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Entrevista a Mark Deputter: a Culturgest vai ser mais pop

Escrito por
Miguel Branco
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“O que não quer dizer que vamos ser pop”, remata Mark Deputter, novo administrador e director artístico da Culturgest. Dez anos. É o tempo que considera ideal para se liderar uma estrutura. Foi o que fez no Maria Matos, com trabalho visível a olho nu. É o que pretende fazer na Culturgest, com uma séria mudança de paradigma. 

Qual é que foi a primeira pedra neste processo da sua chegada à Culturgest?

Houve um concurso, uma chamada para manifestações de interesse, que estavam à procura de alguém para o Conselho de Administração com responsabilidade na programação e na comunicação. E pronto, candidatei-me.

Achava que o seu ciclo no Maria Matos tinha chegado ao fim?

São várias coisas. Primeiro porque achei que este era um desafio fantástico, tem o renome que tem, tem o carimbo de qualidade que sempre teve. Quero continuar a apostar na contemporaneidade, que tem marcado a minha carreira, ou seja, batia tudo certo. Em relação ao Maria Matos...estive lá nove anos. O meu mandato ia até Outubro de 2018 e já tinha pensado que este seria o meu último.

Mesmo antes de aparecer esta hipótese?

Sim, mesmo se não existisse a Culturgest. No Maria Matos ou saia com dez anos de casa ou ia para mais quatro, e penso que dez anos é o tempo ideal para estar num sítio, dá para construir algo, chegar a uma velocidade cruzeiro onde as coisas funcionam, onde as pessoas já consegue ler o que foi feito e qual é a proposta. Tenho tido esta prática ao longo do meu percurso, dez/doze anos tem sido o tempo máximo em que estou numa estrutura. Quer para mim, quer para a instituição em questão, julgo que é uma boa prática.

Para que as estruturas se possam renovar.

Exacto, faz bem, vem outra pessoa, vai fazer outra coisa.

E que balanço faz destes nove anos de Maria Matos, conseguiu o que queria, uma linguagem que um teatro municipal deve ter?

Fiquei contente com o facto de se ter conseguido criar um perfil para o Maria Matos, que é muito claro e que é uma proposta inovadora para o país. A ligação entre a criação, o pensamento e o debate político no sentido lato da política, é algo que conseguimos pôr de pé, no seguimento do que alguns teatros europeus já faziam. Honestamente, acho que o Maria Matos está na vanguarda desta mudança. Se virmos a criação artística dos anos 90 houve muita gente que tentou puxar os limites da sua área artística.

Mas a relação com os públicos era mais distante.

Sim e a consequência disso foi um certo fecho sobre si próprio, num mundo mais pequeno de pessoas que tiveram oportunidade de seguir este caminho. Acho que mais ou menos a partir do século XXI há um maior interesse nessa ligação entre a arte e a sociedade, maior vontade de intervir sobre temas concretos da actualidade. Esta é uma evolução que o Maria Matos seguiu de perto. Sempre acreditei que a arte tem algo a dizer sobre o nosso mundo.

O que é que teria feito diferente?

Sempre tentei fazer o que era preciso fazer. O que teria feito diferente? Não sei… ainda não pensei muito sobre isso. Talvez essa aproximação ao público, por exemplo este projecto com as populações de Chelas e de Marvila [Os Dias de Marvila] que iniciámos no ano passado e que podíamos ter feito mais cedo. E talvez de forma mais proactiva. Sinto um bocado pena de não ter tido mais tempo para desenvolver essa parte, o resto acho que está consolidado e uma nova direcção artística pode decidir o que fazer com este legado.

Tem algum favorito para a sua sucessão no Maria Matos, e que perfil é que essa pessoa devia ter?

Isso é da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa (CML). Seria um contrasenso o director artístico anterior dizer quem deve ser o seguinte. A ideia de que esta decisão volta para a CML e para a EGEAC faz parte do processo de renovação, volta-se a olhar para o Maria Matos e a para oferta cultural na cidade e decidem o que querem fazer agora. Não é mesmo a minha função, prefiro não me pronunciar.

Entendo. Como é que têm sido estes primeiros tempos na Culturgest?

Muito intensos. Quando entramos numa casa que tinha uma equipa formada e práticas de trabalho instituídas e que tem 24 anos, é claro que chego como outsider. O que significa que no início há imensa informação que é preciso começar a processar. Ainda não cheguei ao fim. E como também sou administrador, uma responsabilidade que não tinha no Maria Matos e que são novas para mim. Com trinta anos de carreira sei o que é gerir um teatro…

Mas burocracia não é tanto a sua praia.

