Lisboa Negra
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Do cinema à gastronomia, estes são os rostos da Lisboa Negra

São as pessoas atrás do balcão, das câmaras e de projectos sociais. Fomos conhecê-las melhor.

Beatriz Magalhães
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Lisboa é de todos aqueles que a fazem e de todos aqueles que a vivem. É sítio de convergência, encontro, mistura e simbiose entre pessoas de culturas e lugares diferentes e que aqui encontram espaço para serem tudo aquilo a que aspiram. Durante os últimos quatro anos, contámos as histórias de vários elementos da comunidade negra e demos-lhes espaço para que partilhassem a sua visão da cidade e do mundo. São do teatro, do cinema, da música, da moda, da gastronomia e do desporto. São a nossa Lisboa negra.

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A Lisboa Negra

Inês Monteiro

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 672 – Inverno 2025

A comida sempre fez parte da vida de Inês Monteiro, mas só quando chegou a adulta percebeu que o que gostava mesmo de fazer era cozinhar para os outros. Filha de pais angolanos, Inês, de 32 anos, nasceu e cresceu em Lisboa. Quando fala em casa, vem-lhe à memória o frango fricassé da mãe ou o prego no pão que comia com o pai: “O meu pai não vivia em Lisboa, então o nosso ‘bonding moment’ era ir para uma tasca qualquer ver um jogo do Benfica e comer um prego no pão. Ele bebia uma Imperial. Eu bebia uma Coca-Cola.” No ensino superior, seguiu Psicologia e depois fez uma pós-graduação em Cinema e Fotografia, mas não chegou a exercer nem uma coisa nem outra. Em 2012, viajou durante alguns meses pela Índia e pelo Nepal, onde experimentou e aprendeu a cozinhar pratos locais. Nem tudo foi fantástico – “passei mal com comidas extremamente picantes”, confessa, entre risos. Quando regressou a Portugal, voltou-se então para os tachos e panelas e deixou-se estar na cozinha. Cerca de doze anos depois, encontramo-la na cozinha, claro está, a preparar french toasts, um dos pratos que costuma apresentar aos domingos, no brunch organizado pela Brown Sugar Cantina. O projecto nasceu no início de 2024 e dá a provar comida típica da comunidade afro-americana do sul dos EUA. “Comecei a experimentar, a comprar livros, a ver receitas e, entretanto, mergulhei nesse mundo e em comida que nunca tinha experimentado, mesmo quando estive nos Estados Unidos”, conta. Mas as influências vêm de outros lados também – da gastronomia angolana e da portuguesa, que nunca faltaram em sua casa. No Nisa’s Lounge, um clube de jazz em Algés, procura juntar amigos e desconhecidos à mesa e criar um espaço de celebração. “Acho que foi daí que veio a Cantina, porque é uma forma de juntar a comunidade e ver toda a gente feliz.” Até porque “quem é que não quer estar a um domingo a beber mimosas e a ouvir R&B dos anos 90?” Em 2025, os brunches continuarão a animar os domingos do Nisa’s Lounge, mas os planos não se ficam por aqui. O Muse Supper Club é o novo projecto de Inês, que acontecerá uma vez por mês, ao longo do ano. Mais do que um jantar, a ideia é tornar a sua sala um ponto de encontro de mulheres, experiências e histórias. Há quem vá para fazer novas amizades ou apenas para comer bem. Tudo está a valer.

Associação Cavaleiros São Brás: “É do meu amigo Sinho e é um espaço que merece mais visibilidade. É importante que as pessoas conheçam, porque Lisboa não é só o centro.” Rua Jacinto Baptista 4B (Casal de São Brás). Instagram: @cavaleirosdesaobras

Sofia’s Place“O Sofia’s Place tem o melhor pastel de atum da cidade. É um espaço mais conhecido. Ela é cabo-verdiana, mas o menu é inspirado em vários países africanos. Gosto muito.” Rua de São Bento, 67 (São Bento). 21 396 1493. Ter-Sex 18.00-23.00, Sáb-Dom 18.00-00.00. Instagram: @sofia.s.place

