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Fachada Viúva Lamego
©Mariana Valle Lima

China em Lisboa: uma nova geração à conquista da cidade

A cultura chinesa faz parte da paisagem lisboeta. Com ela, cresce uma nova geração que abre a comunidade ao mundo.

Mauro Gonçalves
Joana Moreira
Escrito por
Mauro Gonçalves
e
Joana Moreira
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Uns nasceram em Portugal, outros aterraram ainda pequenos e adaptaram-se à nova cultura. A comunidade chinesa criou raízes em Lisboa e estas quatro histórias são exemplos disso. Sara é professora de yoga que dá cartas nas redes sociais, Fernando abriu o próprio espaço de bubble tea em Outubro de 2021, Filipe é o escanção do Kabuki e Zichao está a construir uma carreira internacional como modelo. Trajectos profissionais de sucesso (ou, no mínimo, promissores) que fomos conhecer, mesmo a tempo de dar as boas-vindas ao novo ano lunar.

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Zichao Ye, 21 anos, Manequim
©Ricardo Lopes

Zichao Ye, 21 anos, Manequim

Quando aterrou em Lisboa pela primeira vez, Zichao ainda não sabia o leque de opções (ou de caminhos para o futuro) que a cidade lhe abriria. Uma delas, em particular, dificilmente lhe passaria ao lado: com 1,88 de silhueta esguia, um rosto perfeitamente simétrico e uma tez invejável, é como manequim que tem dado cartas nos últimos três anos, em Portugal e não só. “Tem corrido bem”, admite. Na verdade, a afirmação quase pisa o risco da modéstia em excesso. Há um ano, estava em Milão a desfilar para o senhor Giorgio Armani, durante a semana da moda, e nos últimos dias tornou-se no protagonista da Montblanc para o Ano Novo Chinês.

Tinha 18 anos quando foi desafiado a fazer um casting. “Foi a minha agência que me encontrou. Lembro-me que estava na rua com uns amigos e abordaram-me. Na altura não fiquei assim muito interessado, a minha mãe é que me convenceu a ir. Disse-me que não perdia nada. Aliás, os meus pais têm-me apoiado imenso. Estamos numa pandemia e é óbvio que se preocupam quando vou para fora, mas tem corrido bem”, conta, à conversa com a Time Out.

A agenda divide-se agora entre a vida de modelo e os estudos. Começou por se aplicar em Ciência Política e Relações Internacionais na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mas ao fim de um ano mudou a agulha para Ciências da Comunicação, uma forma de perspectivar um futuro nos bastidores da moda, aqui ou em qualquer outro ponto da Europa.

Zichao nasceu na cidade chinesa de Wenzhou e veio para Portugal quando tinha nove anos. Um país novo e também uma nova cultura, que foi absorvendo com o incentivo dos pais. “Assim que chegámos, acho que eles adoptaram essa estratégia – deixavam-me ir brincar para a rua com os outros miúdos, por exemplo. Isso fez com que me adaptasse melhor e que aprendesse português relativamente rápido.” A escola foi outro passaporte para a fácil integração no novo país. Nunca estudou fora do ensino público e nem as aulas de português eram adaptadas a recém-chegados.

“No início foi um choque cultural, claro. Somos muito mais low key, gostamos de ficar na nossa e isso faz com que sejamos, muitas vezes, uma comunidade relativamente fechada. Mas os meus pais nunca tentaram que conhecesse outros amigos chineses, para me integrar mais facilmente, por exemplo. Hoje, os meus amigos são quase todos portugueses.”

Fala numa abertura de mentalidade, mas também numa adolescência que lhe permitiu viver a cidade, mesmo morando a uns bons quilómetros de distância, na zona de Mafra. Dentro de casa, os elos com a cultura chinesa passam sobretudo pela comida, mas também pelas leituras. “Adoro ler, mas só gosto de ler em mandarim. Talvez por causa da escola e da dor de cabeça que foi sempre ter de ler aqueles livros obrigatórios em português. O mesmo com o meu computador e o telemóvel. Está tudo em mandarim.”

