Mais do que qualquer outra voz, Mariza levou o fado ao mundo e deixou o mundo entrar no fado. Pela primeira vez, dedica um disco inteiro aos clássicos de Amália. Falámos com ela.
D*Face – é assim que todos o conhecem, como um dos maiores nome da arte urbana mundial. O artista britânico veio a Lisboa e deixou, pela primeira vez, a sua marca na cidade num mural no Parque das Nações, que serve de antecipação ao festival MURO 2021, que decorrerá entre 22 a 31 de Maio. Entre latas de tinta e os pares de olhos da obra que deixou na Avenida Aquilino Ribeiro Machado, a meia dúzia de passos da Estação do Oriente, o artista teve tempo de falar com a Time Out sobre o estado da arte urbana e a sua passagem por Lisboa.
Desenhavas autocolantes à secretária e começaste a colá-los na rua. Algo tão simples quanto autocolantes. Como é que isso passa para o que fazes hoje e para murais das dimensões que pintas?
A minha mãe levava-me a museus e galerias mas eu não ouvia aquela voz da arte a falar comigo, só quando passeava nas ruas de Londres é que me ia conseguindo identificar com coisas, com aquelas figuras. Fui estudar design gráfico e ilustração e comecei a perceber sobre o que era tudo aquilo que eu via. Arranjei um trabalho na área, um trabalho que achei que ia ser criativo e que se transformou numa coisa muito frustrante – começas a pensar que seria melhor não ter estudado se era para fazeres aquilo que estavas a fazer. Então estava à procura de saltar fora, e esse saltar fora foi sentar-me à secretária e ir desenhando personagens, muito ligadas aos meus interesses na altura e a coisas do meu passado, e pensei: porque é que não desenho isto em vinil e faço autocolantes? Foi aí que começou. No meu caminho casa-trabalho eu ia colando os autocolantes por todo o lado na rua, nos postes, na estação de comboios, nas caixas de electricidade. Tornou-se viciante. E depois um sticker virou 10, desses 10 viraram 100 e depois vieram os posters, a coisa foi-se dando. Sei que foi um acto um bocado egoísta, porque estava apenas a libertar-me criativamente, sem barreiras, sem curador, sem cliente.
Recebeste algum tipo de reacção das pessoas durante esse tempo?
Não não, por muito tempo não tive qualquer reacção. Não havia nada na altura que o apelidasse de arte urbana, havia graffiti e uma vertente mais de stencil, mas nada classificava o meu trabalho na altura. Só anos mais tarde, quando já estava a fazer outras coisas é que as pessoas me diziam "ah lembro-me de ver os teus autocolantes na rua". Era muito fixe quando isso acontecia porque acabou por ser uma espécie de combustível para continuar esta minha jornada.
E a questão de a arte urbana ser muito visual e facilmente partilhável, sentiste que as redes sociais ajudaram?
A arte urbana é muito visual e espalha-se facilmente porque está nas ruas para toda a gente ver, é um processo muito orgânico e democrático. Não é preciso ter educação em artes ou perceber do assunto para conseguir apanhar a mensagem. Só têm de passar, olhar e perguntarem-se sobre o que estará ali representado, que mensagem é aquela. É para todos, qualquer sexo, qualquer etnia, qualquer idade.
Disseste que o teu trabalho te limitava criativamente e foi por isso que criaste o teu mundo disfuncional onde não havia regras. Isso foi um escape para poderes fazer tudo aquilo que não tinhas liberdade para exprimir emquanto profissional?
Absolutamente. As personagens, como disse antes, até estavam muito relacionadas com a Disney, por exemplo, porque eram representativas na altura daquilo que eu era ou o que já tinha sido. Eram uma espécie de alter egos, que gostavam de tags e de skate. Lá está, coisas que eu gostava na altura do meu mundo sem regra alguma. Claro que era um escape da minha outra vida.
Estavas a dizer que a arte urbana é para todos, e tu queres que as pessoas parem, que olhem e que pensem sobre o que vêem, que sejam críticos. Há uma componente educativa na arte urbana?
Claro que sim, porque fala do público e para o público. Tudo o que é preciso é vontade de falar e passar uma mensagem e pode ser algo político ou simplesmente pictórico. Queremos exprimir-nos, mas ter essa liberdade também nos faz carregar uma responsabilidade de ter uma voz pública. Por exemplo, com o Black Lives Matter as pessoas sentiram essa necessidade de se exprimirem e irem para a rua deitar cá para fora as suas frustrações, são gritos de ajuda e isso é inspirador. Porque qualquer pessoa pode fazê-lo.