Sim, tem a ver com burocracia, estatutos, tem a ver com a relação da Culturgest com a Caixa Geral de Depósitos, com características legais e administrativas, mas pronto, é para isso que estamos aqui. E obviamente tenho o meu colega José Ramalho que tem mais experiência nesta área.

Em relação à estrutura que o Miguel Lobo Antunes tinha na Culturgest, com vários assessores para as diferentes áreas, o que pretende fazer? A ideia é manter esse funcionamento?

Vou continuar a trabalhar com assessores porque a Culturgest, sendo uma instituição que trabalha as artes contemporâneas, é muito importante que esteja em cima das coisas, que conheça os desenvolvimentos mais recentes das nossas áreas, o que significa ter pessoas que estão bem informadas…

...especializadas.

Sim e não só ao nível nacional, também internacional, porque essa também é uma vertente da programação da Culturgest que não quero deixar cair. Tenho imensa admiração pelo Miguel Lobo Antunes, com quem já trabalhei no CCB, mas aqui há algumas coisas que quero mudar. Uma delas é que quero ter um modelo de programação mais consistente, o modelo do Miguel é mais ou menos o do CCB, assessores autónomos que decidem o seu caminho e não há necessariamente uma ligação entre as várias áreas. Acredito na autonomia, que os assessores têm que a ter, mas quero mesmo criar um perfil mais específico para a Culturgest.

Do que é que falamos?

Acho que a interdisciplinaridade é um elemento essencial. A Culturgest é muito disciplinar, cinema, dança, teatro, conferências, artes visuais, um leque bastante grande, mas, como disse há muito pouca ligação entre elas e isso quero mudar. Quero criar pontes entre as várias áreas de criação, ligações directas. É algo que não vamos ver logo porque muitas produções requerem mais tempo de preparação. Há outra coisa que quero mudar que tem a ver com o posicionamento da Culturgest na oferta cultural em Lisboa.

Como assim?

Como estava a dizer há pouco, que este era um bom momento para a CML e a Vereadora da Cultura pensarem onde é que querem que o Maria Matos se vai situar, acho que é preciso fazer essa reflexão para a Culturgest. A minha opinião é que a Culturgest foi a única instituição em Lisboa que nos últimos 24 anos apostava em exclusivo numa programação contemporânea. E isto significa que ia dos mais pequenos, que saíram o ano passado da Escola Superior de Dança, até Trisha Brown e Anne Teresa de Keersmaeker. Neste momento já não é assim, há, sobretudo nas áreas dos espectáculo, vários teatros que estão a trabalhar neste segmento de mercado, entre coisas mais pequenas e coisas intermédias e o que ficou, de facto, descoberto foram os espectáculo de grande dimensão.

Que o Mark acha que a Culturgest devia trabalhar?

É aí que acho que a Culturgest tem uma vocação. Se olharmos para a sua infraestrutura, e para o know how que tem, é uma vocação que é óbvia. Tem um dos melhores grandes auditórios da cidade e tem capacidade para apresentar artistas e obras que faltam em Lisboa. Gostava muito de preencher essa lacuna.

Quando diz grandes espectáculos refere-se a produções nacionais e internacionais que possam ter carreiras maiores do que aquelas que a Culturgest actualmente tem?

Sim...bom, os internacionais é mais difícil. É muito caro. Em relação aos nacionais sim. Hoje em dia abundam oportunidades para os artistas fazerem coisas pequenas, duetos, trios e coisas intermédias. Gostava de encomendar obras que são assumidamente para a grande sala e para uma plateia grande, de 600 pessoas.

Produções e co-produções Culturgest, portanto.

É isso. Há vários artistas que começam a ter visibilidade lá fora, mas, mais uma vez, não há propostas para grandes salas. O que quero fazer é convidar os artistas que penso terem a experiência e capacidade para fazer este tipo de trabalho. Obviamente são espectáculo que pela dimensão são mais caros e, por isso, quero ir à procura de parceiros internacionais para esta produções.

Neste caso falamos de artes cénicas, certo?

Sim, claro. Nas exposições a ideia também é procurar o crescimento e isto o Delfim [Sardo] que já lá estava…

Então o Delfim Sardo mantém-se. E o Francisco Frazão?

Não.

Quem é que são as pessoas que vão ocupar esses lugares de assessores?

Não posso dizer. Ainda estou a falar com as pessoas. Já sei quem são, mas ainda se estão a fechar alguns detalhes. O que já sei é que como tenho os conhecimentos necessários nas áreas do espectáculo, não fazia muito sentido manter o Francisco. O Gil entrou na reforma portanto essa questão nem sequer se colocava. O Delfim fica porque é uma pessoa que já conheço há muito tempo.

Então mas pode-me dizer quantas mais pessoas vão integrar esta equipa?

