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Pedro Barreiro
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Pedro Barreiro: “Não me parece que o online seja um caminho”

É programador da Rua das Gaivotas 6, um homem com uma barba respeitável e com uma dose significativa de loucura. Melhor: diz sempre o que pensa. Ou seja, a pessoa ideal com quem conversar nesta altura.

Escrito por
Miguel Branco
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Desde o início de 2019 que está à frente da Rua das Gaivotas 6, espaço do Teatro Praga, uma casa que tem por hábito dar carta-branca aos artistas que por lá passam. Pedro Barreiro é daquelas pessoas com quem dá gosto debater ideias. Não hesita em meter o dedo na ferida, seja ela qual for. E, por estes dias de quarentena, já prometeu que não vai cortar a barba nem cortar o cabelo, pelo menos até poder sair à rua. É dos que considera que as artes performativas não podem, a longo prazo, prosseguir online. E dos que acha que o Ministério da Cultura continua atrasado, a correr contra um prejuízo que parece nunca superar.  

Como é que estás?
Estou bem e tu? 

Está tudo bem, também. 
Confesso-te que já estou um bocado farto desta merda e isto ainda agora começou.

Exactamente. Podemos começar por aí. Há quanto tempo estás em casa?
Eu estou em casa vai fazer sábado duas semanas. 

O que é que tens feito? 
Tenho feito coisas bastante normais. Tenho dormido, tenho comido, tenho lido, tenho escrito, tenho trabalhado num site, tenho trabalhado em alguns projectos, conversado com pessoas, visto filmes... Pá, nada de grandes excentricidades. Sei lá, a maior excentricidade é andar há 15 dias sem usar roupa interior, o que é bastante agradável. 

Percebo. Gostas, é isso? 
Gosto, acho agradável. 

Mais liberdade, não é? 
Isso mesmo. 

Outra coisa: segundo o que percebi, a Rua das Gaivotas 6 fechou no dia 12, dia de estreia de Rastro, Margem, Clarão, da Terceira Pessoa, que não chegou a acontecer. Qual foi a tua posição na altura? 
Quando tomámos a iniciativa de encerrar, falei com os nossos vizinhos do Pólo Cultural das Gaivotas, que é um equipamento municipal. Ou seja, queria perceber como é que aquilo ia funcionar. E a partir do momento em que a Câmara [de Lisboa] lançou o fechamento dos teatros municipais, nós, por precaução e por não querermos ser foco de contágio, decidimos fechar. Falámos com a Terceira Pessoa e eles foram supercompreensivos. Tanto eles como todas as pessoas cujos trabalhos e apresentações ali foram cancelados. Bom, que foram adiados para sabe-se lá quando... 

Bem sei que é um bocado estúpido estar a fazer previsões, mas queria perguntar-te como pensas que isto vos pode afectar e como dar a volta. Há logo essa objecção de teres espectáculos que vão ter de acontecer numa data em que tinhas previsto a apresentação de outros. 
Felizmente andava a meter gelo e a atrasar um bocado a fixação de coisas em 2021. Em 2021 tenho muitas coisas que quero programar, muitas ideias para coisas que podem acontecer, mas ainda não as tinha fixado no tempo. Pelo que aquilo que vou fazer para os projectos que não conseguem agora ser apresentados, tendo em conta que tenho a programação de 2020 já fechada, é abrir-lhes o calendário de 2021 e dizer: escolham. 

O que der mais jeito às pessoas.  
Sim, e aí as pessoas serão, mais uma vez, soberanas, porque ninguém tem culpa disto e as agendas são muito complicadas. E são muito mais complicadas para artistas que vivem em grande precariedade e instabilidade do que para estruturas de programação, por muito precárias que possam ser. 

Dizias que já estavas um bocado farto disto e tramaste-me uma pergunta que tinha pensado fazer-te, que era se não és da equipa dos que estão a adorar esta quarentena, para meter umas leituras em ordem e assim.
Eh pá, estou a aproveitar este tempo e o tempo era o bem que mais falta me fazia. Obviamente que já pus o sono em dia, consigo escrever, ler, pensar, ficar um bocado sem fazer nada.

