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As Areias do Imperador
© TUNA_TNSJAs Areias do Imperador

Sobre estas areias, um povo resiste à colonização portuguesa

Baseada no romance de Mia Couto, Victor de Oliveira leva a palco a história entre a jovem moçambicana Imani e o soldado português Germano. A partir daqui, conhecemos um Moçambique do século XIX e a sua ligação com Portugal.

Escrito por
Beatriz Magalhães
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Estamos em Moçambique. Não o país que encontramos hoje, mas sim Moçambique dos finais do século XIX. Este Moçambique é tomado pelas forças portuguesas, num longo processo de ocupação e colonização. É neste Moçambique que encontramos Imani, jovem intérprete moçambicana, e Germano, soldado português. É a partir da história destas duas pessoas que nos é contada a história deste povo, deste país, deste tempo. Encenada por Victor de Oliveira, a partir da obra de Mia Couto, As Areias do Imperador está em cena na Culturgest, entre 20 e 23 de Março.

Victor de Oliveira nasceu em Maputo, já os pais também lá tinham nascido. Filho de Moçambique, é no seu trabalho que procura explorar e usar como inspiração a sua origem. Em 2019, Incêndios centrava-se na guerra civil que devastou o país durante 16 anos; e, em 2021, Limbo interrogava-se acerca dos efeitos da colonização, assimilação e mestiçagem, ao pintar o retrato do que os seus avós e pais viveram no período do pré, durante e pós-independência de Moçambique.

As Areias do Imperador
Adriano MirandaAs Areias do Imperador

Desta vez, e à semelhança das suas produções anteriores, o encenador quis fazer ecoar uma nova narrativa, igualmente passada no universo moçambicano. “Quando eu li As Areias do Imperador, o romance de Mia Couto, tive a impressão que era um texto que devia absolutamente montar, porque tinha tudo a ver com a história dos meus avós” – e “a história da colonização, como se pelo facto de voltar ao século XIX nos desse pistas para tentarmos compreender onde estamos ainda nessa relação entre Portugal e as suas ex-colónias, entre Europa e África e, de certa maneira, entre os brancos e os negros”, conta Victor de Oliveira em conversa com a Time Out.

Da escuridão, surge, sozinha, Imani. “Sou uma raça. Sou uma tribo. Sou um sexo. Sou o que me impede de ser eu mesma. Sou negra. Sou dos Vatxopi, uma pequena tribo no litoral de Moçambique”, profere, ao introduzir a peça. Quando a música começa a soar e as luzes se acendem, Imani já não está em palco. Este é agora habitado por uma árvore, feita em rede cor creme. É nesta região, no antigo Império de Gaza liderado pelo imperador Ngungunyane, que se desenvolve a relação entre Imani e Germano e em que nos é aberta a porta à história do colonialismo português neste país. “Muitas das personagens, as coisas que eles dizem, os diálogos que utilizam, na verdade, não são coisas que esta ou aquela personagem diz apenas para esta ou aquela personagem, são coisas que vão muito para além deles porque fazem parte da nossa história comum, fazem parte de personagens que são, de certa maneira, estereotipadas e que são exemplos de milhares de pessoas”, reflecte o encenador.

As Areias do Imperador
Adriano Miranda

Uma das coisas que caracteriza a peça é a vontade de imergir o público na acção que se desenrola em palco. A utilização da música e do vídeo são exemplos disso. Através do vídeo, torna-se tudo mais real. A dado momento, ora entramos na cozinha em casa de Germano, ora estamos a atravessar o rio em direcção a outro lugar. As línguas faladas também contribuem para esta ideia. Além do português, fala-se em changana, uma das línguas nativas do sul de Moçambique, sendo que o elenco é composto por 15 actores, portugueses, franceses e moçambicanos. “Apresentar um espectáculo como este, com actores moçambicanos que interpretam e representam nas suas próprias línguas, para nós todos, enquanto moçambicanos, era e é muito importante. Esse olhar diferente sobre o que são as línguas moçambicanas também é muito importante e tem a ver com o olhar que nós ainda temos hoje sobre as ex-colónias.”

As questões abordadas na peça ressoam, inevitavelmente, com a ligação de Portugal com as ex-colónias e também a memória portuguesa que persiste deste tempo. O espectáculo não pretende contar a história de outra maneira, mas sim a história do que realmente aconteceu. “Na minha adaptação teatral e em todo o trabalho de dramaturgia tive que tentar fazer com que o público pudesse perceber rapidamente aquilo que está em jogo, aquilo de que se está verdadeiramente a falar e que não é apenas esta ou aquela personagem, mas é tudo o que está para além das personagens e que é muito mais forte do que eles, que é muito maior do que apenas o Germano, ou a Imani, ou o Ngungunyane, e tem a ver com o peso da história, como a maneira como hoje vamos falar sobre isso”, continua Victor de Oliveira.

As Areias do Imperador
© TUNA_TNSJ

As Areias do Imperador é apresentada na Culturgest, no âmbito do ciclo Abril Abriu do Teatro Nacional Dona Maria II. Apesar de as obras no teatro do Rossio só virem a estar prontas em 2025, a programação vem a Lisboa passar os 50 anos do 25 de Abril. O director artístico do Dona Maria II, Pedro Penim, realça, em conversa com a Time Out, a importância de mostrar este espectáculo: “Aquilo que se está a contar sobre a história de Moçambique que, normalmente, é uma história que nós ouvimos só a parte que nos compete e que, normalmente, não nos dá uma ideia muito acertada daquilo que é a história daquele país e também da sua independência. Eu acho que, quer a escrita do Mia Couto, quer o trabalho autoral do Victor, dão essa garantia que é um espectáculo que nos vai fazer pensar muito sobre as questões do colonialismo, mas também de identidades culturais.” 

Culturgest. 20-23 Mar. Qua-Sáb 20.00. 14€

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