David Pina

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 671 – Outono 2024

O pai foi um dos primeiros pugilistas a nascer em Santa Cruz, na ilha de Santiago. Em miúdo, David via-o combater e até o ajudava a enrolar as ligaduras, mas nunca ligou muito àquilo. Estava mais virado para o rap. “Até fui cantar a um dos maiores festivais da minha ilha, na Praia de Gamboa. Mas aquilo não era para mim”, confessa. Hoje, continua ligado à música, toca piano e guitarra, mas decidiu seguir as pegadas do pai e trocar o palco pelo ringue. Aos 15 anos, a convite de um amigo, experimentou o boxe e nunca mais quis outra coisa. Dois anos depois, foi campeão do seu primeiro campeonato nacional. Em 2014 veio pela primeira vez a Portugal para participar numa competição internacional, em Outurela. Não mais esqueceu – e mudou-se de vez em 2021, depois de passar nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Começou a treinar com Bruno Carvalho no Privilégio Boxing Club. “A minha mulher e o meu filho vivem cá, a minha mãe e os meus irmãos todos vivem cá. Eu praticamente sou daqui agora, já não tenho mais nada em Cabo Verde, deixei só a minha filha.” Este Verão, rumou a Paris para as suas segundas Olimpíadas, onde ganhou uma medalha de bronze: a primeira da história de Cabo Verde e segunda da África Lusófona. “É o auge da carreira dos atletas. Desde que comecei a treinar, o único sonho que eu tinha era estar nos Jogos Olímpicos e consegui. É um sítio que é digno para um atleta estar e dá gosto ver o seu trabalho recompensado e valorizado”, partilha. Para lá chegar, o caminho não foi fácil, mas David garante que “as quedas foram importantes para atingir o resultado”. Aos 28 anos, o pugilista não nega a responsabilidade que agora carrega, nem o facto de ser uma inspiração para muitos. “Tenho que dar o melhor de mim sempre, tenho que ser um exemplo no meu dia-a-dia, na sociedade, em casa” e “é bom saber que posso influenciar e mudar a vida de muitas pessoas e de jovens que pensam em continuar a lutar”, realça. A treinar seis dias por semana, duas a três vezes por dia, David já só pensa no Campeonato Africano de Boxe e no Mundial do próximo ano [2025]. Para ele, não há cá querer vencer – “eu tenho de ser campeão”.

Academia Jorge Pina“É invisual e, mesmo tendo essa dificuldade, nunca desistiu. Há pessoas que não têm qualquer dificuldade física ou mental e desistem. Ele, mesmo assim, encontra força para lutar e é um exemplo vivo de superação, resiliência e força de vontade.” Avenida Vergílio Ferreira (Chelas). 92 223 6529. Seg-Sex 07.00-09.30, Sáb 09.00-13.30. Instagram: @academia_jorgepina

ISLNDZ: “Nos Jogos de Paris, foram eles que fizeram o nosso equipamento e, depois, fizeram umas camisetas minhas. São rapazes jovens, cabo-verdianos, que estão nos Estados Unidos e que têm ideias brilhantes. Meteram o nome do nosso país no mapa através da moda e do desporto.” Instagram: @islndz

