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manamiga – escola feminista
© ADOROMarta Martins e Valquiria Porto, co-fundadoras da manamiga – escola feminista

Primeira escola feminista do país quer “um futuro ecofeminista para todes”

Chama-se manamiga, inaugura esta quarta-feira no Largo Residências e quer ser um espaço de conhecimento e activismo feminista.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Estávamos em Outubro de 2022 quando Valquiria Porto e Marta Martins decidiram criar uma plataforma de mobilização a partir da produção cultural feminista, mas não só. Além de promoverem nas redes sociais uma agenda desenvolvida e protagonizada por mulheres, começaram também a indicar onde ir e estar, e a dar a conhecer pensadoras incontornáveis, como bell hooks (1952-2021). Agora, cumprindo uma vontade que existia desde o início, levam o projecto mais longe com a inauguração da manamiga, a primeira escola feminista do país. O arranque dá-se esta quarta-feira, 19, a partir das 19.00, no Largo Residências, antigo Quartel do Largo Cabeço da Bola. O programa inclui, por um lado, uma apresentação do espaço de conhecimento e activismo que querem, colectivamente, construir em prol de “um futuro ecofeminista para todes”; e, por outro, uma conversa aberta sobre a importância da educação para a igualdade e para uma sociedade mais justa, não-sexista e não-racista.

“Começámos com uma agenda cultural, fomos estudando e conhecendo cada vez mais o feminismo, e conversando [sobre isso]. Ou seja, é um processo, isso com certeza, mas o que nos impulsionou para [fundar] a escola foi perceber que as pessoas acham que não precisam mais do feminismo, que é um movimento velho, que não vale a pena pensar nisso, enquanto o que vemos e conversamos com outras mulheres é que, na verdade, muita coisa ainda não mudou de facto. Mudou na lei: a lei realmente garante igualdade. Mas, no dia-a-dia, as coisas acabam por demorar muito para mudar, e demoram cada vez mais, justamente porque talvez as pessoas pensem que já está tudo resolvido e se distanciam do próprio pensamento, da discussão e do estudo”, diz-nos Valquiria, antes de relembrar que “o feminismo é algo que as pessoas estão fazendo o tempo todo, se estiverem envolvidas”. Infelizmente, nem sempre é isso que acontece.

“Eu tenho uma filha de 15 anos, que estuda em Lisboa. Ela tem amigas que reclamam que os pais as colocam a limpar a casa, e os irmãos – que são meninos – podem ficar descansando. Isto é o tipo de coisa que você pensa ‘meu deus, se isto está acontecendo na casa de uma garota de 15 anos em 2023, então ainda tem muita coisa para mudar’, inclusive para uma nova geração, que deve estar confusa, porque, afinal de contas, para essa garotada, o que é a igualdade?”, questiona a co-fundadora da manamiga. Formada em administração de empresas e especializada em gestão de marcas, Valquiria assume o papel de coordenadora de comunicação da escola e mal pode esperar por mediar também o grupo de estudos “Feminismo no dia-a-dia”. A primeira temporada – que deverá iniciar-se a 6 de Junho e decorrer online, todas as terças-feiras, às 19.00 – terá como ponto de partida o livro de Alicia H. Puleo, Ser feminista: pensamiento y acción.

“São várias as situações – uma piada sexista, um piropo ou comentário, um homem que nos desvaloriza ou o facto de ganharmos menos que um colega apesar de fazermos o mesmo – que vamos deixando passar porque achamos normal ou normalizamos, mas na verdade são situações de machismo, sexismo, de opressão, e de violência; e, portanto, a consciencialização – o tomarmos consciência de que isso não está certo e temos de fazer algo para o contrariar – é um passo importante neste processo de nos tornarmos feministas”, acrescenta Marta Martins, gestora cultural e directora do Artemrede. “A escola servirá não só para aprendermos determinados conceitos teóricos relacionados com o feminismo, como também para percebermos o quanto continuamos a ser oprimidas, o quanto vivemos numa sociedade desigual, em Portugal e em toda a parte, e a importância de nos unirmos e combatermos isso no dia-a-dia, umas com as outras, na nossa vida pessoal e na nossa vida profissional.”

A ideia é, no fundo, criar um espaço de debate e partilha, para que pessoas – de todos os géneros – possam conversar sobre as suas experiências, desenvolver o seu pensamento crítico e aprender mais sobre o que é o feminismo, a igualdade de género e muitas outras questões fracturantes para as mudanças que o nosso planeta precisa. É por isso que, além do tal grupo de estudos, estão previstos vários cursos feministas, que se debruçam sobre diferentes temáticas, como transgeneridade, interseccionalidade, não-binaridade e direito feminista. O primeiro, “Feminismo em Comum”, deverá acontecer em Maio, entre os dias 11 e 20, e será orientado por Márcia Tiburi, filósofa, artista plástica, professora universitária, escritora e política brasileira. Com duração de 14 horas, num total de seis sessões presenciais, propõe-se desconstruir a palavra “feminismo” e as suas variantes, abordar a teoria e a prática do movimento, debruçar-se sobre o patriarcado enquanto sistema de privilégios e explorar diferentes possibilidades de feminismos.

“O lançamento da escola ia ficar um pouco mais para a frente, mas a receptividade da agenda foi tão boa, e queríamos tanto botar a mão na massa, que não conseguimos esperar mais. É engraçado porque partilhámos esta vontade e as reacções eram do género ‘Uma escola feminista? Que legal! Quero, adorei, mas o que é que a gente faz lá dentro mesmo?’”, confessa Valquiria, por entre risos. “A verdade é que, por exemplo, tivemos uma senhora, com quem conversámos sobre a ideia da escola, que nos disse ‘sabe, eu vivo uma situação no meu trabalho, assim e assado, e acho que é porque sou mulher, mas estou na dúvida e quando falo com o meu chefe, ele diz que não, não é por isso’. No fundo, ela não tem nenhum lugar de fala e de troca [de experiências], para poder dizer ‘olha, eu acho que só acontece comigo e é sexismo’. Isto acontece muito. Teve uma hora, num curso que fizemos, numa escola brasileira, que uma das participantes falou ‘eu queria dizer que esse curso foi super importante para eu ver que eu não sou louca’, e todo o mundo riu, mas é real, e é importante conversar sobre isso e estar juntas.”

Ambicionando chegar às escolas, a manamiga – que, por enquanto, subsiste com recursos e financiamentos próprios – poderá vir a tornar-se uma associação e está desde já aberta a parcerias. Em cima da mesa, está também um clube, que permitirá a quem se associar ter acesso a diversos conteúdos educativos, e um projecto de leituras feministas, que está a ser desenvolvido em colaboração com a Biblioteca de Belém e que se quer itinerante, para poder chegar ao maior número possível de pessoas. “Vamos sempre tentar estar muito presentes online”, garante Marta, adiantando desde já que o curso “Cisgeneridade e transfeminismo”, que vai ser ministrado pela autora, pedagoga e professora brasileira Letícia Nascimento, decorrerá online, via Zoom, também em Maio. “Mas também queremos fazer outras acções, noutros espaços, sobretudo fora dos sítios mais óbvios, porque não só queremos chegar a pessoas já abertas para estes tópicos e que nos procuram, como a pessoas para as quais estes tópicos não são familiares ou que até acham que é uma coisa ultrapassada.”

Inauguração: Largo Residências. Qua 19. 19.00. Entrada livre, mediante inscrição online ou por e-mail (info@manamiga.pt).

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