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Boa comida, bons cocktails e boa música. É no centro dessa triangulação que se encontra o Vago, espaço na Rua das Gaivotas que abriu no final de 2021, depois de um processo de desenvolvimento que atravessou a pandemia e durou cerca de dois anos – os atrasos foram muitos, de problemas na obra a um levantamento arqueológico e a um incêndio. Quando abriu foi uma vitória para os sócios e um achado para os clientes. Tornou-se um sítio da moda em Lisboa. Agora, sentiu-se que estava na hora de afinar um dos pilares do projecto, a cozinha, e George McLeod, do SEM, passou a ocupar o lugar de Leonor Godinho.
Além de ser o dínamo criativo por detrás de ambas, o chef vai passar a dividir-se entre as duas cozinhas: três dias numa, três noutra. Quando não estiver no SEM, quem toma conta dos seus pratos é Beatriz Nobre, há dois anos a trabalhar por lá. Quando não estiver no Vago, quem fica à frente das operações é Murilo Luz, igualmente com passado no SEM.
No Vago, a comida será necessariamente diferente, embora cumprindo os princípios do restaurante que o neozelandês abriu em Alfama com a sua parceira, a brasileira Lara Espírito Santo, também em 2021: criatividade e máxima preocupação ambiental. No novo projecto não há menus de degustação nem a tendência para a alta gastronomia que valeu ao SEM presença no Guia Michelin, entre os restaurantes seleccionados. “No SEM somos muito aventureiros em termos de combinações de sabores. Aqui, seremos um pouco mais acessíveis. Vamos sempre dar prioridade ao sabor, como no SEM, mas seremos mais óbvios e atractivos”, diz George. Afinal, nota, o menu é à carta.
As fermentações que seduziram Alfredo Lacerda logo no ano de abertura do SEM estarão presentes no Vago, ainda que com menos protagonismo. Nessa altura, o então crítico da Time Out deu cinco estrelas ao trabalho desenvolvido por George e Lara. “O SEM não é um restaurante benfeitor mas mal-amanhado, feito de displicência zen. A comida nada deve ao fine dining, antes pelo contrário: não vai encontrar hortícolas melhores nos Michelin da cidade; e também não vai ver pratos mais sofisticados, delicados e elegantes”, escreveu. No final de 2021, a Time Out elegeu o SEM como o melhor novo restaurante do ano em Lisboa.

Agora, o objectivo é mostrar que a ideia que está na base do SEM pode ser replicada em espaços bastante distintos. Como num bar em que a oferta gastronómica tem tanta importância como a programação musical. “Eles estavam à procura de alguém para um relacionamento um pouco mais dinâmico. E eu estava a tentar encontrar algo do género, porque acredito mesmo que o modelo operacional do SEM, de zero desperdício e super responsável, é replicável. E preciso de o provar”, afirma George. “Sinto que esta é uma óptima plataforma para o fazer: um espaço bonito, já com uma grande reputação. Tentar pegar num modelo operacional e aplicá-lo num local já em funcionamento, e também com um estilo de comida diferente, mas tratando-a com a mesma mentalidade, para mim, é super entusiasmante.” Segundo George, “o SEM tem um ponto a provar, basicamente”. “Quanto mais mostrarmos que é possível ter este modelo com vários tipos de aplicações, melhor. É uma oportunidade perfeita para fazermos isto com um estilo diferente.”

O serviço de estreia do novo menu aconteceu na terça-feira, 1 de Julho. Para começar, há ostras do Sado (ao natural, com mignonette de melão em picles, limão e picante de diospiro – 3,5€) e Pão e Manteiga (pão da casa de fermentação longa e manteiga de algas fumadas – 5€). Nos snacks mais elaborados, há o fresquíssimo Tomate e Pêssego (pêssegos frescos, geleia de tomate e granita de sabugueiro – 5€), Cerejas e Chouriço (chouriço, cerejas em picle, creme fraiche e algas em folha de shiso – 10€) e Cenouras e Pinhão (tostada de massa folhada integral, pasta de pinhão, cenourinhas glaceadas com limão; sabayon de sementes verdes de funcho, picles de camomila e cebolinho fresco – 18€).

Pratos mais substanciais são dois: Mexilhões e Tomate (mexilhões em escabeche de água de koji, tomates cereja assados, molho de tomate e manteiga, molho verde e batata palha – 22€), que dependendo do dia pode ser berbigão ou amêijoa, em vez de mexilhão; e Vazia e Funcho (vazia maturada, emulsão de amazake e molho “wastershire”, funcho em picles de açafrão e cornichons – 26€).
O menu tem ainda uma sobremesa, Fondant de “Chocolate” feita com THIC (ou This Isn’t Chocolate), um chocolate sem cacau feito à base de plantas e com ingredientes reciclados, que é produzido na Dinamarca. O fondant leva ainda coulis de amoras lacto-fermentadas e gelado de sal (9€). A ideia é refazer a ementa pelo menos uma vez por estação, sem deixar de apresentar pratos especiais pelo meio.