Mas há também uns quantos costumes adquiridos. Ao fim e ao cabo, pode dizer-se que a costela portuguesa já está formada. “Gosto de ir à praia e de apanhar sol de vez em quando, mas sempre que vou à China isso é um choque para as minhas primas e para os meus amigos. Eles odeiam bronzear-se, evitam ao máximo.” Habituado à vida na Europa, Zichao não põe de parte a hipótese de voltar a viver na China. Diz que já mudou de ideias muitas vezes e poderá vir a mudar mais umas quantas, acrescentamos nós. Ir ou ficar? A moda que decida.

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Mauro Gonçalves
Editor Executivo, Time Out Lisboa
Sara Hu, 31 anos, Fisioterapeuta e professora
©Ricardo Lopes

Sara Hu, 31 anos, Fisioterapeuta e professora

“Começaram a trabalhar como vendedores ambulantes, vendiam bijuterias, como os vendedores na praia”, conta Sara Hu, 31, sobre os pais, naturais de Wenzhou, uma cidade a sul de Xangai. Trocaram a China por Portugal ainda jovens. “As famílias conheciam-se lá. Aqui deram-se bem e casaram-se. Há mais de 30 anos”, conta à Time Out. Trabalharam, amealharam e investiram. “O primeiro negócio que abriram foi um restaurante chinês, depois chegaram a abrir lojas de roupa. Agora têm um restaurante português, uma marisqueira, no Algarve.” Sara brinca: “Estão tão enraizados na cultura portuguesa ao ponto de abrir um restaurante português!”

Nascida e criada em Lisboa, Sara recorda a vida em casa como “uma salada mista [risos]”. “Com o meu pai sempre falei português porque ele fala bem português, e com a minha tia e com o meu irmão. Com a minha mãe falo o dialecto. Na China temos o mandarim, a língua oficial, aquela com que escrevemos, mas depois temos dialectos e cada terra tem um dialecto diferente”, explica. A vida e o calendário sempre se regeram pelo ritmo português: “Celebrámos sempre as [festas] portuguesas, porque eram as que toda a gente celebrava. Ainda agora me perguntam: ‘então e vais festejar o ano novo chinês?’.”

No ensino regular nunca teve colegas com quem partilhasse história e ascendência. “Sempre fui a única chinesa em toda a minha história na escola”, recorda. Foi completando os ciclos sempre com o coração dividido entre a arte e a saúde. Só tinha uma certeza: não iria seguir o negócio da família. “Tenho muitos amigos que mantiveram os negócios dos pais, importação e exportação de vinho, e coisas do género”, relata. “Mas os meus pais sempre tiveram este tipo de trabalho, e a restauração não é fácil. Sempre me disseram ‘vai estudar para teres outro trabalho que não exija tanto como um restaurante’. Tanto eu como o meu irmão fomos educados numa de ‘vai fazer outra coisa’ [risos]. Nos restaurantes os donos são os primeiros a chegar e os últimos a ir embora.” Quando chegou a hora de decidir o seu futuro, aceitou o conselho e escolheu a área da saúde. Hoje considera-se uma “one woman show”. É fisioterapeuta de formação e desdobra-se em projectos como o Kosha, uma plataforma em que disponibiliza aulas de yoga e pilates. Em breve, terá também outros serviços na área dos eventos e da formação.

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Joana Moreira
Jornalista
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Filipe Wang, 29 anos, Escanção no Kabuki
©Ricardo Lopes

Filipe Wang, 29 anos, Escanção no Kabuki

Precisou de sair de Lisboa para conhecer o mundo e só regressou em 2019 para responder ao desafio de ser sommelier no Alma, o restaurante com duas estrelas Michelin de Henrique Sá Pessoa. Filipe Wang nasceu há 29 anos no Porto, mas não houve tempo para se fixar na cidade. “Os meus pais não tinham condições e passado um mês eu e o meu irmão gémeo fomos para a China. Passámos lá a infância com os meus avós”, diz à Time Out. Os pais ficaram na Invicta e só aos oito anos é que Filipe retornou ao ninho. “Tinham acabado de abrir o restaurante, que ainda existe, e hoje em dia é uma referência na zona”, diz com orgulho.