Que sabe tão bem. 
Claro, sabe tão bem. É um tempo bastante propício para actividades literárias e para papaguear pelos nossos mundos interiores e tentar perceber o que é esta merda, mais do que entrar numa lógica de superprodutividade em resposta a estas pausas. 

Essa coisa da superprodutividade é interessante. Há uns dias estava a pensar que corremos o risco de na próxima década, ou pelo menos nos próximos cinco anos, sermos invadidos por textos, espectáculos, exposições sobre o que é ter estado em quarentena ou perante uma pandemia. 
Pá, espero que não. Quer dizer, acho que isso seria altamente monotemático e bastante aborrecido. Obviamente que há várias alegorias possíveis e, sei lá, podemos pensar naquilo que foi a produção poética no pós-Segunda Guerra Mundial. 

Até no pós-Primeira Guerra Mundial. 
Exactamente. Qualquer cataclismo serve de motivo para produções intelectuais e poéticas, e isso obviamente que vai acontecer porque esta situação reconfigura o mundo e reconfigura-nos a nós. Isso abre-nos espaços de possibilidades em que a ficção pode ser, por isso, alimentada. Espero que não estejamos tanto tempo a falar do mesmo ou se... sei lá, Miguel, sei lá.

Como vês esta questão do online? Há muita gente a disponibilizar conteúdos artísticos para o YouTube e redes sociais, mas uma coisa é disponibilizar espectáculos, outra é achar que isto é um caminho.
Pois, são duas coisas diferentes. Não me parece, de todo, que o online seja um caminho e também não me parece que as pessoas estejam a ver isto como um caminho. Parece-me que estão a ver isto como uma forma de resistir e de, talvez, não se esquecerem delas. E isso é que me parece sintoma de um problema um bocado mais grave. Vejo muitos vídeos de muitas coisas, até por ser programador, e entendo essas coisas sempre como um registo de uma coisa e não como uma coisa. 

Portanto, para ti não é um espectáculo.  
Não, ainda que possa ser. Podemos fazer uma coisa em que o meio de transmissão do espectáculo por vídeo seja o próprio espectáculo. Se o enunciado estiver suficientemente sólido, a coisa pode ter validade artística autónoma. Há duas modalidades: aquela em que se está a disponibilizar conteúdos antigos e outra em que há transmissão de espectáculos ou performances ao vivo, e isso, do ponto de vista artístico, diz-me muito menos. Acho aborrecido, mas são tentativas válidas, até porque estão na condição de fracasso em potência, tal como um espectáculo, tal como um poema.

Tu, antes disto, já tinhas feito alguma coisa assim em tua casa? 
Não, que me lembre não. 

Ok, então vamos supor: o que é que fazias, que divisão utilizavas? 
Eu vivo praticamente num T0, talvez uma esquina vazia, uma janela.

E o que é que podias fazer? 
Podia ficar em silêncio e apenas com uma legenda ou um título que remetesse, por exemplo, para o livro Métodos, do Francis Ponge, para que as pessoas se pudessem entreter, mais do que olhar para a esquina ou para a janela da minha casa, com aquilo que o gajo escreveu. 

Podiam ler e olhar para a tua janela. 
Seria difícil fazer as duas coisas ao mesmo tempo, mas acho que é uma leitura muito pertinente para se fazer nesta altura. E o The Message is the Meaning, do Marshall McLuhan, também.

Uma última pergunta mais séria: achas que o Ministério da Cultura está a fazer o suficiente para tentar ajudar as pessoas cujos espectáculos foram cancelados e que, portanto, perderam dinheiro?
Se não estava a fazer o suficiente antes disto acontecer, continua a não fazer o suficiente. E agora está a correr atrás do prejuízo, como sempre fez.

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