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Pedro Cardoso, Solar dos Presuntos
©Manuel MansoPedro Cardoso

“Atenção! O Solar dos Presuntos está a contratar”

A nova vida do Solar dos Presuntos é o pretexto para uma conversa com Pedro Cardoso. Ficámos na dúvida entre publicar uma entrevista ou um anúncio de emprego.

Escrito por
João Pedro Oliveira
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Quando grande parte da restauração procurava sobreviver, o Solar dos Presuntos avançava com um investimento feérico. Foram cerca de 4,5 milhões de euros para ampliar a casa, multiplicar a cozinha por dez, somar salas e pisos, rasgar uma esplanada, criar uma garrafeira, instalar uma Academia de cozinha e uma pequena guest house para acomodar chefes e outros convidados. Tudo sem pedir um tostão emprestado. Cá dentro, há tecnologia de ponta, e o acesso às várias zonas de trabalho faz-se com câmaras de reconhecimento facial. Lá fora, há uma parede gigante, trabalhada por Vhils, em homenagem a Evaristo e Graça Cardoso, o casal que há 47 anos aqui ergueu um pequeno santuário à “alta cozinha de Monção”. Dos 18 lugares de mesa inaugurados em 1974, o Solar engordou para 600, e hoje a ambição passa por criar um espaço de eventos e experiências, sob o signo da gastronomia portuguesa. Mexeu-se em tudo, menos na carta, garante Pedro Cardoso. O homem que há duas décadas gere os destinos da casa criada pelos pais é hoje um relações públicas a tempo inteiro, que trata metade da clientela pelo nome e faz questão de nos tratar por tu.

É a terceira pessoa que oiço a dar-te os parabéns hoje.
Sim, tem sido uma constante. Mas quando me dão os parabéns à entrada, digo sempre para pensarem melhor e depois, se quiserem, os darem à saída. Não quero parabéns pelo espaço, quero parabéns pela comida e pelo serviço.

[Interrompe para falar com um empregado que se aproxima da mesa]
Queria água, café e queria que fosses lá à copa ver o que se está a passar [aponta para uma pequeníssima mancha num prato]. Pede para afinar isso...

...e portanto é isso que mais nos interessa. E quando tens um restaurante sabes perfeitamente se o que estás a fazer está bem ou mal feito. Sabes ver a reacção do cliente, se está no final a dar os parabéns só porque sim, ou se é sentido. E isso tem-nos dado a convicção de que estamos a fazer um bom trabalho, nomeadamente a nível de cozinha, que era o mais difícil. Passámos de uma cozinha de 40 m² para uma de 300 m².

Há quase 50 anos que esta casa está sempre cheia. Isto era mesmo necessário?
Era. Estou aqui há 35 anos e toda a vida temos tido desafios para sair daqui, para ir abrir novos solares dos presuntos noutros lugares. E o meu pai sempre disse que não, que aqui era o nosso lugar. E ele sempre teve essa ideia, de cinco em cinco anos ter uma obra de fundo, de melhoramento. Tínhamos esta obra projectada há sete anos, mas houve vários problemas pelo caminho, desde logo aparecer-nos aqui um cemitério. Mas esta ampliação era a obra que o meu pai sempre teve em mente fazer. Claro que tudo isto foi evoluindo em diferentes direcções, criar a Academia, criar quatro quartos onde podemos alojar alguns chefes que queiram vir dar aqui formação....

Criaram uma guest house dentro do restaurante.
Sim, sim. Ainda não está concluído. Em Março, quando fecharam os restaurantes, nós aproveitámos para avançar em definitivo com o essencial da obra, que é tudo o que tem a ver com o restaurante. Deixámos essa parte dos quartos para mais tarde.

Tudo isto parece em contraciclo. Um investimento monumental, já te ouvi falar em 4,5 milhões de euros. Isto numa altura em que a restauração está em crise.
É tudo feito com capitais próprios e com o nosso trabalho. Mas reconheço que tivemos muita sorte...

