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Companhia Mascarenhas-Martins
DRLevi Martins e Maria Mascarenhas

“Este projecto é a nossa vida, não estamos com pressa para chegar ao fim”

A Companhia Mascarenhas-Martins celebra seis anos com um programa que arranca este sábado, online, e se estende ao próximo fim-de-semana com a estreia do espectáculo ‘Nó’, no Montijo. Para o futuro, pedem “coragem política”.

Escrito por
Mariana Duarte
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“No início, muita gente nos disse que não valia a pena – parecia que circulava uma aposta sobre quanto tempo é que iríamos aguentar.” Foi em 2015, no Montijo, fora dos principais circuitos de criação e produção cultural, que Maria Mascarenhas (n.1988) e Levi Martins (n.1983) decidiram fundar a Companhia Mascarenhas-Martins. Apesar das previsões, e de algumas más-línguas, não só conseguiram aguentar-se como construir um percurso sólido, onde se contam espectáculos de teatro, leituras encenadas, concertos, publicações, encontros e conversas. Criar e manter públicos numa cidade como o Montijo não é tarefa fácil, e eles assumem que ainda há “muito trabalho por fazer” – mas, passados seis anos, continuam cá para isso, até porque são “adeptos do lento desenrolar das relações sérias”.

Para assinalar o sexto aniversário, a companhia, que conta com uma equipa de vários criadores, preparou um programa composto por diferentes iniciativas. A primeira acontece este sábado, às 16.00, a partir da página de Facebook da estrutura: o segundo volume do livro Criar e Produzir é apresentado por Levi Martins e Maria João Brilhante, professora da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, numa conversa moderada pelo jornalista Miguel Branco. Esta publicação ficará disponível gratuitamente no site da companhia e no do Centro de Estudos de Teatro. Umas horas depois, às 21.30, vai ser transmitido em directo um concerto de antevisão de Terrível Estado, o primeiro álbum da Mascarenhas-Martins. O disco será lançado este ano, com letras de Miguel Branco e música de André Reis e Levi Martins.

O último capítulo do programa das festas tem lugar nos dias 15, 16 e 17, com a estreia de , no Cinema-Teatro Joaquim d’Almeida, no Montijo. Este espectáculo, com texto e encenação de Maria Mascarenhas, terá uma outra apresentação no dia 29, no Fórum Municipal Luísa Todi, em Setúbal. A Time Out lançou algumas perguntas aos directores artísticos da companhia sobre o passado, o presente e o futuro. Maria Mascarenhas e Levi Martins responderam em conjunto, por escrito.

Antes de mais, que balanço fazem destes seis anos de actividade? Para o bem e para o mal.
Fundar uma estrutura de produção artística e intervenção cultural é relativamente fácil, os problemas surgem depois, quando as ideias e os desejos começam a embater na realidade. Talvez o mais duro tenha sido o facto de termos de lidar com as resistências que surgem em relação a um projecto como o nosso, numa cidade como o Montijo. No início, muita gente nos disse que não valia a pena – parecia que circulava uma aposta sobre quanto tempo é que iríamos aguentar. Depois de provarmos que não era isso que nos ia demover, o assunto começou mais a ser o tipo de escolhas que fazíamos. Houve quem nos chegasse a dizer que não devíamos ter começado aqui o trajecto de Um D. João Português, espectáculo do Luis Miguel Cintra que produzimos, porque o público daqui não estava pronto. A existência de uma estrutura com estas características acaba por desestabilizar um bocado o ecossistema cultural, o que nos deu a ver uma realidade muito mais conservadora do que podíamos imaginar quando nos conhecemos na Escola Superior de Teatro e Cinema, onde nos formámos [Maria Mascarenhas em Teatro, Levi Martins em Cinema] e onde estes assuntos não são falados. Apesar de todas as dificuldades, orgulhamo-nos daquilo que conseguimos fazer em tão pouco tempo e, sobretudo, da liberdade de que não abdicámos.

Sentem que já conseguiram criar uma comunidade de espectadores no Montijo? Ou ainda há muito por fazer na criação e manutenção de públicos fora dos grandes centros?
Não vamos mentir e passar a ideia de quem tem sido tudo um êxito, que temos sempre muito público em tudo o que fazemos. É um facto que há um conjunto de pessoas que tem acompanhado de forma regular o nosso trabalho e com quem temos estabelecido relações que vão para lá da relação produtor-consumidor. Há mesmo muito trabalho por fazer, mas somos mais adeptos do lento desenrolar das relações sérias do que da precipitação que quase sempre vem de ceder à pressão para se obter resultados que nem sempre correspondem à profundidade desejada. Este projecto é a nossa vida, não estamos com pressa para chegar ao fim.

Parece-nos importante, sobretudo neste momento tão delicado, questionarmos a tendência para se ser cínico perante a falência de todos os ideais.