George diz que, numa mesa para dois, pedindo vários pratos para partilhar, “não deve ficar a mais de 35€ por pessoa”. Sem bebidas. Na mesma conversa, tida a uma mesa do Vago, na tarde seguinte à estreia do menu, Alejandro Steiner, um dos sócios do bar, assinala a propósito que o preço das imperiais se mantém nos 2,5€ desde a abertura. Não planeia alterá-lo, em particular para continuar a chamar clientes locais. Um copo de vinho, diz, tem o valor mínimo de 4€. Manter os preços em níveis aceitáveis é uma preocupação de ambos.
“Muito bom ambiente. Preços justos”
“Tudo o que usamos [na cozinha] é 100% português. Os óleos, a manteiga, a farinha, tudo. Não sei se devo dizer isto em voz alta, mas é mais do que a maioria dos restaurantes portugueses faz”, aponta George. “Nada é industrial. Tenho muito orgulho nisso. Os ingredientes talvez sejam um bocadinho mais caros porque recorro à agricultura regenerativa. Mas eu absorvo esse custo através do sistema de desperdício zero. Portanto, a comida não fica necessariamente mais cara. Na verdade, o sistema de desperdício zero é extremamente bom em termos financeiros. Podemos usar ingredientes caros, mas manter o preço relevante para a cidade. O que é obviamente super importante. Isso [os preços praticados pelos restaurantes] está a descontrolar-se. Há novos lugares a abrir e, para mim, é simplesmente…” “Avassalador”, sugere Alejandro. “Sinto que não há muita alma. Não há grande ligação [à cidade]”, remata o chef, resumindo assim a sua visão e o plano que tem para o Vago e para tudo o resto: “Produtos de altíssima qualidade. Muito bom ambiente. Preços justos. Nem muito caro, nem muito barato. E ser responsável. É esse é o objectivo”.
Alejandro quer ver essa matriz a contaminar o resto do bar. Por exemplo, o prato Tomate e Pêssego, que leva granita de sabugueiro, pode ser transformado num cocktail, sugere. Não só. Os ingredientes que são usados na cozinha podem bem ser os ingredientes usados para preparar as bebidas. Alejandro explica que não é em harmonizações que se está a pensar. É num fluxo de trabalho coerente entre as diferentes valências do Vago. “Estamos muito felizes por isto estar a acontecer. Só vai melhorar o bar. Não só a comida. Vamos melhorar as bebidas. Eles vão fazer uma espécie de consultoria para sabermos como podemos ser mais responsáveis em relação ao impacto social e ambiental. Sabemos que isso nos estava a faltar. E não há melhor forma de o fazer do que com as pessoas que realmente percebem do assunto, e que o fazem com paixão”, diz Alejandro, frisando que o Vago se quer “posicionar acima da média dos outros bares do mundo”. “Ao fim de três anos, é a primeira vez que sentimos que é um novo capítulo para nós. Isso é muito motivador.”

A saída de Leonor Godinho foi pacífica. Aliás, foi a primeira a chegar para jantar na terça-feira. “Abrimos às 19.00 e ela já estava a bater à porta. Trouxe a equipa toda com ela. Ela é incrível”, relata George. “Ela está a fazer um grande trabalho pela cidade, com o A Vida de Tasca, o Bibs e tudo o mais”, começa por enquadrar Alejandro. “Mas, no fim de contas, precisávamos de alguém que conseguisse centrar a sua energia [no Vago]. Não se pode fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Caso contrário, como o George estava a dizer, perdes a alma, perdes tudo, e tornas-te uma multinacional. O que tudo bem. Não acho que seja mau ou bom. Mas não é esse o meu objectivo. Com a Leonor, foi algo assim: estás a passar mais tempo lá do que aqui; precisamos mais de ti aqui do que lá; vamos encontrar uma solução. Mas tudo em termos impecáveis”, continua. “Temos uma relação muito especial com a Leonor. Foram dois anos muito bons. E, com certeza, ela faz parte da história [do Vago]. Fará sempre parte. Na verdade, foi ela que sugeriu e fez a ponte com o George e a Lara”, revela. “Foi tudo muito orgânico entre as três partes. Foi muito giro.”
Rua das Gaivotas, 11A (Santos)
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