Duas pessoas. Uma pessoa que vai assessorar a programação de música, que é uma área que não domino da mesma forma, e vai haver outra pessoa para ajudar na área das conferências, dos projectos participativos e do programa paralelo. Que é, no fundo, o terceiro pilar que vai sustentar esta mudança. Se o primeiro é esse segmento dos grandes espectáculos e o segundo é a interdisciplinaridade, mais do que a multidisciplinaridade, e o terceiro de facto é o trabalho com os públicos.

Para o Mark não faz sentido que exista uma separação entre os artistas e a audiência?

Sim e defendo que a Culturgest tem que ser mais proactivo em relação aos públicos. O público cresceu ao longo dos últimos anos em Lisboa, é normal que quando aumentas a oferta de qualidade há uma resposta da procura. Mas acho que ainda estamos muito no mesmo sítio. Como vamos ter menos espectáculos, por serem de maior dimensão, vamos ter um ritmo de programação mais pausada e isso vai criar a possibilidade de desenvolver um trabalho paralelo mais robusto.

Mas é isso que tem acontecido na Culturgest, uma programação de muita qualidade, mas algo fechada.

É verdade, mas isso é algo mais recente, o que aconteceu foi que houve uma redução importante do financiamento da Culturgest e o próprio Miguel Lobo Antunes disse-me aqui que, perante esse dado, optou nessa altura por manter o número de espectáculos, mas fazer coisas mais baratas e pequenas.

Que interessam a menos gente.

Que são menos conhecidos, muitas vezes artistas mais novos que estão numa fase de experimentação…

...coisas bastante conceptuais.

O que significa que o apelo ao público vai-se afunilando e este vai-se tornando mais curto e especializado. É extremamente importante fazer este trabalho com jovens artistas, com companhias emergentes, de pesquisa e de criação de novas linguagens com os jovens, mas acho que não é o lugar da Culturgest.

Está a sugerir que a Culturgest precisa de ser mais pop?

Sim, é isso mesmo. O que não quer dizer que vamos ser pop.

Claro. Mas vai tender para aí.   

Exactamente. O que não vou fazer é programar para agradar aos públicos, as coisas mais fáceis, que já estão dentro do cânone, isso não. Quero é convidar os públicos a conhecer coisas que não conhecem necessariamente, embora há muita gente que vai conhecer, nesse sentido é mais seguro, mas mais seguro significa que o público tem disponibilidade para arriscar. Arriscar num artista que tem vinte anos e que acabou de sair do curso é difícil para o grande público. Atenção, acho que o grande público tem vontade de experimentar coisas novas, mas tem de haver uma base de confiança.

Até quando é que a programação criada pelo Miguel Lobo Antunes e pela sua equipa se efectivará aqui na Culturgest?

A programação desta temporada está completa e é da responsabilidade do Miguel. A partir de Setembro de 2018 entrará a nova programação. E como vai ser bastante diferente sinto que é necessário mudar todo o visual da Culturgest. Temos dez meses para trabalhar no visual e na comunicação, queremos apostar mais no digital também.

Ou seja, dez meses de bastidores para afinar a nova máquina.

É isso, mas não vamos deixar de trabalhar o que estamos a fazer neste momento. Há coisas de enorme qualidade nesta temporada.

Para essa rentrée em 2018 queria perguntar-lhe se já conversou com artistas, estruturas, espectáculo e o que já pode revelar sobre isso.

Ainda não posso dizer qual será a programação, nada está confirmado, ainda estou a tentar confirmar e encaixar as coisas. Há alguns artistas que me parece lógico que possam passar, mais tarde ou mais cedo, pela Culturgest: Anne Teresa de Keersmaeker; Alain Platel; teatros menos conhecidos que ainda não passaram por cá, como o Schauspielhaus Zürich, na Suíça, que tem um trabalho muito interessante; o Toneelgroep Amsterdam. Pessoas, a nível nacional, como a Marlene Freitas, Tânia Carvalho, gente que sei que está pronta para espectáculos de maior dimensão, Ana Borralho e João Galante, entre outros.

Chegou a Lisboa em 1995. Alkântara, CCB, Maria Matos, Culturgest...ainda o vamos ver a candidatar-se a um cargo político?

Não, não é a minha ambição. Aos 56 anos devemos saber o que sabemos fazer e o que não sabemos fazer. Há um lado de política que me interessa muito, que tem a ver com um planeamento estratégico ao nível da cidade, o que existe o que não existe, onde podemos intervir como gestores culturais. Mas depois há um lado de relações públicas, de estar presente...não tenho essa capacidade. Neste momento estou completamente focado na Culturgest e espero ficar aqui os próximos dez anos.

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