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Jorge Silva
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‘Vida de Artistas’. A última cena de Jorge Silva Melo

A despedida de Silva Melo acontece em palco com ‘Vida de Artistas’. A estreia, no São Luiz, juntou amigos do encenador – no palco e fora dele.

Joana Moreira
Escrito por
Joana Moreira
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Vida de Artistas é a derradeira encenação de Jorge Silva Melo, nome cosido à história do teatro português, que morreu este mês de Março. É um regresso a Nöel Coward, autor que, “com um brilho único, anda connosco há quase um século, despistando, contrariando ideias feitas, na curva da História”, escreveu o encenador na folha de sala que acompanha o espectáculo, em cena até 10 de Abril no Teatro São Luiz. 

A peça chega a Lisboa “como previsto e desejado pelo Jorge”, sublinham os Artistas Unidos, companhia fundada pelo encenador em 1995. E assim subiu ao palco, na passada quarta-feira, 23 de Março, um grupo de actores e uma equipa técnica unidos pela Vida de Artistas, mas também pela visão de Jorge Silva Melo. 

“Ele teve a generosidade necessária para nos ensinar, embora não explicitamente, não deu aulas, mas para partilhar connosco o que ele sabia fazer. Esse é o principal legado do Jorge. Conseguiu deixar um colectivo, um grupo de pessoas com quem ele gostava de estar, a funcionar e a continuar depois dele. Há vida para além dele e isso é o mais bonito”, diz António Simão, actor e produtor da companhia (actualmente em risco de ficar sem casa, por a Universidade de Lisboa ter sinalizado o fim do contrato de arrendamento do Teatro da Politécnica). “Era como ele dizia: queria morrer a trabalhar. Ele foi até onde pôde, no fundo. Foi tentando, tentando e chegou a um ponto em que teve de ir para o hospital, pronto”, conta Américo Silva, que colabora com os Artistas Unidos desde 1997.

Na estreia da peça que Silva Melo encenou sem chegar a ver em palco (mas que estaria “a fumar e a sorrir à saída do teatro”, escrevem os Artistas Unidos na folha de sala), o São Luiz encheu-se com um agradecimento literal. “Obrigado, Jorge”, leu-se. “Foi emotivo. Trabalhei muito de perto com o Jorge e com os Artistas Unidos. Fiz questão de vir à estreia, também para prestar um tributo ao Jorge. É um momento bonito”, descreve à Time Out a ainda ministra da Cultura, Graça Fonseca, após o espectáculo. 

Jorge Silva Melo
José Frade

“Olha, teatral, aposto”

Escrita pelo dramaturgo inglês em 1932 e estreada na Broadway no ano seguinte, Vida de Artistas marca o regresso de Silva Melo a Noël Coward depois de Vidas Íntimas, em 2019.  “Frívolo? Ou realmente profundo? Fantasista ou realmente realista? Olha, teatral, aposto”, lança o encenador sobre esta comédia que gira em torno de um triângulo amoroso, artistas em busca da fama, simultaneamente desafiando, com o seu estilo de vida, a moralidade e uma sociedade de brandos costumes. 

A peça aborda temas como o adultério, o ciúme, a inveja pelo sucesso, a sexualidade, a liberdade, o puritanismo. No centro está Gilda, uma mulher que rejeita o casamento e a estabilidade e escolhe amar Leo (Pedro Caeiro) e Otto (Nuno Pardal), dois homens que, por sua vez, também a amam – e também se amam.

Rita Brütt dá corpo e voz a essa Gilda de Vida de Artistas, que provoca o espectador até ao último instante. “Quando se aproxima de se instalar numa posição confortável é uma permanente insatisfeita e aborrece-se e tem de mudar e qualquer coisa tem de acontecer. Normalmente o que acontece é: lembra-se da outra pessoa que não está lá e pronto, aquele amor instalado não sobrevive. Ou há paixão ou ela salta fora”, elabora a actriz, após o ensaio. “Não é assim tão diferente dos anos 30, principalmente do ponto de vista da maneira como se olha para as mulheres hoje”, sugere, crente que “é sempre pertinente mostrar uma mulher que escolhe o seu próprio caminho e que o seu caminho não é o convencional.”

Pese embora o momento esteja carregado com a dureza de querer cumprir – querer honrar – o mestre (“para mim ele foi sempre mais pedagogo do que encenador”, diz o actor Américo Silva, que interpreta Ernest, um homem conservador que acusa o trio de ter “os valores todos distorcidos”) e a obra que este deixou, a peça derradeira do encenador mantém a aparente superficialidade e leveza ambicionada na dramaturgia de Nöel Coward. Numa noite de emoções, o riso chega à plateia do São Luiz e fortes gargalhadas irrompem. A Vida de Artistas continua, e o legado de Silva Melo também. 

São Luiz Teatro Municipal. 23 Mar-10 Abr. Qua-Sáb 20.00, Dom 17.30. 12-15€.

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