Restaurante, Cozinha Tradicional Portuguesa, Solar dos Presuntos
©Mariana Valle Lima

Está tudo a bater certo, em termos de timings. Terminam a obra mesmo a tempo da reabertura da cidade...
Nada acontece por acaso. Éramos para ter feito esta obra há três anos, mas tivemos de parar por causa do achado arqueológico que aqui se fez. Se tivéssemos começado quando queríamos, íamos bater mesmo no momento em que disparou esta crise. Ia ser um desastre.

Até os mortos ajudam.
[Riso] É verdade. Tivemos a sorte de as coisas se atrasarem e tudo bater certo. Conseguimos abrir quando a cidade está quase a abrir em pleno. Agora o investimento... as pessoas têm de perceber que não gastámos um tostão aqui.

Explica.
Era o dinheiro que tínhamos na nossa empresa. Podíamos ter agarrado nele e comprado uma bela quinta para passar os fins-de-semana...

O que dizes é que não gastaram um tostão que não fosse vosso.
Exacto.

Mas é dinheiro que não precisava ser reinvestido. Podia simplesmente ter sido gozado.
Mas este é o nosso gozo. Eu divirto-me imenso no meu lugar de trabalho. Sobretudo quando isto está afinado, quando tudo está em ritmo de cruzeiro e sei que tenho uma boa equipa na sala e na cozinha, dá para eu me divertir, para passar tempo com os meus clientes. Tenho a sorte de ter um restaurante de sucesso. Trabalhamos muito, mas temos o retorno disso.

Mas tens ideia de qual é o break even deste investimento?
Já está pago! Porque é o dinheiro do nosso negócio, gerado aqui. Tudo o que vier para a frente será bem-vindo. Não estamos minimamente preocupados com isto. Não devemos nada a ninguém. E é assim que conseguimos fazer um trabalho tranquilo, bem feito, a pensar no cliente: metendo na cabeça essa ideia, de que não precisamos de ir a correr fazer dinheiro.

Quantas pessoas trabalham aqui neste momento?
Nós no início desta crise fizemos um esforço para não mandar ninguém embora. Tínhamos 43 pessoas. Hoje estamos com 57 e vamos precisar de meter, pelo menos, mais umas vinte pessoas aqui.

E já começaram a contratar?
Já. Para a parte da Academia, para a esplanada, para os quartos e para reforçar esta equipa de sala. Tínhamos uma equipa muito à pele e ainda não abrimos os espaços todos. Temos o segundo piso ainda fechado, só abrimos quando temos grupos de 40 ou 50 pessoas, para termos uma sala só para eles. Mas estamos a evitar servir, porque não temos mão-de-obra qualificada para o fazer. Ou prestamos um serviço a sério ou não vale a pena estar a inventar.

Podemos então considerar esta conversa como um anúncio de emprego?
Claro que sim! Podes pôr aí: atenção! O Solar dos Presuntos está a contratar. Até te digo mais: precisamos de pessoas que queiram abraçar o projecto de hotelaria e nem interessa que tenham muitos ou poucos conhecimentos. Às vezes, quanto menos conhecimento têm, melhor, que nós gostamos de ensinar.

Isto já é uma escola.
Sem dúvida, é. Depois têm duas hipóteses: ou se integram e ficam aqui uma vida, como acontece com alguns funcionários, ou partem e vão dar uso ao seu conhecimento noutros lugares.

Em média, quanto tempo um funcionário fica na casa?
Os meus funcionários mais antigos têm dez, 15, 20 anos de casa. Tenho agora alguns dos mais velhos a sair. Aliás, quando foi a questão da pandemia eu tive medo e chegámos a um acordo com quem estava já na pré-reforma, gratificá-los e eles irem já para a reforma, seguros.

Ainda têm alguém desde o início?
Temos o nosso homem do marisco. Temos uma senhora na cozinha e temos a nossa senhora da limpeza, que tem uns 70 anos, mas todos os dias vem, adora estar aqui, acha que isto é a família dela. E a regra é essa. Quem entra, gosta e se integra, pode ficar para sempre. É uma família, sabes?

