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Rui Paula
Arlindo Camacho

“Temos de saber preservar a nossa cozinha”

Rui Paula tem um novo livro de receitas. Atento à sazonalidade e sustentabilidade, o chef com duas estrelas Michelin luta para que a tradição não se perca à mesa.

Cláudia Lima Carvalho
Escrito por
Cláudia Lima Carvalho
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Estávamos fechados em casa, num segundo confinamento, quando Rui Paula decidiu começar a partilhar online vídeos de receitas bem familiares. Arroz de polvo, arroz de tomate com pataniscas, ovos de codorniz com alheira. Sempre sem jaleca, descontraído e directo ao assunto, o chef prometia animar os dias cinzentos, mostrando que a cozinha não precisa de ser uma obrigação. Mais de um ano depois, edita Sabores da Época (Porto Editora), com 50 receitas, divididas por estações, ou não fosse a sazonalidade uma preocupação.

O livro não estava planeado, mas quando o convite surgiu, rapidamente percebeu ser uma necessidade. “Não há assim muitos livros focados na sazonalidade, com as dicas que este tem para se aproveitar os produtos da época”, diz-nos o chef com duas estrelas Michelin na Casa de Chá da Boa Nova, em Leça da Palmeira, numa pequena conversa por videochamada. As dicas a que se refere não estão apenas em cada receita, mas também no final do livro, onde se ensina, por exemplo, a fazer caldos, pickles, maionese ou pontos de açúcar. Há ainda várias tabelas que de forma simples apontam os meses de cada produto, dos peixes aos legumes. “Quando um produto está dentro da estação, é melhor e, além disso, é mais barato, porque há em maior quantidade”, explica, receando que muitas pessoas já nem saibam a época de cada ingrediente. “Aliás, qualquer dia as crianças não vêem uma galinha viva, só a vêem no talho”, lamenta.

Também por isso, a vontade de avançar com um livro de receitas. “Isto é um alerta para as pessoas sentirem que qualquer dia vão perder a memória das coisas”, defende. “Eu tive a sorte de comer coisas boas. E tive a sorte de, além de serem boas, serem bem cozinhadas. Tenho estes sabores na minha memória e isso é o fundamento da minha cozinha. A nossa cozinha portuguesa é tão vasta, tão rica, que nós temos de saber preservar isso”, acrescenta.

Rui Paula
DRPorto Editora. 2022. 152 pp. 24,90€

Não foi para isso que editou Sabores da Época, mas Rui Paula não deixa de alertar a nova geração de cozinheiros. Preocuparem-se com a estética e seguir tendências é normal, porém é essencial não perder o sabor e utilizar a nossa matéria-prima. “Já reparou que aqueles bons restaurantes tradicionais que havia estão-se a perder porque as pessoas que cozinhavam já não trabalham porque estão velhas e cansadas? É uma obrigatoriedade não deixarmos cair isto”, avisa. “Nos meus restaurantes [além da Casa de Chá, o chef tem o DOC e o DOP], as minhas equipas cozinham todas. À vez, todos cozinham. Hoje cozinha um, amanhã cozinha outro. E os pratos que se fazem são todos tradicionais, precisamente para não se perder esse sentido”, justifica, encarando isto como uma missão, com a certeza de que se será melhor cozinheiro assim. 

A caminho dos 30 anos de carreira, Rui Paula sabe que conquistou o lugar de mestre. É ouvido e respeitado pelos seus pares. “Temos de fazer bem, tem de bater sempre a bota com a perdigota. Eu já ando aqui há muito tempo. Temos de evitar ter telhados de vidro, não estar aqui a debitar coisas e depois fazer o contrário. Não estou a dizer que sou santo, mas é muito difícil atirarem-me pedras”, assume. “A honestidade é a chave das coisas, sempre foi e há-de ser, e o azeite vem sempre ao de cima, se as pessoas não fizerem bem, mais tarde ou mais cedo são apanhadas na curva.”

E não quer isso dizer que as receitas que agora estão no livro sejam direccionadas para quem já domina os tachos e as panelas. “Há algumas mais difíceis e outras mais fáceis, mas todas se conseguem fazer em casa. É um livro de família. Tem desde as entradas, à carne, ao peixe, à sobremesa”, garante Rui Paula, que neste processo, com a ajuda da equipa dos seus restaurantes, acabou também por se aventurar a fazer pratos que nunca tinha feito. “Os croquetes de espinafres foram uma agradável surpresa. São muito saborosos e muito simples.

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