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A nova vida do Maria Matos

O teatro lisboeta reabre esta quarta-feira com ‘Avenida Q’. Falámos com a directora do Maria Matos, Sandra Faria, para saber das novidades.

Escrito por
Mariana Duarte
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O cenário actual está muito longe de ser o ideal para o regresso ao mundo dos vivos de qualquer instituição cultural, mas há que “retomar o trabalho e ir em frente”. Quem o diz é Sandra Faria, directora da Força de Produção, empresa que tem agora a gestão privada do Teatro Maria Matos.

Após um longo período de espera e de vários impasses, o teatro reabre esta quarta-feira nas condições possíveis: com a lotação da sala principal reduzida a 50% (230 lugares), como ditam as normas da DGS, e com um arranque parcial, reajustado e gradual da programação inicialmente prevista. Até 1 de Novembro, volta a estar em cena o musical millennial Avenida Q, uma das produções mais bem-sucedidas da Força de Produção. No dia 20, os Clã dão o primeiro concerto de apresentação do novo álbum em Lisboa. Durante Agosto há concertos de Afonso Cabral e Salvador Sobral, entre outros.

Coajduvada por uma equipa de consultores artísticos – que integra nomes como Bruno Nogueira, Filipe Melo, Nuno Rafael ou o maestro Cesário Costa –, Sandra Faria quer que o novo modelo do Maria Matos conjugue os espectáculos de grande público e os concertos com diversas actividades paralelas, seguindo uma filosofia de “pedagogia e inclusão”, explica em entrevista à Time Out. Até 30 de Setembro, às segundas e terças, a produtora abre o teatro a artistas que precisem de um espaço para realizar os seus espectáculos, sem cobrar aluguer da sala e com as receitas da bilheteira a irem directamente, e na totalidade, para os artistas.

Vão abrir com a reposição do espectáculo Avenida Q, que foi um sucesso de bilheteira. Isso vai ao encontro da linha de programação do novo Maria Matos: apostar em espectáculos de grande público.
Sim. O núcleo central do novo Maria Matos vai ser o teatro, com longas e médias temporadas. Não é um teatro subsidiado, portanto vai viver das receitas de bilheteira. Esta é a terceira temporada do Avenida Q, que vai estar em cena até 1 de Novembro, de quarta a domingo. Às segundas e terças vamos abrir as portas a outras artes performativas. Já temos bastantes concertos agendados.

A ideia é ir equilibrando espectáculos com diferentes dimensões de público?
Não existem fórmulas de sucesso. Esta é uma área imprevisível. Podemos pensar que um determinado espectáculo vai ser um sucesso de bilheteira, mas não temos a certeza que isso aconteça. Já aconteceu a Força de Produção trazer um espectáculo que foi um sucesso mundial e que em Portugal correu mal. O Avenida Q vai servir de âncora para vários pequenos projectos, desde espectáculos a palestras, workshops, parcerias com a comunidade local. É um espectáculo muito pertinente porque fala de depressão, de inclusão, de racismo, de desemprego. No novo Maria Matos, à volta de cada espectáculo que está na sala principal, vamos ter uma série de actividades que com certeza não serão tão rentáveis, mas uma coisa ajuda à outra. Estamos a preparar, com a equipa de consultores, o que podemos desenvolver nesta área mais educativa e pedagógica, talvez a partir de Agosto.

Há muito esta ideia estabelecida de que um projecto privado não tem que ter uma responsabilidade social e pedagógica. Querem contrariar isso?
Eu não concordo com esse pensamento. Isso é o paradigma do que é comercial e não comercial, é um preconceito que está muito instaurado em Portugal e que parece fazer com que haja a necessidade de meter tudo em gavetas e em rótulos. Acho é que temos de trabalhar todos com o máximo de rigor, honestidade e paixão. Por que é que um espectáculo de entretenimento é menos válido do que outros?

Planeiam programar companhias independentes nacionais?
Sim. Muitos espectáculos de teatro em Portugal têm carreiras muito curtas. A maioria do público nem sabe que estes espectáculos existem. Há um grande handicap em termos de divulgação e promoção. Isso é uma das razões para os espectáculos ditos independentes não terem tanto público. No Maria Matos queremos trabalhar aquilo a que chamamos de “reposições especiais”, que consiste em apostar em carreiras longas desses espectáculos que já estrearam e promovê-los para terem mais público. Quando falo com os encenadores ou com alguém dessas companhias digo sempre: este espectáculo a que vocês chamam de independente podia ser um espectáculo “comercial”, porque de certeza que poderia ter muito público, mas não é trabalhado dessa maneira. A questão do comercial tem muito a ver com o objectivo das salas onde nós estamos.

Já têm programadas algumas dessas reposições?
Este ano não vamos conseguir fazer, mas já estamos a pensar nisso.

Outro dos vossos objectivos é ceder uma das salas de trabalho do teatro a associações e movimentos sociais, sem custo de aluguer. Vão arrancar já com esta iniciativa?
Sim. A primeira associação que estamos a acolher é o Grupo EducAR – Plataforma de Educadores Antirracistas, que não tinha um espaço próprio de reunião. O Maria Matos vai funcionar muito com base em parcerias. Acredito que as parcerias são – ou deveriam ser – o futuro da nossa sociedade. Vamos ter também uma colaboração regular com a Orquestra TODOS, que integra imigrantes de vários países, e com a Junta de Freguesia de Alvalade, para desenvolver trabalho com a comunidade. E isto é só o início. Não queremos fazer só produções próprias, mas também co-produções, acolhimentos, partilhas. Queremos que seja um teatro abrangente.

Além de contarem com uma equipa de consultores de programação, uma das vossas propostas é ter um “conselho de espectadores-programadores”. Como é que isto vai funcionar?
Isto vai partir da parceria com a Junta de Freguesia de Alvalade. Vamos ter três espectadores, de diferentes faixas etárias, que anualmente vão contribuir para a programação do ano seguinte com ideias e sugestões do que gostavam de ver em cena. Muitas vezes não se ouve o público, e sem ele nada faz sentido.

Acham possível, num momento de crise económica, criar novos públicos para o teatro?
Apesar de na altura do confinamento toda a gente ter lido livros, ter visto filmes, ter ouvido música ou ter visto teatro online, a cultura é normalmente posta de parte e não éconsiderada um bem essencial. Acredito que não vamos ter os mesmos níveis de público do ano passado. Mas sou optimista: fizemos um dos primeiros espectáculos ao vivo da era Covid, a reposição de Deixa o Pimba em Paz no Campo Pequeno, e correu muito bem. Quanto aos novos públicos, actualmente funciona tudo muito por nichos, portanto não é fácil. Mas a parte pedagógica que queremos desenvolver é também importante para a criação de públicos. Digo muitas vezes que se as pessoas começarem por ir ver um espectáculo com mais popularidade, podem criar o hábito de ir ao teatro e ver espectáculos de várias salas. O nosso sector não é muito unido, porque vive muito de egos, de quintas e quintinhas. Era muito importante existir não só esta partilha e parceria com os espaços e populações locais, mas também entre os teatros, porque teríamos todos a ganhar. Aliás, uma das iniciativas em que vamos começar a trabalhar chama-se Teatro Partilhado: uma pessoa vem ao Maria Matos ver um espectáculo e tem desconto no bilhete para outro teatro da cidade ou do país.

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