Trata-se da casa Boa Sorte, em Oeiras. “É muito giro, iam lá os avós, depois os pais, e hoje vão lá os filhos”, conta Filipe, que cresceu entre pratos e cozinhas. “Os meus pais estavam sempre a trabalhar e não tinham com quem contar para tomar conta de mim e do meu irmão, por isso passava lá os fins-de-semana.”

Estava longe de imaginar que o seu futuro passaria, também, pela restauração. “De todo, nem ela [a mãe] queria. Parece que isto faz parte da família! O meu irmão neste momento é o braço direito dela, gere o negócio, eu fui por um caminho diferente.” Caminho esse que o levou até à Suíça para estudar gestão hoteleira. “Queria sair da minha zona de conforto e a Suíça era uma referência. Tinha colegas de todo o mundo, consegui aprender muito com eles. Foi eye opening. Foi preciso sair para saber que o mundo é grande”, diz.

No segundo ano do curso apaixonou-se pelos vinhos e, com o canudo, rumou a Londres com o desejo de materializar a ambição: ser escanção. “Mas quando cheguei lá ninguém me queria. Comecei como runner, que é basicamente o empregado de mesa de segunda, e a partir daí, como não tinha experiência, fui começando a tirar cursos, fora do tempo de trabalho.” Aos poucos, furou o mercado e começou a trabalhar na posição que sonhava.

O seu percurso só voltaria a passar por Portugal em 2019, quando, durante as férias, foi abordado pelo responsável pelo programa de vinhos no restaurante de Henrique Sá Pessoa. “Disse-lhe que não, porque estava focado no exame do Court of Master Sommelier [risos]. Ele insistiu muito, disse para eu ir à entrevista e ver o espaço, sem compromisso”, lembra. Passou um dia no Alma e foi quanto bastou. Disse “sim”, mas só depois dos exames. E por lá ficou dois anos, até à mudança para o Kabuki, um restaurante de luxo que une a gastronomia espanhola à tradição japonesa, que acaba de abrir nas galerias do Ritz. Foi um amigo que o recomendou como “craque” e, tal como um, Filipe ambicionava outros campeonatos. “No Alma tínhamos uma lista com 100 vinhos. Aqui a ideia é ter 1000 vinhos. É um desafio para mim.”

Filipe faz parte de uma nova geração de filhos de imigrantes chineses já nascida em Portugal e num contexto económico diferente do dos seus progenitores. “Tenho muitos amigos chineses na mesma situação que eu, todos eles estão muito bem de carreira, uns são médicos, outros estão a gerir os negócios dos pais”, explica. Se para os pais a língua era uma barreira, para os filhos é uma porta aberta para um sem fim de possibilidades. Filipe Wang é fluente em português, fala com os pais a língua da região deles e deve o mandarim à Escola Chinesa, mas também “aos filmes, séries e jogos”. “Obviamente há todos os valores e aquela parte tradicional que os pais chineses tentam passar e incutir em nós, mas estamos super-integrados na sociedade”, defende. “Mas obviamente que isto [Lisboa] comparado com Londres é uma escala muito mais pequena”, acrescenta. “Não temos tanta visibilidade, de certa maneira.”

