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Teatro Bastardo convida a espreitar o abismo na sua estreia em palco

Surrealista e inesperado, o primeiro espectáculo que a nova companhia de teatro de Oeiras leva ao palco promete desassossegar o quotidiano dos espectadores.

Raquel Dias da Silva
Jornalista, Time Out Lisboa
Guloseimas
Fotografia: Filipe Ferreira
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“Boa tarde, tem gomas?” O pretexto parece simples, a pergunta inocente. Mas suspeitamos estar perante uma armadilha tão depressa quanto, de repente, se ouve alguém pedir “tolerância”. Criado a partir de um texto do dramaturgo brasileiro João Fábio Cabral, o primeiro espectáculo do Teatro Bastardo ameaça engolir o público numa cruzada interior alucinante e impiedosa, que acompanha a queda vertiginosa de Zeca como se fosse a nossa (quem quer que sejamos). A estreia de Guloseimas está marcada para esta sexta-feira, 23 de Julho, às 21.30, no Teatro Taborda. Se aguentar firme até ao fim, talvez se sinta tentado a confessar um pecado ou dois.

“Numa leitura ocasional da colectânea Cinzeiro, publicada pela nVersos em 2013, cruzei-me com este conto de João Fábio Cabral. Por um lado, parece-me particularmente interessante em termos de ritmo e linguagem. Por outro, permite-nos criar um universo em diálogo com o subconsciente, onde, no fundo, tudo é possível”, diz o actor e encenador Gonçalo Botelho, director artístico do Teatro Bastardo. Fundado em 2019, o colectivo sediado em Oeiras assinou a sua primeira produção em 2020 – o drama online em três actos, Providentia, foi resultado de uma bolsa de criação do Teatro Nacional 21 – mas só agora se estreia em palco, com um novo espectáculo, no âmbito do ciclo Try Better, Fail Better do Teatro da Garagem.

Teatro Bastardo
Fotografia: Filipe FerreiraGuloseimas, de Teatro Bastardo

Numa espécie de “tenda do Chapitô”, que se ergue após a entrada do público em sala, encontra-se a loja de Maria, amiga de Tolerância e Dutempo. É à porta desse estabelecimento, aparentemente inofensivo, que se encontra Zeca, um protagonista sem rosto, que só queria gomas e se vê encurralado por três personagens tão exuberantes quanto ameaçadoras. Por entre uma verborreia inesperada de acusações e súplicas, a acção parece empurrar-nos a todos para o abismo onde habitam os seres mais execráveis à face da terra. A mola mestra é o mais humano dos sentimentos ‒ o amor (o Zeca diz que as gomas são para a mulher) e o medo com que vivemos quando há amor (ou falta dele).

“Estamos a ver e a pensar ‘coitado, não está a perceber nada, eu também não, deixa lá ver onde isto vai dar’, porque, no fundo, não conseguimos desviar o olhar, queremos perceber, encontrar o sentido. O ele estar sempre de costas é, de facto, propositado. Os espectadores estão na mesma situação desse Zeca, que está ali naquele sítio, sem perceber bem como é que lá chegou e o que está a acontecer”, partilha Gonçalo, sem querer revelar demasiado. “É um sonho, no final acorda-se”, diz. Bem tentamos acordar, mas sabemos como a realidade pode ser tão cruel quanto os últimos 45 minutos de sobressalto que se viveram em palco.

Com interpretação de Francisco Pereira de Almeida, Gonçalo Egito, Miguel Galamba e Rogério Vale, Guloseimas fala-nos de tolerância e gentileza, de compromissos e privilégios, do peso das palavras e da ilusão das imagens, da cidade e das dores e deleites que nascem nesses espaços urbanos, do céu e do inferno e de outras inquietações quotidianas. Após a estreia na sexta-feira, repete-se “o circo” no dia seguinte, 24 de Julho, pelas 21.00. Os bilhetes (5,35€) já estão à venda na plataforma See Tickets.

Teatro Taborda. Costa do Castelo, 75. Sex 21.30 e Sáb 21.00. 5,35€.

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