Pedro Cardoso, Carolina Cardoso, Solar dos Presuntos, Vhils
©Mariana Valle Lima

És, portanto, chefe de uma família numerosa.
Mas é que eu levo mesmo isso a sério! Claro que sou patrão e sou dono, mas tenho esse sentido, preciso que eles estejam bem para eu estar bem. Gosto de lhes dar retorno pelo trabalho que têm. Estou sempre presente, quando há algum problema, sou eu que dou a cara...

[interrompe para se despedir de clientes que estão de saída e querem dar os parabéns] ...obrigado, pá! Cumprimentos ao Rui!

Num dia normal, quantos clientes tratas pelo nome?
Ui... estou com um problema complicado, sabes?

Conta.
Pá, criei um monstro! Todos os clientes com quem contacto, dou-lhes o meu número de telefone. E agora, quando abrimos, só estamos a funcionar com reservas e toda a clientela que estás a ver aqui chegou através do meu telefone. Tenho para aqui umas 200 mensagens a pedir reservas. Em alguns casos, pessoas que eu já não sei quem são, mas a quem eu dei o número de telefone e tenho de retribuir sempre as chamadas que me fazem. Portanto, quando me perguntas quantos clientes trato pelo nome... bem, todos, excepto aqueles de quem me esqueci o nome [riso]. Estamos há três semanas assim... Todos os que vês aqui, exceptuando aquela mesa que vês além com dois brasileiros meus amigos, são tudo portugueses e clientes antigos.

Enquanto muita restauração tenta sobreviver, vocês ainda recusam clientes?
É. E tem sido muito complicado. Sobretudo dizer a alguém que é cliente desde 74, “eh pá, desculpa, mas não tenho mesa para ti”, coisa que eu nunca disse na minha vida. Há gente a pensar que eu me esqueço deles, agora que isto cresceu. Nunca me esqueço! Aliás, temos aqui várias rotinas. Criei uma base de dados daqueles clientes do take away, que durante todo o tempo em que estivemos fechados continuaram a procurar-nos, porque queria que esses fossem os primeiros a quem diríamos que íamos abrir, porque nos ajudaram na altura em que precisámos também.

Quanto do teu trabalho aqui é relações públicas?
É 100%. Nós investimos muito em backoffice, nova cozinha e tudo isso, mas o que traz o cliente à mesa é a relação directa. E não é só minha, é a dos empregados. Isso é importantíssimo.

Pedro Cardoso, Solar dos Presuntos
©Manuel Manso

Quando é que percebeste que isto era uma marca?
Quando fizemos esta obra e vi os fornecedores a querem entrar aqui à força toda... Eu já sabia, mas sinto que ainda não tinha percebido bem o nome que tenho nas mãos.

Mas o teu pai sempre teve essa consciência.
Oh! Não existe relações públicas como ele! É um indivíduo que está a falar contigo e quando dás por ela estás a almoçar em casa dele. Tudo nele é muito natural. Não dá para copiar o que ele faz, mas adoro ser tratado por filho do Evaristo, é um orgulho. Cada um tem o seu percurso. Se não fosse ele, e sobretudo a minha mãe, nós não estaríamos aqui certamente. O meu pai sempre foi um indivíduo com uma visão muito grande, sempre a pensar no futuro, a guardar os tostões para fazer a obra seguinte.

Isto ainda tem para onde crescer?
Sim, claro. Nós agora temos outra ideia de crescimento. Fizemos a cozinha a pensar que podemos ter ali um cartão de visita para o futuro. E o que é que é o futuro? É podermos estar presentes em eventos onde antigamente era impossível. Vou-te dar um exemplo: se eu quiser ir para um espaço como o Time Out Market, hoje tenho cozinha que me dá capacidade para fazer a produção toda aqui e lá ter uma cozinha apenas de expedição...

Isso não contraria a ideia de que falávamos há pouco? De crescer sempre neste lugar?
Não. Porque a base será sempre aqui. Não estamos propriamente a falar de abrir um Solar dos Presuntos II.

[Atende mais um cliente que avança para a mesa e nos interrompe a conversa sem hesitar. Vem pedir que não se esqueça de uma reserva. Diz que fulano de tal mandou várias mensagens.] ...está a ver? É que eu ainda tenho de ir ver todas as mensagens das reservas de ontem...

