas personagens é uma das temidas liberdades criativas de Os Anéis de Poder, embora os fãs estejam mais preocupados com a compressão da cronologia (para que todos os acontecimentos se relacionem) e com a dificuldade em contar a história da Segunda Era sem recorrer a material que Tolkien escreveu em O Silmarillion, Contos Inacabados ou os 12 volumes de The History of Middle-earth. Porquê? Porque não detêm os direitos sobre esses livros. Os direitos sobre a obra de Tolkien são um épico em si mesmo. Não vamos entrar nessa noite escura. Os criadores J.D. Payne e Patrick McKay nem sequer podem dizer que haja uma continuidade entre a série, que deverá ter cinco temporadas, e os filmes de Jackson. Embora não possam fazer nada que os contradiga. Ainda assim, há personagens conhecidas, como Elrond (Robert Aramayo), Galadriel (Morfydd Clark) ou Gil-galad (Benjamin Walker). Além do regresso à Nova Zelândia, tendo na equipa elementos que trabalharam com Jackson na altura. E, mais uma vez, há dinheiro a rodos. No total, a série deve custar à Amazon cerca de mil milhões de dólares, mas só esta primeira leva de episódios tem já uma astronómica conta de 465 milhões de dólares (447 milhões de euros). Um valor que deve diluir-se nas seguintes.

No entanto, é certo e sabido que o dinheiro compra muita coisa, mas não tudo. Inclusive a atenção dos fãs, que, segundo as empresas de análise de dados que se dedicam a estas coisas do entretenimento televisivo, têm estado mais voltadas para House of The Dragon do que para Os Anéis de Poder. Mas um twist é sempre possível, talvez até provável. E depois outro, e outro. Prognósticos só no fim do jogo. “Depende do zeitgeist. Nunca se sabe. O que sabemos é que é uma história cativante”, sublinha Maxim Baldry, mais a propósito de um eventual sucesso capaz de ombrear com os filmes de Peter Jackson. “No fim de contas, são tudo histórias sobre humanos a relacionarem-se e a viajar através de uma narrativa.” Baldry prefere gerir as expectativas. Owen sabe que é difícil. “Sente-se a responsabilidade [perante os fãs e os leitores de Tolkien], mas também se sente o entusiasmo”, nota. “É uma grande responsabilidade, porque temos a possibilidade de contar uma história incrível da melhor forma possível, e isso é atraente e emocionante.” Convicto de que Payne e McKay se mostrarão à altura do desafio, Lloyd Owen acrescenta que “tudo se resume a Tolkien”. “À sua extraordinária capacidade de contar uma história. O que ele criou é algo profundo em termos de mitologia, e penso que é uma narrativa sobre a história da humanidade. O mito é uma excelente forma de nos compreendermos a nós próprios, e de compreendermos a condição humana”. É aqui que está a ambição destas duas séries: nos píncaros.

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