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Cláudio de Castro

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 670 – Verão 2024

É filho de mãe portuguesa e pai brasileiro. De um lado, os avós são do Minho, do outro, de Minas Gerais, com ascendência indígena e africana. Cláudio nasceu em Lisboa, mas a sua identidade divide-se entre África, Brasil e Portugal. Foi só quando chegou ao secundário que a representação encontrou um lugar na sua vida. No teatro, a sua “primeira grande mestre” foi Estrela Novais. Frequentou o conservatório, estreou-se na Barraca, onde esteve durante quatro anos, e estagiou no Teatro Nacional D. Maria II. E, então, surgiu a oportunidade de fazer um casting para a nova temporada dos Morangos com Açúcar, onde passou a vestir a pele de Fred. Quando era pequeno, quer olhasse para a televisão ou para o palco, nunca via ninguém que se parecesse com ele. Daí nasceu a vontade “de tentar esbater estas fronteiras”, de “normalizar estes lugares” e de tornar o seu caminho uma referência para outras pessoas. Contra a necessidade de tentar integrar-se ou de ver o seu trabalho validado, o actor de 23 anos tornou-se mais selectivo nas escolhas, acreditando que “estamos numa altura criativa em que não podemos ficar nesta alçada da ignorância e da imparcialidade.” Mas, ainda que haja muito por fazer, Cláudio vê um maior espaço a abrir-se para as pessoas negras. Em Morangos com Açúcar, Fred também se tornou um símbolo, já que integra um projecto da cultura pop portuguesa representada maioritariamente por brancos –Cláudio vê uma importância acrescida na presença do seu corpo negro. “Dentro do trabalho individual, social e político que eu faço, a maior arma que vejo dentro da minha profissão é o meu corpo, que sirva de exemplo para estas coisas, que ocupe outros lugares.” A 1 de Julho [de 2024], mesmo a pensar no Verão, estreou a terceira temporada da série juvenil portuguesa. A quarta chega no final deste ano. Apesar de admitir que é no teatro que se encontra no seu “estado mais natural”, Cláudio prepara-se para integrar um novo projecto em televisão, que abordará temas relacionados com a negritude.

Braids by Jéssica: “A minha relação de amor com o meu cabelo fomentou também a procura da minha identidade e aquilo com que eu me identificava, e o Braids by Jéssica é um lugar que cultiva realmente essa procura quase antropológica de onde é que vens.” Rua Liberdade, 55D (Brandoa). Seg-Dom 10.00-18.00. Instagram: @braidsbyjsscpina

Welcome Dance: “O MJ começou como bailarino de rua, começou a dar aulas e formou este grupo. Tem como principal foco o hip-hop e a cultura urbana do hip-hop, mas também o desenvolvimento de temas como a inclusão, o lugar da mulher, questões de representatividade. Muitos jovens negros encontram neste lugar uma oportunidade de se exprimirem e de terem um espaço comum.” Instagram: @welcomedancefm

Mónica de Miranda

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 669 — Primavera 2024

Nasceu no Porto e tem origem angolana. É artista, educadora, produtora e investigadora. Fez a sua formação em Inglaterra e, há 15 anos, decidiu voltar. Desde que chegou, fundou o Hangar, um centro de investigação artística na Graça. Não se cinge a uma coisa apenas: de “geografias dos afectos” e de uma rede biográfica que percorre a diáspora africana, surge um “trabalho multidisciplinar”, que reflecte “esse lugar – o lugar de estar aqui mas não ser de cá e ter essa ligação com o espaço que não é daqui”. Em 2014, esteve na Bienal de Arquitectura de Veneza e, em 2016, na Bienal de Arte Contemporânea de Berlim. Este ano, é a representante de Portugal na 60.ª Exposição Internacional de Arte – Bienal de Veneza 2024, que acontece de 20 de Abril a 24 de Novembro, com “Greenhouse”, projecto desenvolvido a várias mãos, em que se destaca a colaboração de Sónia Vaz Borges e Vânia Gala. Nesta “casa verde” propõe-se um diálogo entre coreografia, artes visuais e pesquisa teórica. No Palazzo Franchetti, nasce um “jardim crioulo” que é, em simultâneo, uma escola, uma instalação, um palco, uma escultura, um arquivo vivo e espaço de resistência e liberdade, um “lugar que nos acolhe, onde nós nos sentimos nós próprios, onde temos a nossa própria ecologia, no sentido de entender esse lugar que nos define, o nosso contexto, um contexto em diáspora”. É um jardim em que se liga o corpo humano com o corpo da natureza. Como espaço de “resistência, liberdade, acção, comunidade e colectivo”, pretende fazer florescer um passado, um presente e um futuro.