Mas decoraste o nome?
Sim, o nome do amigo que ele disse... [aponta] não posso esquecer. Mas eu depois respondo. Respondo sempre a toda a gente. Mas estava a dizer que o público que vai ao Time Out Market é outro. Imagina tu ires àquele espaço e poderes oferecer um cozido à portuguesa como deve de ser, ou um cabrito assado, ou um polvo à galega. É um sucesso tremendo! Claro que não vais fazer umas pataniscas, que isso obriga a fazer tudo no local. Mas um cozido é só fazer a regeneração num forno convector, com a tecnologia que existe hoje em dia consegues fazer uma coisa como deve ser. Isto é posicionar a marca. É uma coisa que nunca pudemos fazer fora do nosso espaço. Mas é um passo de cada vez. O próximo é pôr a esplanada a funcionar com uma dinâmica própria.

Para outro público.
É. A minha filha está comigo há seis anos. Ela esteve a trabalhar na produção de espectáculos dois anos e quer fazer ali, em parceria com o Álvaro Covões [director da Everything is New, criadora do NOS Alive], uma iniciativa de bandas de rua, que se iriam apresentando, iam sendo votadas, e no final a vencedora poderia ir ao Alive. Criar aqui uma dinâmica com públicos diferentes...

Um Solar dos Presuntos low cost?
Não é low cost porque não haverá nada em versão mais barata. O que haverá é uma carta diferente que permite praticar preços a que mais gente pode chegar, desde um bom hambúrguer a uns rissóis, por exemplo. Há muita malta jovem que não conhece a casa e isto pode ser uma porta de entrada.

[a filha, Carolina Cardoso, senta-se à mesa. A conversa passa a ser a três]

Estamos a falar de um Solar dos Presuntos como um espaço de eventos, um produtor de experiências e até de conteúdos.
Carolina Cardoso (CC): A nossa ideia é o Solar acompanhar os tempos e dar sempre experiências novas aos clientes que nos visitam desde sempre. Um Solar multifacetado, que além da gastronomia pode ter outras ofertas. Lá em cima [na nova esplanada] a cultura, lá em baixo [na nova sala da Academia] a formação. Não ser só um restaurante...

Pedro Cardoso (PC) : Queremos criar uma marca Solar dos Presuntos de cozinha tradicional portuguesa, porque não existem escolas que ensinem isso. Os jovens hoje procuram outras cozinhas. Procuram, legitimamente, aprender com um chef em vez de ir aprender com uma casa. Agora temos o chef Hugo, mas antes nem um nome de chef tínhamos. Era uma casa. O António era responsável pelo arroz de cabidela, a Maria era responsável pelo cozido à portuguesa, cada um tinha a sua especialização. Agora, como as coisas estão montadas, qualquer um deles consegue aprender e assegurar qualquer coisa da carta. E é isso que queremos fazer: dar formação a novas pessoas e depois recrutá-los para a nossa cozinha. E outros que possam chegar lá fora e dizer que aprenderam aqui e que isso lhes sirva.

Querem fazer render a marca de todas as formas possíveis...
PC: E ainda te vou mostrar a garrafeira. Vamos ter uma espécie de garrafeira virtual que permite aos clientes comprar e mandar entregar em casa um vinho que experimentaram aqui. Melhor ainda, no espaço da garrafeira, lá em baixo, teremos um plasma enorme, em parceria com a Samsung, que nos vai permitir fazer apresentações interactivas de vinhos. E estás a ver estas caras todas na parede?

Sim, tenho aqui o Ronaldo a olhar para mim.
Pois. Todas estas molduras estão equipadas com um cabo de rede por trás e estamos a desenvolver uma aplicação que nos permita ir correndo diferentes fotos. Imagina que temos aqui um grupo de gente de uma empresa: todas as imagens podem mudar para criar o ambiente certo para o grupo, para o encontro, para o evento que estão a ter, enquanto jantam.

Falando em jantar, esta conversa já leva uma boa meia hora e pouco ou nada se falou de comida.
De facto...

