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Painel Grande Panorama de Lisboa, Museu Nacional do Azulejo
Mariana Valle LimaPainel Grande Panorama de Lisboa, Museu Nacional do Azulejo

“Reabilitações duvidosas” estão a destruir património de azulejos, alerta movimento

O MAPA foi criado por cidadãos que querem proteger “um património absolutamente em risco”. “É preciso falar disto.”

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
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Chama-se Movimento de Acção pela Protecção do Azulejo (MAPA), tem menos de um mês e mais de mil seguidores nas redes sociais. Na sequência de outros movimentos criados no passado (que estiveram na origem, por exemplo, da Petição pelo Reforço das Medidas de Salvaguarda do Património Azulejar Nacional, lançada em 2018 e assinada por mais de 600 pessoas), o MAPA quer retomar a discussão sobre o risco e a protecção deste património. E porquê agora? Embora exista legislação destinada a proteger as fachadas em azulejo do país, “ela não é cumprida e não há fiscalização”, afirma Isabel Colher, membro do movimento cívico, com formação em conservação e restauro de azulejos. Ao mesmo tempo, há uma onda de “reabilitações duvidosas” a acontecer em cidades como Lisboa e Porto (mas não só), em que se destroem milhares de exemplares por operação. Acresce que, “na maior parte das vezes, a pessoa que faz o telhado e a canalização é a mesma que trata dos azulejos. Não há qualquer profissionalização. Este património está absolutamente em risco”, diz.

Em curso, alerta o MAPA, está a destruição de milhares de azulejos “produzidos em fábricas com mais de 100 anos”, “feitos pelos nossos avós” e que “são uma parte importantíssima da nossa identidade”. E nem sempre nos indignamos com isso. “Temos tantos azulejos em todo o lado, da escola à casa da avó, que acabamos por não lhes dar o devido valor. Mas temos de olhar melhor para eles”, defende a especialista. A Isabel Colher, que produz réplicas de azulejos diariamente na sua oficina em Marvila, chegam vários relatos de azulejos transformados em cacos e colocados em baldes de obra. Um deles, não há muito tempo, referia-se a um edifício na zona de Santa Apolónia (o alerta partiu de uma condómina), onde pelo menos 5000 peças cerâmicas terão sido retiradas da fachada sem acompanhamento profissional. Mas há também os prédios das Avenidas Novas, com escadarias forradas a azulejos de Arte Nova, do princípio do século XX, ou painéis publicitários em plena via pública a sucumbir à renovação da cidade. Uma vez perdido este património, seja por furto, vandalismo ou obras de reabilitação, ele não volta. Como denuncia a profissional, “partir os azulejos e colocar réplicas no seu lugar não é reabilitar, é destruir”.

Ao mesmo tempo, as pessoas não sabem a quem se devem dirigir caso testemunhem o incumprimento da lei neste assunto. “Não é claro o que se deve fazer. Nós, enquanto grupo interessado no tema, sabemos que é a Polícia Judiciária que devemos contactar. Mas há pouca informação sobre isto. E mesmo a Polícia nem sempre sabe o que deve fazer, desconhece a lei e como deve actuar”, relata a cidadã. 

Travar compra de azulejos roubados, mapear e criar apoios

O que o MAPA propõe fazer para tentar proteger o património azulejar português assenta, sobretudo, em chamadas de atenção para o tema. "A lei pode não ser perfeita mas já existe", lembra Isabel Colher. Nos últimos dias, por isso, o movimento pôs novamente a circular a petição de 2018, em defesa dos azulejos, à procura de ampliar a discussão e o apoio civil, bem como de reforçar a importância de cumprir a lei. Como diz a profissional de conservação, "é preciso falar disto" e tocar nos pontos frágeis do problema, deixando uma sugestão: “A imagem dos azulejos serve propósitos turísticos, funciona como um grande atractivo e é usada em todo o tipo de merchandising. Mas, depois, o património real é roubado, destruído, partido ou vandalizado... O próprio Turismo de Portugal deveria fazer uma campanha a sério, alertando os turistas para não comprarem azulejos, roubados, na Feira da Ladra. Eles fazem-no porque gostam, porque são bonitos, mas não têm ideia de onde vêm e o que estão, na realidade, a comprar.”

Edifício na Rua da Saudade, Lisboa
DR/MAPAEdifício na Rua da Saudade, Lisboa

Por outro lado, “é preciso fazer um mapeamento sério do nosso património azulejar e criar um banco de azulejos como deve ser, que Lisboa, por exemplo, não tem”, defende Isabel Colher, alegando que não é possível proteger aquilo que se desconhece. Por último, ainda, e olhando para a destruição de peças cerâmicas associada à reabilitação de edifícios, quando questionada sobre as eventuais motivações economicistas desta opção, a profissional sugere: “Não acredito que fique muito mais caro reabilitar, reutilizando os azulejos que já lá estão. Mas, ainda assim, se as pessoas não têm dinheiro para contratar especialistas de conservação e restauro, então, já que existe uma lei para proteger este património, também deveriam existir apoios.”

Ao jornal Público, em Maio do ano passado, a coordenadora do projecto SOS Azulejo, lançado pelo Museu da Polícia Judiciária, declarou que "embora ainda em risco parcial", o panorama do património azulejar português está em muito melhor estado do que em 2007, ano de arranque do projecto. Além da existência de legislação, que Portugal não tinha, e de uma maior sensibilidade e informação sobre o tema, há resultados concretos. Segundo a responsável, os furtos registados de azulejos caíram 90% em 16 anos. Ainda assim, "embora a destruição azulejar em Portugal nos últimos 50 anos esteja por quantificar, ninguém tem dúvidas de que ocorreu uma perda maciça e irreparável deste património português absolutamente único e identitário", admitiu, na altura, a responsável. 

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