AMRT – Associação para a Mudança e Representação Transcultural: “Nasce da necessidade de apoio aos moradores na Estrada Militar, no Catujal, e é uma das associações com que trabalho desde que cheguei a Portugal. Este projecto trabalha em prol das principais necessidades da comunidade, incluindo frentes habitacionais, educativas, culturais e outros, daí a sua relevância.” Estrada Militar, 62 (Loures). 21 941 8314. Seg-Dom 08.00-18.00

Teatro Griot: “O Teatro Griot é uma das primeiras companhias negras em Portugal e é um marco na história do teatro português. O trabalho da companhia é importante porque traz várias questões para uma reflexão cultural da própria identidade portuguesa, reflecte várias questões da nossa história, do colonialismo.” Instagram: @teatro_griot 

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Diogo "Gazella" Carvalho

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 667 — Outono 2023

Nasceu em Lisboa e viveu em França, mas é à Linha de Sintra que chama casa. Casa esta que ocupa lugar central no mais recente projecto artístico de Diogo “Gazella” Carvalho. O artista não se deixa definir por apenas uma coisa: “Vejo-me como cineasta, mas também pinto, também escrevo, também tiro fotografias.” Uma coisa não deixa nunca esquecer: o mundo de onde vem, sobre o qual tenta reflectir “com as armas que tem” ao seu dispor. Diogo não quer ser outro passageiro errante, quer sim ser um cidadão que reclama o que não está bem consigo e à sua volta, e que tenta tornar a vida “um bocadinho melhor” com a sua arte. Em 2018, juntamente com o artista plástico Onun Trigueiros e o músico Tristany, criou o colectivo Unidigrazz. “Uni” de unidade e “digrazz” da gíria “digra”, termo com o qual, geralmente, se identificam as pessoas provenientes da periferia. À falta de representatividade em vários sítios em que o grupo não se revia, o colectivo é o “espaço para as pessoas que nunca tiveram esse palco e que agora talvez tenham”. No MAAT, Unidigrazz expôs há um ano. Agora mostra-se a solo, pela primeira vez, na Underdogs, em Marvila. “Distante” não é só o nome da exposição, nem é tanto o percurso físico entre Lisboa e Algueirão-Mem Martins, mas “entre realidades”, entre o centro e a periferia. Mais do que os 33 minutos da viagem de comboio que liga as duas partes, a mostra traz à luz a distância entre as narrativas de quem vive do lado de cá e de lá da linha. Através das obras, pintadas a várias mãos, e de uma “marquizz”, somos convidados a viajar até à linha de Sintra e aos quotidianos e histórias de quem habita “o mundo que não existe deste lado”. Na hora da criação, para Gazella, nunca houve tal coisa como um bloqueio artístico, “porque é ali, todos os dias, a nossa fonte de criatividade. É o que vamos vivendo, e com esta exposição não foi diferente.”

Bazofo Dentuzona: “[O Vítor Sanches] é dos poucos que eu vejo que conseguiu quebrar a narrativa um bocado pejorativa e tornar esse lugar num sítio cultural. Conseguiu meter lá os holofotes de boa maneira. É dos trabalhos que gostaria de fazer, conseguir tornar o meu lugar um bocadinho melhor.” Rua 8 de Dezembro, 13 (Amadora). Qua e Sex 14.00-19.00, Sáb 10.00-13.00. Instagram: @bazofo_dentuzona

Organização Vida Justa: “É organizada nas periferias e luta essa batalha de tornar a vida um bocado mais justa, e podemos ver isso com o problema da habitação, que pode ter alastrado para mais gente, mas é um problema que atinge a periferia já há muito tempo. É uma organização que dá espaço, voz, cor e lugar a quem não tem.” Instagram: @vidajusta.pt