Isto começou com 18 lugares, há 47 anos, uma cozinha de culto...
Sim e com um enorme secretismo. Não se podia revelar receitas a ninguém, não se podia dizer nada do que se fazia. Hoje achamos que é completamente o contrário. Quanto mais informação deres, quanto mais as pessoas falarem das nossas receitas, melhor. Até porque nunca se consegue fazer igual em casa. Tem tudo a ver com a envolvência do espaço, com o serviço. A cozinha tem tudo a ver com a mão. Não dá para reduzir a uma ficha técnica.

Mas agora têm um chef, o Hugo Araújo.
Sim, está connosco há três anos. Estamos nesta fase de obras há seis anos. Houve uma parte da cozinha que tivemos de mudar de um lado para o outro. Ele veio para cá nessa altura. Eu conheci-o no H2Otel [em Unhais da Serra, onde funciona o restaurante Alquimia] e ele veio dar-nos um apoio nessa fase. Eu adorei a forma de ele trabalhar, muito metódico, que gosta muito de falar com as equipas. E ficou.

Ainda há uma ligação entre esta cozinha e a que começou?
A minha mãe [Graça Cardoso] já não cozinha no restaurante há uns 15, 20 anos...

Pergunto pelo receituário.
Ah, isso ficou! Este chef, a primeira coisa que fez, quando chegou, foi agarrar nos pratos todos que eram feitos e fazer um receituário, tudo documentado, fotografado...

Nada disso existia.
Nada. Depois foi-se afinando algumas coisas. O cabrito assado há-de perdurar para sempre, porque existe uma receita, como se faz, como é a preparação, etc...

E o que diz a tua mãe do cabrito?
Maravilhoso! Ela é muito crítica e quando não gosta, não gosta. Queixa-se do arroz de forno, que ainda não conseguimos afinar a receita dela à perfeição. Mas de resto tem sido tudo aprovado com distinção. Mas não é só ela, sinceramente. Assim como tu sabes ver se um gajo escreve bem ou mal, eu sei ver se um cliente comeu bem ou mal. Diria que a esmagadora maioria dos clientes sai daqui muito satisfeito.

Não há o risco de toda esta parafernália e de este crescimento da marca pôr em risco essa matriz de cozinha tradicional bem feitinha?
Tudo na vida tem um risco. Sei perfeitamente que cozinhar para 18 pessoas é diferente de cozinhar para 600...

É essa a capacidade agora?
A capacidade neste momento é para 600 pessoas, se tivermos a esplanada a funcionar, tudo em pleno. Mas é um risco calculado. Nós antes servíamos diariamente 600 refeições, entre almoço e jantar, com o espaço que tínhamos. E tínhamos uma cozinha minúscula. Neste momento, a meio gás, estamos a servir 700 refeições por dia. Podemos duplicar isso se tivermos tudo a funcionar. O risco é as pessoas virem, com aquela expectativa compreensível, de que isto já não é o que era. Mas o essencial não mexeu...

Não mexeram na ementa?
Zero! O preço, a comida, a quantidade, tudo é exactamente igual. Mexer nisso seria um erro crasso. Estou convencido de que isto vai continuar a ser um sucesso. Só tenho um problema, como te disse, que é a mão-de-obra. Cada vez está mais difícil.

Num dia normal, quanto da casa são turistas?
Antes da pandemia, ao almoço tínhamos 80% nacionais e 20% estrangeiros. E ao jantar mudava. Das seis e meia às nove e meia, seria 100% estrangeiros. A malta que estava nos hotéis aqui à volta e gostava de jantar cedo. A partir dessa hora em diante voltávamos a ter a mesma casa que ao almoço. Fazíamos sempre dois turnos e íamos gerindo assim. Agora, desde que abrimos, em regime de reservas, estamos a trabalhar praticamente com 100% nacionais.

Restaurante, Cozinha Tradicional Portuguesa, Solar dos Presuntos
©Mariana Valle Lima

Como imaginas o Solar dos Presuntos daqui por 20 anos?
Imagino-o melhor do que há 20 anos, quando eu peguei. Não tenho a menor dúvida. Porque a minha filha tem ideias completamente diferentes das minhas. Nomeadamente no trabalho que estamos a ter com os funcionários, tentar organizar dois turnos, melhorar o funcionamento das equipas, tornar tudo isto mais saudável.

