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Televisão, Séries, Comédia, Drama, The White Lotus (2021)
©DRThe White Lotus

‘The White Lotus’ não é flor que se cheire

Mike White volta à cadeira do criador, uma década após ‘Uma Vida Nova’. A minissérie ‘The White Lotus’ estreia-se esta segunda-feira na HBO.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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O lótus-branco é uma espécie de nenúfar com uma presença milenar no imaginário humano. É uma planta ornamental, que se encontra em lagos, cujo processo diário de “renascimento” (recolhe-se à lama e ressurge, no dia seguinte, de flor imaculada) lhe confere um conjunto de significados de cariz transcendental – da pureza à iluminação espiritual. Em algumas culturas, é sagrada, trono divino. Aqui, The White Lotus é o nome de um hotel de cinco estrelas, um resort havaiano, tão paradisíaco quanto afastado, ao qual têm acesso apenas os endinheirados – e quem os vai servir. Logo, é também uma metáfora para a beautiful people: debaixo de todo aquele privilégio, das festas, dos gadgets, dos discursos progressistas, dos cremes, das plásticas, do sucesso, debaixo de tudo isso jaz uma raiz enlameada, envilecida, que é a essência daqueles rostos brilhantes que nos vão aparecendo no feed do Instagram. Como um lótus-branco, a destacar-se na sua beleza simétrica dos espécimes menos vistosos que sobrevivem naqueles mesmas águas paradas.

The White Lotus é ainda, e por último, o título da minissérie que se estreia nesta segunda-feira, 12 de Julho, na HBO. São seis episódios com cerca de uma hora que marcam o regresso de Mike White enquanto criador de televisão, numa altura em que passam dez anos sobre o lançamento de Uma Vida Nova (Enlightened, no original), produção de culto que co-assinou com Laura Dern (actriz que a protagoniza e que com ela conquistou um Globo de Ouro). The White Lotus é uma sátira de carburação lenta e uma comédia de costumes planante, em que um grupo de turistas ricos aporta no dito resort para uma semana de férias – e para sucessivas e reincidentes demonstrações da alienação que se incuba nos berços de ouro, de prerrogativas hereditárias, de... supremacia. Às tantas uma personagem justifica-se: está a jogar com as cartas que lhe deram; que culpa tem ele se essa “mão” é boa? Este é Shane (Jake Lacy), cuja característica predominante é ser filho de pais ricos, e que não se contenta com a segunda melhor suite do hotel – tem de ter a melhor, nem que para isso tenha de ligar à mamã para ela pôr um capataz ao telefone com o gerente. Não é mal-educado nem conflituoso. É insistente, é chato, é infantil. Está ali em lua-de-mel, recém-casado com Rachel (Alexandra Daddario), jovem jornalista sem vocação para dondoca que teme ter cometido um grande, colossal erro, ao aceitar dar o nó.

São o belo casal do grupo, tão belo quanto incompatível. Há ainda a família Mossbacher, comandada por uma mulher de espantoso sucesso, CEO de uma multinacional, Nicole (Connie Britton), a quem se se junta o marido, o compungido Mark (Steve Zahn); o filho adolescente, anti-social e onanista, Quinn (Fred Hechinger); a filha em idade universitária, Olivia (Sydney Sweeney); e a amiga desta, Paula (Brittany O’Grady). Estas formam uma dupla temível, uma impenetrável muralha de cinismo e rebeldia. Por fim, Tanya McQuoid (Jennifer Coolidge), uma solitária e decadente cinquentona que carrega as cinzas da mãe para as deitar ao Pacífico. Todos brancos (à excepção de Paula que, note-se, está aqui de favor), todos privilegiados, todos seguros de que lhes são devidas umas férias perfeitas e um serviço exemplar. À chegada, eis o vislumbre do paraíso. Mas este paraíso, para o ser, precisa de criados, perdão, funcionários – e esses são os desprivilegiados, os indígenas, tão bonitos de ver, tantos sorrisos, aloha, colares de flores e ninguém repara que uma das mulheres do staff está em trabalho de parto durante todo o dia, escondendo, aguentando.

Gravado em Maui durante a pandemia, numa bolha de produção, The White Lotus é uma crítica subtil ao colonialismo turístico que conspurca as viagens para destinos ditos exóticos, mesmo as dos mais enérgicos e woke elementos da Gen Z. Mas é sobretudo uma série interessada em deixar os espectadores desconfortáveis à medida que se vão descobrindo em personagens em que ninguém se quer rever. Do emasculado e desorientado Mark ao gerente do hotel, Armand (Murray Bartlett), que começa em nota filosófica e rapidamente entra em espiral destrutiva. Nada aqui é perfeito, tal como nada é perfeito fora daqui. Ninguém sairá deste resort mais descansado do que aquilo que entrou. Há até quem dele não saia vivo: a série é narrada in media res, arrancando com um corpo a ser carregado para um avião, para a viagem de regresso. Shane, sozinho, olha compenetrado para a caixa marcada com as palavras “restos humanos”. Quando a cronologia anda uma semana para trás, o primeiro ímpeto é julgar que foi a sua mulher, Rachel, que morreu. No entanto, à medida que a história avança, e mesmo sem adiantar quaisquer detalhes sobre o caso, começa-se a duvidar – apenas pela forma como as personagens se relacionam entre si. Um whodunit que corre em paralelo e nos torna numa espécie de precogs a adivinhar o futuro (querido Relatório Minoritário, long time no see....). A banda sonora de Cristobal Tapia de Veer ajuda, e muito, a criar o ambiente de tensão mas também a provocar aquela sensação típica das férias, a de que estamos a planar sobre nós próprios, insistindo numa leveza fingida e numa despreocupação forçada. De férias, a vida continua, na essência, tal e qual.

HBO. Seg (Estreia)

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