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Mural da Revolução dos Cravos
Fotografia: Francisco Romão PereiraMural da Revolução dos Cravos

O mural com Salgueiro Maia na Avenida de Berna agora é outro

Dez anos após a inauguração do Mural da Revolução dos Cravos no muro da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, a Underdogs voltou a ser desafiada a celebrar o 25 de Abril. E convidou quatro artistas para erguer um novo mural, com novos olhares.

Renata Lima Lobo
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Renata Lima Lobo
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O antigo Mural da Revolução dos Cravos, criado há dez anos no muro da NOVA FCSH na Avenida de Berna, foi substituído por outro que inclui novos olhares sobre o 25 de Abril de 1974. Olhares de quatro mulheres artistas que num colorido mural voltam a destacar a figura de Salgueiro Maia, agora rodeado de novos elementos que destacam o papel da mulher.

Vhils, Miguel Januário (±maismenos±), Frederico Draw, Diogo Machado (Add Fuel) e Gonçalo Ribeiro (Mar) foram os artistas representados pela galeria Underdogs para darem vida ao primeiro mural, inaugurado em 2014 por altura das celebrações dos 40 anos da revolução. Agora, os seus traços deram lugar à expressão colectiva das artistas Tamara Alves, Sara Fonseca da Graça, Moami e Mariana Malhão. Um desafio que a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa voltou a lançar à Underdogs, desta vez à boleia dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, que se assinalam no próximo ano.

A revelação do novo mural – com 18 metros de comprimento e cinco de altura – aconteceu esta quarta-feira, 8 de Novembro, ao qual se seguiu o debate “Arte Pública, Património e Liberdade”, onde participaram as quatro artistas e Suzanne Marivoet, curadora do novo mural e directora da Underdogs, galeria que tem tido um papel de relevo no desenvolvimento do programa de arte pública da cidade em parceria com a Galeria de Arte Urbana (GAU). “Os valores são reavivados, discutidos e a cada ano que passa trazem novos questionamentos. Há dez anos houve uma interpretação feita por artistas convidados pela Underdogs que trabalharam em conjunto naquilo que seria a reflexão desse conjunto de artistas sobre o que representa o 25 de Abril”, diz a curadora, relembrando a “relação emocional” que muitas pessoas tinham com o mural agora desaparecido.

Por isso mesmo, chegou a estar em cima da mesa a possibilidade de restauro, para esconder as marcas criadas pela passagem do tempo, mas a verdade é que o restauro na arte urbana é “um tema muito sensível”, nota Suzanne Marivoet. “Houve várias conversas, com os próprios artistas, e não fazia sentido. Porque não faz parte da génese desta linguagem e do trabalho que pretende fazer. Então pensámos que seria importante manter alguns elementos e o elemento central foi a figura do Salgueiro Maia. Uma imagem que marca um momento e que é reconhecível por todos. A partir daí começámos a pensar em trazer outros artistas que pudessem trazer outras questões. E surgiu esta ideia de trazer um conjunto de artistas mulheres, que pudessem também trazer a sua experiência e a sua reflexão sobre o que é e o que foi o 25 de Abril”.

Mural da Revolução dos Cravos
©UnderdogsO antigo mural Avenida de Berna

A figura de Salgueiro Maia volta a partir do famoso retrato da autoria de Alfredo Cunha, mas agora tem os traços de Tamara Alves. “Fui convidada para fazer o retrato do capitão, que decidimos manter a preto e branco, e o resto destacou-se pelas cores e pela outra simbologia. Mantive o mais fiel à fotografia, mas com a minha expressividade. Não sou uma pintora hiper-realista, mas estou feliz com o resultado”, diz a artista visual.

Da figura central saem três focos de luz, imaginados e concretizados por Sara Fonseca da Graça (também conhecida como Petra Preta), que optou por destacar o papel das mulheres na revolução, até porque, diz a artista, quando se "convida uma equipa só de mulheres, automaticamente esse olhar vai começar a aparecer dentro das propostas". "Eu quis trazer estas figuras de mulheres, porque acho que não é possível falar de avanço de uma sociedade sem falarmos da população que habita esse sítio", e que também teve um "papel fundamental" durante a ditadura. Um desses papéis passou pela educação, logo as figuras femininas fazem-se acompanhar por um livro em dois dos focos criados (no outro vemos uma criança a "manifestar-se pondo um cravo também na parede"), em representação não só da educação, mas também dos pensamentos reprimidos em ditadura. "Agora podermos falar, expressar, podemos ir à procura do conhecimento e partilhá-lo".

Mural da Revolução dos Cravos
Fotografia: Francisco Romão Pereira

Todo o mural é acompanhado pelas cores e linhas desenhadas que balançam entre a filigrana e padrões visuais de culturas africanas, desenhadas por Moami, artista com uma relação umbilical com a arte urbana e que elogia as suas colegas de mural. “Normalmente faço tudo sozinha e desta vez tinha três pessoas que foram espectaculares comigo. E usaram os meus tons que é maravilhoso. Não tivemos dificuldades em trocar ideias e fazer as reuniões para montarmos tudo, com elas foi muito fácil trabalhar”, recorda. Sobre a sua contribuição, sublinha que “em todos os detalhes aqui tem um olhar, sempre a observar. E muitas ondas, é sempre um caminho.”

Outras figuras representadas estão pintadas a branco e são da autoria de Mariana Malhão. Uma “corrente de pessoas”, homens ou mulheres, que vive dois momentos distintos no mural. Do lado esquerdo de Salgueiro Maia, a repressão, o cravo dentro das figuras, em representação da “repressão das ideias” e em memória das pessoas que foram presas ou “morreram pelos ideais da liberdade”, onde o caule do cravo simboliza arame farpado e a flor “um tiro, uma violência”. Do lado direito, as figuras transitam para a libertação que foi alcançada após o 25 de Abril, com um cravo já desenhado fora dos seus corpos. Uma obra que, tal como a sua antecessora, mantêm o carácter efémero intrínseco à ideia de arte urbana e que pode, ela própria, ganhar sucessora daqui a mais uma década.

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