CC: É a única forma de continuarmos com qualidade. Se não dás qualidade de vida às pessoas, se contribuis para essa ideia de que a hotelaria é trabalhar 15 horas por dia, vais chegar a um ponto em que não há talento novo, não há jovem nenhum que queira trabalhar nisto.

Esta conversa está, definitivamente, a tornar-se num óptimo anúncio de emprego.
[Riso] Os números deste restaurante são de tal forma interessantes, que ter mais mão-de-obra só traz mais-valias. O serviço vai ser melhor, o cliente vai sentir-se melhor, vai gastar mais. Agora tivemos de tomar uma medida que é fechar a porta às três da tarde. Porque senão isto torna-se non-stop, do meio-dia à madrugada. Como não temos pessoal, parámos para dar descanso. Mas se conseguirmos meter mais pessoas, criar essa dinâmica de dois turnos, com a esplanada a funcionar e tudo mais, aí sim.

É frequente sair daqui gente para trabalhar noutros lados?
Há vários casos. Mas voltam quase todos. Isso diz alguma coisa da qualidade de trabalhar aqui.

Voltemos ao confinamento. Qual foi o tamanho da cacetada?
Foi duro, mas conseguimos encaixar. No primeiro confinamento a equipa foi toda para casa em lay-off. E todos os dias eu recebia uma chamada do meu pai a dar-me na cabeça, a dizer que não podia ser, que estava toda a gente a fazer take away e delivery...

Nunca se arrependeram de fazer este investimento, nesse contexto?
Tive muitas noites sem dormir...

“O que é que eu fui fazer?”
Isso... Mas já estava feito. E, lá está, tínhamos o conforto de não ter pedido dinheiro a ninguém.

CC: Tínhamos a cozinha muito avançada e acho que a grande questão durante esta crise foi “será que fazemos a sala nova, ou fazemos só a cozinha e ficamos por aí?”

PC: Depois isto voltou a fechar tudo, nós retomámos a obra e fomos para a Casa do Marquês, que nos deu uma capacidade de trabalho incrível. Nunca abdicámos de fazer o trabalho de A a Z e mesmo a nossa distribuição era feita pelos nossos trabalhadores. Era uma forma de eles também estarem a fazer alguma coisa.

CC: E era continuar a dar ao cliente a experiência Solar dos Presuntos, não só ter a comida, mas ser servido pelas caras conhecidas...

PC: O nome do Solar e dos seus empregados continuou a rodar. E estarmos presentes, as pessoas continuarem a falar bem do produto, tudo isso foi importante para o retorno. O dia da Páscoa foi uma loucura...

CC: 290 cabritos!

PC: Andámos 13 dias de volta dos cabritos para poder entregar no domingo de Páscoa. Foi espectacular, com uma organização à Solar dos Presuntos. Tínhamos de manter o nome vivo. Depois eu meti-me na guerra da AHRESP...

Vamos então à AHRESP. Manténs a ideia de avançar e concorrer para a direcção?
PC: Não! Isso nunca esteve em cima da mesa. A minha família sabe que nunca tive essa pretensão...

Mas eu li declarações tuas...
CC: A tua família proibiu-te de ter essa pretensão, foi o que foi.

PC: Sim, verdade... E eu sei que não tinha capacidade para assumir isso. Às vezes passava-me pela cabeça... e há uma quantidade de pessoas que entendem a ideia que eu tenho para aquilo e que faz todo o sentido!