Já é habitual darem um concerto de aniversário, mas desta vez é especial porque vai servir de antevisão para o vosso primeiro álbum de originais, Terrível Estado. Porque é que decidiram editar um disco e que caminhos, em termos de música e letras, é que procuraram seguir?
Quando fundámos a Mascarenhas-Martins decidimos logo que seria uma estrutura de produção artística ligada a diferentes áreas, entre as quais o teatro, o cinema e a música. O álbum Terrível Estado surge como consequência dos concertos que fizemos e do encontro feliz com o Miguel Branco, que escreveu textos para dois espectáculos [Até parece e Há dois anos que eu não como pargo] e é o autor das letras que constituíram o ponto de partida para este trabalho. Embora não contem propriamente uma história com princípio, meio e fim, é como se correspondessem a pensamentos ou desabafos de personagens que se confrontam com um quotidiano absurdo como o nosso. Musicalmente, talvez se possa dizer que oscila entre composições inspiradas nos cantautores de intervenção, na vulnerabilidade de um Elliott Smith acústico ou até em alguns álbuns conceptuais dos anos 70, como Tommy, dos The Who. Tenta ser eclético, portanto.

Relativamente ao lançamento do segundo volume do livro Criar e Produzir, composto por uma série de entrevistas realizadas em 2020: que tipo de reflexões são desenvolvidas e com que criadores?
O objectivo principal ao desenvolvermos este trabalho era o de dar continuidade ao tema proposto no primeiro encontro Criar e Produzir, uma ideia antiga da professora Maria João Brilhante que acabou por se concretizar em 2017, também em parceria com o Centro de Estudos de Teatro (CET) da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Pedir a quem trabalha na área para problematizar a relação entre criar e produzir é uma forma de pensar as condições estruturais do trabalho artístico, neste caso no que diz respeito ao teatro. A situação tem vindo a alterar-se – em certos aspectos para pior – e nem sempre há tempo e espaço para se pensar no assunto. Por exemplo, já não se fala do encerramento do Teatro da Cornucópia, facto que devia ter dado origem a uma discussão pública muito mais alargada, até porque alguns dos argumentos absurdos de quem comemorou esse fim já foram refutados pela realidade, como a ideia de que de repente ia haver mais dinheiro para todos porque se tratava de um montante relevante que assim seria distribuído pelas outras companhias. Os concursos pós-encerramento da Cornucópia foram o desastre que se sabe, o tecto máximo de financiamento nunca voltou aos valores do passado, o número de estruturas de fora é tão elevado que até os elementos do júri se posicionaram. Deste novo livro fazem parte conversas com Jorge Silva Melo, Ricardo Neves-Neves, João de Brito, Guilherme Gomes, Miguel Jesus, Maria de Vasconcelos e Patrícia Paixão.

Esta publicação permite, de alguma forma, perceber o impacto da pandemia na actividade artística?
Sim, na medida em que cada um dos entrevistados fala não apenas sobre a maneira como a sua actividade foi afectada, mas também sobre como a pandemia revelou as fragilidades estruturais do sector. Torna-se muito claro que os problemas que ficaram em evidência não são novos. Aliás, já no primeiro encontro e livro Criar e Produzir são recorrentes as referências aos assuntos de sempre: a precariedade de quem trabalha na área, a instabilidade enfrentada pelas estruturas, a ausência de políticas culturais que pensem o lugar da criação artística e a relação com os públicos.

Outro dos pontos deste sexto aniversário é a estreia do novo espectáculo da companhia, [na foto acima]. Podem falar um pouco sobre ele?
“Julgar se a vida merece ou não ser vivida” era, segundo Camus, a questão filosófica essencial. Este espectáculo, na sequência do que temos vindo a trabalhar, parte dessa interrogação na relação com a realidade contemporânea. Se partirmos do pressuposto que queremos viver, a pergunta que temos de colocar é: como? É essa a pergunta que está por detrás deste , como tem estado, de formas diferentes, em quase todas as nossas produções. Temos vindo a falar de um teatro da desilusão, não no sentido negativo, mas simplesmente no da defesa da necessidade de retirar camadas de ilusão no que diz respeito à nossa relação com o real. Parece-nos importante, sobretudo neste momento tão delicado, questionarmos a tendência para se ser cínico perante a falência de todos os ideais.

Se pudessem pedir três desejos para os próximos seis anos, quais seriam?
Um espaço em que seja possível termos uma relação permanente com o público, ou seja, em que possamos apresentar os nossos trabalhos e acolher os de outras estruturas e artistas. Não termos de passar a maior parte do tempo a preocupar-nos com a falta de dinheiro. Coragem política para se assumir a importância das artes no quotidiano, ou seja, que se passe de uma vez por todas do discurso para a acção.

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