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Fundação Cecília Zino
DRSal, de João Andrade e Luís Buchinho

Luís Buchinho estreia-se na banda desenhada com novela gráfica solidária

Uma percentagem das receitas reverte para a Fundação Cecília Zino, dedicada à protecção e assistência de crianças e jovens em risco.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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A Fundação Cecília Zino convidou Luís Buchinho a ilustrar Sal, uma novela gráfica com argumento original de João Andrade. Em livrarias selecionadas e na Fnac a partir desta quarta-feira, 30 de Novembro, a obra, editada em formato de capa dura, conta a história de Salomé, uma adolescente de 14 anos, que vive na ilha da Madeira e é retirada aos pais pelo tribunal para iniciar uma nova vida numa casa de acolhimento temporário, longe de um ambiente familiar negligente. Na compra de cada exemplar, 2€ revertem precisamente para a construção de uma nova casa de acolhimento no Funchal.

“Em 2020, na era Covid, comecei a publicar [no Instagram] ilustrações daquilo que o mundo e eu estávamos a viver. Na altura, a Fundação [Cecília Zino] já andava a promover uma série de actividades artísticas muito variadas, algumas relacionadas com arte-terapia, e começou a pensar em editar uma história fictícia baseada em histórias reais, que o João Andrade recolheu ao longo do seu percurso profissional, em diversas instituições de apoio a crianças e jovens em risco. Eventualmente convidaram-me para a ilustrar, mas o projecto inicial era menos ambicioso, uma coisa com 60 a 70 páginas”, desvenda-nos Luís Buchinho. “Ao início tinha confiança na minha destreza para desenhar, mas depois percebi ‘afinal não é de todo suficiente’. A BD tem uma linguagem muito própria.”

Passados 30 anos a desenhar croquis quase de olhos fechados, o designer de moda foi novamente estudar. Tirou cursos online, viu muitos tutoriais no YouTube, inscreveu-se no Clube de Desenho do Porto, cidade onde vive, e voltou a ser um ávido consumidor de BD, com a descoberta da livraria especializada Mundo Fantasma. “As minhas referências tinham parado nos anos 80, porque nessa altura, da pré-adolescência, é que eu lia muita banda desenhada. Mas fiz muita pesquisa e descobri um admirável mundo novo”, completa o criador, que se inspirou sobretudo nas ilustrações de Stuart Tresilian para os livros de Enid Blyton, pelas quais tem um grande carinho, mas também em nomes como Thomas Ott, Fred Fordham, Nina Bunjevac, Brecht Evens, Antoine Maillard, Marcelo Quintanilha, Fido Nesti e Rutu Modan.

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© Desenho de Luís BuchinhoSal, de João Andrade e Luís Buchinho

O processo de criação não foi fácil. Luís confessa ter sentido a angústia da folha em branco, que só se suavizou quando decidiu desprender-se do quadriculado habitual da banda desenhada. Acabou por se alcançar uma solução de assinatura, que tornou tudo muito mais espontâneo. Ainda assim, foram precisos quase três anos para a conclusão da obra, que passou de um máximo de 70 páginas para cerca de 200. “As horas devoraram-se umas às outras. Foi um processo muito solitário, na verdade. Nada a ver com o trabalho em moda, que é feito em equipa e depende de muitas outras pessoas.” Foi bom, contudo, redescobrir o entusiasmo juvenil de quem manuseia um livro com voracidade. “O apreciar dos desenhos, o cheiro, a descoberta da narrativa… e também a tomada de consciência de que tinha muito que aprender e praticar.”

A história de Sal também é sobre aprender. Aprender quem é e quem quer ser, aprender a pedir ajuda, aprender a voltar a confiar, aprender a não seguir por maus caminhos. Começa em prosa, com um prólogo que a apresenta, ainda aos seis anos, e continua em banda desenhada, já Sal tem 14 anos. Vítima de uma situação de abuso sexual e negligência familiar, a jovem é levada para uma casa de acolhimento temporário, onde faz novos amigos, tem sessões com uma psicóloga e oportunidade de processar o que lhe aconteceu e definir um projecto de vida. Pelo caminho, conhece outros miúdos em risco, que também estão a batalhar com os seus próprios demónios.

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© Desenho de Luís BuchinhoSal, de João Andrade e Luís Buchinho

“Por trabalhar diariamente com a realidade destas crianças e jovens, fui-me apercebendo do desconhecimento que as pessoas em geral têm acerca do que é a vivência e experiência do acolhimento residencial. Mais: a estranheza de alguns destes jovens se sentirem angustiados, por se sentirem bem nesta situação, despertou em mim a necessidade de revelar todos estes sentimentos e dor, que de alguma forma são estranhos para todos nós”, conta-nos, por e-mail, o autor João Andrade. “Este é o primeiro de três volumes com diferentes personagens, que orbitam a personagem principal, através dos quais vamos explorando as reacções de cada uma delas a vivências familiares, que também cada um de nós já experimentou. A ideia é estarmos a falar de um arquétipo e não do estereótipo de uma jovem em situação de acolhimento.”

Sediada na ilha da Madeira desde 1961, a Fundação Cecília Zino foi instituída para cumprir a vontade de Cecília Rose Zino de criar um Hospital Pediátrico dedicado às crianças pobres da região. Com o apoio de uma congregação religiosa desempenhou um importantíssimo papel no tratamento do último surto de poliomielite detectado em Portugal, de Março a Julho de 1972. O antigo hospital foi transformado na Casa de Acolhimento Residencial, um centro de protecção e assistência a crianças e jovens necessitados. Entretanto, foi também criado, em 2018, o Centro para o Desenvolvimento Humano, um espaço onde a intervenção social co-habita com projectos de âmbito cultural.

Sal, de João Andrade (texto) e Luís Buchinho (desenho). Fundação Cecília Zino. 200 pp. 24€

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