E que ideia é essa?
A AHRESP foi criada com um sentido, que era defender a restauração. E hoje nada disso acontece. Basta olhar para a direcção e percebermos que não há lá ninguém da restauração. Estamos em crise há dois anos e não tens uma palavra para defender a restauração, a explicar quais os nossos problemas. Um exemplo: as aberturas, os alívios das medidas no confinamento, aconteceram sempre à segunda-feira. E eu pergunto como é que se pode abrir a uma segunda, quando não há nada fresco, nem peixe, nem carne, nada, tens de comprar tudo na sexta para abrir três dias depois. São detalhes que mostram que quem lá está não percebe e não fala com ninguém. Eu perguntava quem estava a preparar os cadernos de encargos para falar com o Governo e diziam-me que não podiam dar nomes... tudo assim, num secretismo que não se entende. Percebeu-se que eram pessoas que estavam atrás de uma secretária e não sabem o que é um talher. Prejudicou-nos. Bastava estarmos todos sintonizados, informados e a remar no mesmo sentido e tudo isto teria sido mais fácil. Era preciso explicar e convencer quem estava a tomar decisões num contexto difícil e que não sabia, nem tinha obrigação de saber, quais as especificidades do sector. Mas a AHRESP tinha obrigação de saber.

Pedro Cardoso, Solar dos Presuntos
©Manuel Manso

Depois de tudo isto, o que é que vai mudar na paisagem da cidade? Antes tínhamos restaurantes a abrir a um ritmo alucinante.
Acho que vai mudar muito quando as pessoas tiverem de pagar o que foram buscar ou o que deixaram de pagar. Muita gente não vai aguentar a parada. Mas Lisboa só tem de voltar a ser o que era antes. As condições estão cá. Os dias de sol, o saber receber, a segurança, a relação qualidade/preço... eu continuo a acreditar muito. Temos condições que não podemos desperdiçar. Mas temos um problema agravado com mão-de-obra. Os empregados da restauração tiveram muito tempo parados, começaram a procurar outras coisas, a abrir horizontes e fugiram da indústria hoteleira. Cada vez vai ser mais difícil recrutar gente nacional para trabalhar nisto.

Dizes nacional porque é mais fácil arranjar mão-de-obra estrangeira?
Sem dúvida. Não vejas nisto qualquer xenofobia, tenho gente de várias nacionalidades a trabalhar aqui, que fazem parte da família.

CC: Mesmo na cozinha, no backoffice, e em trabalho qualificado, a maioria já não é portuguesa.

PC: Mas a mim faz-me mais sentido que um restaurante de comida tradicional portuguesa tenha na sala gente portuguesa a servir. Faz parte da experiência até, se quiseres. Ter alguém com sotaque a atender as chamadas no Solar dos Presuntos, por exemplo, não me faz sentido.

De onde vem essa dificuldade de ter mão-de-obra.
PC: São várias razões... às vezes pergunto às pessoas que se candidatam quanto querem vir ganhar. Dizem mil euros. Eu digo que não são mil, serão mil e cem. E mesmo assim, no dia nem aparecem. Está muito difícil.

Mas o que explica isso? Não querem trabalhar?
Se o Estado dá 650 euros para ficar em casa, quem é que quer vir trabalhar a ganhar mil? O que está mal não é o Estado apoiar quem não precisa e não tem trabalho: o que está mal é não dar condições a quem quer trabalhar. Temos muita coisa para resolver, para dar condições a quem quer trabalhar. Como é possível as pessoas trabalharem até à meia-noite e depois não terem um transporte público para regressar a casa? Hoje ninguém habita em Lisboa. A maioria dos empregados vive a 20 km de onde trabalha. Já falei com a Câmara a pedir que haja pelo menos um transporte a circular à noite na Avenida da Liberdade que leve as pessoas a parques de estacionamento fora daqui. Sem isso, compreendo que é difícil aceitar trabalho. Eu próprio não sei se viria... O meu único receio hoje é não ter gente suficiente para trabalhar.

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São 550m² de frente para o rio, no Terminal de Cruzeiros de Lisboa, em Santa Apolónia, num projecto do arquitecto Carrilho da Graça. Todo envidraçado, só com paredes a separar a cozinha da sala. De um lado está o Zunzum Gastrobar e uma loja de produtos portugueses. Do outro lado ficará o Marlene, o restaurante de fine dining homónimo que marca o regresso da chef com presença no Time Out Market à alta-cozinha. Falámos com Marlene Vieira, cozinheira de mão cheia, sobre a grande aventura da sua vida.

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