Afrontosas

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 666 — Verão 2023

No dicionário, festa é sinónimo de “reunião em que há regozijo”, “dia de comemoração” ou “bom acolhimento”. Já para o recém-formado colectivo Afrontosas, encabeçado por antonyo amolou, Didi e Rod, festa é também significado de luta, de activismo, de espaço seguro e de transformação social. O dicionário, aliás, não chega para reproduzir o que fazem e, sobretudo, o que sentem. As palavras transformam-se mais rápido do que a sociedade à sua volta. São Afrontosas porque querem afrontar, mas também representar a negritude cuír. Cuír, não queer. Eis mais uma palavra a expor a pequenez do dicionário. “Surge da ideia de tornar isso muito peculiar”, diz Rod, explicando que cuír tem sido usado no Brasil, de onde vêm, como “forma de estabelecer uma posição no mundo sobre a resistência decolonial de pessoas LGBTQ+”. “Usando a nossa diáspora, usando a ideia de ser imigrante, transformamos o estrangeirismo numa coisa própria. Cuír é uma posição no mundo que eu reclamo para mim.” Posição essa que o colectivo estabelece e que, aos poucos, ganha destaque. “Em 2019, quando participava da Djass – Associação de Afrodescendentes, sentia muita falta, dentro da associação, de trabalhar temas ligados à questão LGBT com recorte racial. A gente tem essa peculiaridade não só de ser pessoa racializada, mas ser também LGBT. Ainda é um pouco tabu”, contextualiza. “Perguntei se podia criar um evento só para pessoas cuír, negras e racializadas, para a gente poder falar dos temas, mas também para a gente se conhecer.” Quatro anos depois, o colectivo formou-se também como associação cultural e teve a sua festa de lançamento no Espaço Alkantara. Em Junho [de 2023], estiveram nas Damas, onde voltarão em Agosto [de 2023]. Um espaço livre de preconceitos e julgamentos, mas também um acto de afirmação e resistência. “Celebramos quem somos, sem ter muito o cuidado de não ferir o outro para não ser violentado outra vez”, aponta Rod. Didi lembra as festas Batekoo, no Brasil, e a sua “influência forte no cenário artístico e cultural brasileiro”. “É um caminho que veio como festa e que virou plataforma de resistência.” Não é diferente aqui. “A celebração é só uma das nossas linhas, trabalhamos na arte e pesquisa, no acolhimento e ancestralidade e na consultoria e ensino”. antonyo resume: “Acabámos de nascer, mas se tivesse de apontar uma transformação, ela está no que as Afrontosas têm despertado.” Cláudia Lima Carvalho

Criolense Kitchen Club: “É um contexto que atravessa a gente, não só por serem brasileiros, mas por serem todos cuír e estão aí na batalha, trabalham num campo muito afectivo, é uma culinária afectiva, muita boa.” Temporariamente fechado

Fidju-Fema: “Acontece uma vez por mês na Casa Independente e envolve especialmente artistas negres, dissidentes, da diáspora. Praticamente 80% [da receita] vai para um fundo de assistência a vítimas de violência policial. A cozinheira é a Cláudia Simões, que sofreu nas mãos do Estado português. É um evento maravilhoso.” Instagram: @fidjufema

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Carla Pereira

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 662 — Primavera 2023

Tinha 16 anos quando deu a primeira entrevista à Time Out Lisboa. Desde Junho de 2017, muita coisa mudou para Carla Pereira. Hoje, é uma das manequins portuguesas mais bem sucedidas de sempre, um percurso onde soube calcular cada passo, mesmo quando foi necessário esperar e resistir à tentação de uma ascensão meteórica. “Não houve aquele boom. Tinha de ter em atenção a gestão da minha carreira, mas também a escola. E de corresponder às expectativas dos meus pais. Acho que também não estava preparada, era muito nova”, recorda. Os três anos a viver em Londres (pandemia incluída) abriram-lhe o mundo, mas também uma indústria onde o racismo e o colorismo circulam nos bastidores. “Não tinha o mesmo tratamento que colegas que não eram da minha cor tinham. Houve momentos de muita angústia, quando tentava fit in e ser como elas. E sei que tenho um privilégio que outros não têm, porque o colorismo continua a ser uma realidade. Não sou tão escura como outras modelos.” O apoio de quem foi à frente foi essencial para criar os alicerces que tem hoje. Mais do que mais um rosto negro para cumprir quotas de inclusão, acredita ter conquistado um lugar na moda. Agora, é a sua vez de estar lá para uma nova geração de manequins. “Não quero que as meninas pretas com 15 ou 16 anos passem por aquilo que eu passei. Por mais que pareça, elas não estão sozinhas.” Em Março de 2022, voltámos a ouvir falar dela. A portuguesa, que nasceu e cresceu na Margem Sul, brilhou no desfile da Christian Dior, em Paris. Ultrapassados os nervos da estreia, ficou uma profícua relação com a maison. Na última temporada de alta-costura, coube-lhe a honra de fechar o desfile. “Lembro-me de estar à procura do meu nome no chão. Já achava que se tinham esquecido de mim quando vejo Carla escrito no último lugar [da fila]. Acho que ninguém percebeu o quão feliz eu estava.” O mesmo ano trouxe-lhe a primeira campanha de maquilhagem para a Givenchy. Pensa agora numa temporada em Nova Iorque, sem esquecer os regressos rápidos a Lisboa, nem os périplos por novos restaurantes da capital portuguesa. Depois da moda, Carla terá toda uma outra vida à sua espera. Quem sabe se tudo não vai recomeçar com a Psicologia. Mauro Gonçalves

