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Na Sala do Capítulo do Convento da Graça encontramos este painel de azulejos do século XVIII, em que o texto está escrito em espelho, da esquerda para a direita. A história que aqui se conta é a do Beato João de Estremoz. Diz-se que, em vésperas de se casar, enquanto dormia à sombra de uma árvore, lhe apareceu Nossa Senhora dizendo o que está ali ao lado, e que agora pomos na ordem certa: “Joaõ vai a minha caza e fazete religiozo nella”. Foi o que João fez, pelo que, no segundo quadro desta história, o vemos já
frade, a dar pão aos pobres.
Pensámos em como estes percursores da banda desenhada devem ter sentido a falta dos balões, para indicarem a quem pertence a fala, sobretudo quando a frase está do lado esquerdo e, consequentemente, começa longe da boca da personagem que a profere. A frase em espelho seria uma forma de contornar este problema. Será? Do Museu Nacional do Azulejo, João Pedro Monteiro explica que não: a razão é outra. As figuras dos azulejos são reproduções ampliadas de gravuras em papel e, por vezes, no cenário do painel têm de ser invertidas. Na gravura original, esta Nossa Senhora estaria à esquerda com a frase para a direita, na ordem normal.
No painel da sala do capítulo, contudo, toda a gravura foi invertida, frase incluída. Como os pintores não sabiam ler, limitaram-se a desenhar o que viam. Desconcertante.
E ali ao lado... terror barroco
Se fosse um filme, tinha bolinha vermelha, se fosse BD, era para adultos, mas é o Convento da Graça: toda a gente pode entrar. O painel de azulejos logo à entrada para o claustro, já é bastante sugestivo: um ser constituído por umas nuvens de onde sai um braço empunhando um grande martelo, paira sobre cabeças de degolados. Talvez dali ainda vá sair um picadinho de crânios...
Lá dentro, a enorme Sala do Capítulo é revestida por painéis de azulejos do século XVIII que contam histórias de religiosos portugueses que chegaram às mais diversas paragens do mundo e lá encontraram o fim das suas vidas, de formas – como dizê-lo – desagradáveis... Cruelmente açoitados e lançados ao mar (deve arder um bocadinho), trespassados por setas, lanças e espadas, defenestrados, degolados, queimados vivos... e não só às mãos de árabes, também de luteranos e calvinistas, com quem até partilham o mesmo Deus.
Para a nossa linguagem visual actual, mais explícita, a violência dos painéis não é imediatamente óbvia, exceptuando talvez o da única mulher representada. É a rainha do Gorgistão (Geórgia), a Venerável Dona Gativanda, a quem estão a ser extirpadas as mamas com tenazes de ferro em brasa. Da sua boca saem as palavras “Adjuva me Deus in tortura mamilaria...” Contudo, a expressão dela é tão plácida que dir-se-ia que está num spa. Há-de ser da Fé.
Convento da Graça. Largo da Graça
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