Fazes uma crítica muito directa ao consumismo, e na forma como as pessoas consomem, olham e vivem a cultura pop. Por que é que isto se tornou numa questão?
No início, lá está, as personagens que fazia eram o reflexo de mim, mas depois percebi que as pessoas também queriam fazer uma pausa daquilo que as rodeava. Fazia-me impressão como é que, por exemplo, nunca ninguém pára para pensar nos anúncios – eu não pedi para ter aquele billboard no meu caminho, eles existem em todo o lado e ninguém questiona, nem porque é que estão ali, nem qual é a mensagem. O meu trabalho pode então ser uma pausa subversiva disso tudo, e é simples como é. Pensei que se tornasse a minha voz mais directa fosse mais fácil para as pessoas perceberem a sociedade consumista em que estão e a esta cultura do consumismo que nos é imposta.
Agora com a pandemia as pessoas ficaram mais alertas para isso também, não achas? Começaram a pensar no que é realmente importante...
Nunca foi a minha intenção dizer "não bebam Coca-Cola, não bebam Starbucks, não usem Nike", não é essa a minha intenção até porque eu também o faço. Tem mais a ver com o processo, não é um grito de "não o faças!" é mais no sentido de "percebe o que estás a ver e as consequências antes de tomares decisões". E claro que com a pandemia tornou-se mais relevante as pessoas questionarem o que vêm e o impacto que isso tem. Os tempos que estamos a viver são históricos a todos os níveis, mas gostava que o meu trabalho fosse uma réstia de esperança, um ponto positivo de tudo isto.
E voltar às ruas também representa essa réstia de esperança.
Sim, finalmente. É importante ver as cidades voltar a este ritmo, voltar a fazer coisas. Voltar a ver pessoas a parar junto às nossas paredes, eu só quero que a minha voz seja ouvida.
E é a primeira vez em Portugal, certo? Primeiras impressões?
Estou a adorar. Quer dizer, eu venho de Londres por isso ter sol aqui todos os dias é só maravilhoso, muito melhor do que nós temos lá no Verão. As pessoas são muito acolhedoras, a comida é incrível, e tivemos direito a uma parede gigante para tratar. Não se pode pedir mais.
Fala-me sobre esta obra, que serve de antecipação ao festival Muro de 2021.
Esta parede primeiro foi um desafio porque é gigante, e é uma parede longa por isso torna-se num desafio maior contar uma história aqui. O que percebi é que, geograficamente, esta zona é muito frequentada, estão sempre a passar carros e pessoas, e sempre pessoas muito diferentes porque estás perto da estação de autocarros e comboios. É um ponto de encontro de quem vem e vai. Durante estes tempos tudo o que tu vês são os olhos das pessoas, toda a gente usa máscara, toda a gente tem de decifrar o que sentes pelos teus olhos, é lá que está a expressão facial. Então achei que seria interessante fazer só isso: figuras que só estão representadas em metade da cara, portanto só se vêem os olhos.
Os olhos são os espelho da alma...
É, é interessante perceber como é que estes olhos ou aqueles contam uma história. Será que aquela pessoa está triste? Estará contente? Esta parede é um reflexão de tudo o que vivi ultimamente também, representa um bocado do passado, do presente e do futuro.
Lisboa tem crescido bastante no cenário da arte urbana. O que é que a arte urbana pode fazer por uma cidade?
Faz por Lisboa o que faz por qualquer cidade, eu acho. As cidades tornaram-se numa espécie de tela que permite os artistas pintarem e passarem uma mensagem. Depois há outra coisa que é estar no domínio público. É um acto político, mesmo que não estejas a fazer um statement político, estás a questionar o acto de propriedade. E Lisboa parece-me uma cidade óptima para isso, tem um componente muito histórica da própria cidade, que contrasta incrivelmente com esta mais urbana.
Desta estadia em Lisboa, já visitaste alguns sítios da cidade? Alguma tour pela arte urbana?
Não, ainda não consegui. Estivemos aqui o tempo todo a trabalhar na parede. Mas já provei pastel de nata e passou a ser a minha sobremesa preferida de sempre.
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É sempre problemático falar em “músicas do mundo”, no entanto é difícil evitar a expressão quando se escreve sobre Mayra Andrade. Afinal, ela é cabo-verdiana, nasceu em Cuba e viveu em vários continentes antes de começar a cantar e a ser conhecida em França. Hoje encontra-se radicada em Lisboa, mas continua a cantar e a viajar pelo mundo.
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