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Joana Moreira
Jornalista
Fernando Ye, 22 anos, Sócio da Mr. Box Tea
©Ricardo Lopes

Fernando Ye, 22 anos, Sócio da Mr. Box Tea

Nasceu em Abrantes, aos dois anos foi para a China – mais precisamente para a província de Zhejiang – e voltou a Portugal mesmo a tempo da escola primária. Fernando Ye e a família radicaram-se no Barreiro, mas não tardou para que o jovem estivesse a atravessar o Tejo para descobrir Lisboa. Cresceu no Bairro Alto, onde os pais tinham uma loja. “Era uma loja dos 300, havia roupa e acessórios”, lembra sobre aquele que foi o palco da sua infância. “Brincava e ia brincar para as lojas de outras pessoas. Agora que cresci percebo que incomodava muito quem lá trabalhava [risos]. Subia os andares todos.” Hoje, à frente da Mr. Box Tea, uma loja de chá de bolhas (bubble tea) em São Sebastião, Fernando confessa: “Nunca pensei em ter um negócio, muito menos uma loja. Achava cansativo estar todos os dias na loja, sem folgas. Mas fui crescendo, fui mudando de ideias e cá estou eu.” Atrás do balcão, virado para a rua, prepara as bebidas com rapidez.

Como em casa se falava “o dialecto, a língua da terra, que não é sequer parecido ao mandarim”, foi na Escola Chinesa de Lisboa, uma instituição de relevo no ensino de mandarim, que Fernando passou “de não saber falar quase nada a saber falar um pouco”, diz com humor, admitindo que gostava mais da escola para fazer amigos do que propriamente para aprender a mais falada das línguas chinesas. Quando acabou o secundário, o objectivo era entrar no Instituto Superior Técnico, já que sonhava ser engenheiro informático. “Mas o exame de Matemática correu-me mal e acabei por não conseguir a média que queria”, lamenta. A teimosia não o deixou escolher outra escola. Arregaçou as mangas, arranjou emprego num armazém de uma loja de souvenirs e juntou o dinheiro necessário para abrir o seu próprio negócio, com outros dois sócios. Na casa de bubble tea, uma bebida com origem na China nos anos 1980 e feita à base de chá, leite ou concentrado de fruta, não falta clientela. O palato de Fernando, que foi apenas quatro vezes à China (ambiciona ainda conhecer a capital), não lhe permite recordar o sabor do chá de bolhas à boa maneira chinesa. “Já tivemos comentários a dizer que o nosso sabor é completamente diferente do bubble tea asiático. Na China é menos doce”, explica. Não é algo que pareça fazer mossa ao negócio e a quem o visita. “Os chineses que cresceram cá têm hábitos de comida diferentes. Nós já estamos adaptados ao gosto europeu”, garante. Prestes a entrar com o pé direito no novo ano, Fernando descreve a sua versão da celebração do próximo dia 1 de Fevereiro: “Almoçamos em família, normalmente massa de arroz. É o prato principal para o ano novo.” Os pais ainda vão assinalando outros eventos segundo o calendário lunar, mas para Fernando o novo ano é a única data que fica da herança familiar. “Se tivesse agora uma família e tivesse filhos, acho que já não conseguia passar [esse legado das festividades]. Mal sei essa parte”, admite.

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Joana Moreira
Jornalista

Celebre o Ano Novo Chinês

  • Coisas para fazer
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Não há doze badaladas, muito menos doze passas e flutes de champanhe. O Ano Novo Chinês entra oficialmente a 1 de Fevereiro com o signo Tigre, mas as celebrações começam quando cada um quiser, sobretudo se for com a família ou um grupo de amigos reunidos à volta da mesa. Dos festejos que, mais um ano, acontecem online à programação do Museu do Oriente, a data não passa em claro. Depois, há sempre uma série de bons motivos para embarcar numa odisseia gastronómica pelos sabores do Império do Meio, tudo sem sair de Lisboa.

  • Coisas para fazer
  • Aulas e workshops

As artes marciais chinesas são um mundo por descobrir. Kung fu, tai chi chuan, sanda, chin na e chi kung são modalidades e técnicas milenares que, aos poucos, foram conquistando a atenção (e a dedicação) de milhares no Ocidente. Lisboa não é excepção — há escolas e centros que resistem como guardiões dos velhos preceitos e perpetuam os ensinamentos dos grandes mestres junto de adultos e crianças. Sim, as artes marciais são para todas as idades. Tome nota destes três sítios onde vai poder aprender e desenvolver o guerreiro que há em si.

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