Kriativu: “Foi criado por um dos meus melhores amigos, o Cláudio Tibunga. Comecei a acompanhar o projecto no ano passado, quando organizou uma oficina de restauro de
ténis.” Instagram: @_kriativu

Academia Jorge Pina: “Passo muito tempo na academia com as crianças. Até porque a família do meu pai viveu lá, então também passei algum tempo naquela zona.” Avenida Vergílio Ferreira (Chelas). 92 223 6529. Seg-
Sex 07.00-09.30, Sáb 09.00-13.30. Instagram: @academia_jorgepina

Soraia Tavares

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 661 — Inverno 2022/23

O portento de emoção que é a voz de Soraia Tavares revelou-se em 2015, no programa The Voice Portugal. Cantou “I Dreamed a Dream”. Sete anos depois, os sonhos estão a concretizar-se. A actriz e cantora (não confundir com actriz que canta) tem uma história de superação que a ligeireza (não confundir com superficialidade) com que encara a vida não deixa antever. Descendente de pais cabo-verdianos, Soraia, 28 anos, nasceu num bairro de lata, em Queijas, viveu num bairro social em Carnaxide, e, impulsionada pelos professores, foi estudar teatro e cinema e ser o que era evidente para todos: uma artista do mundo. Organizada, ocupada, expedita, articula os muitos talentos, desdobra-se em projectos. Está a ter aulas de inglês “para quando for receber o Óscar”, diz como prelúdio da gargalhada. Por muito engraçada que seja a "pequena soraia" das redes sociais (tem 183 mil de seguidores só no TikTok), não é brincadeira a carreira que está a trilhar. Depois de fazer teatro musical, dobragens, novelas, concursos e canções, o foco é agora a representação. Na televisão, estreia o telefilme da RTP Os vivos, o morto e o peixe frito, realizado por Daniela Ruah. No cinema, prepara se para encarnar Cesária Évora na biografia da cantora cabo-verdiana, Saudade. Focada, até fazer o filme pôs a música em pausa – o álbum há-de chegar “para o ano”, descansa-nos. Por estes dias, deita-se com as melodias da diva dos pés descalços na cabeça, aprende crioulo de São Vicente, aproxima-se de uma cultura que, em boa verdade, foi sempre sua, mas da qual se aproximou ainda mais nos últimos tempos. O movimento Black Lives Matter foi um gatilho, assume. “Veio abrir-me os olhos, abanar-me.” Também ela quis abanar alguém, e daí a canção “A Beleza Vai Mudar o Mundo”, que escreveu em 2021. Mas, como a própria canta, “mudar o mundo não é num segundo”. Lamenta que tantas vezes se “banalizem as canções”, e, por isso, em cada oportunidade ganha tempo. “Estaria a negligenciar toda a minha história se não falasse sobre isto.” Isto, o racismo, o colorismo, a representatividade. “Sempre me fechei muito nas minhas conquistas pessoais. Para conseguir chegar aos sítios onde queria chegar, permiti e normalizei muitas coisas que me faziam sentir à parte, ceguei”, diz, com a esperança de que “é fazendo, é continuando, é a persistir e a furar o máximo que conseguimos”. O quê? Mudar o mundo. Joana Moreira

Braids ao domicílio: “Chama-se Braids ao domicílio, mas na realidade tem um espaço em Queluz, que é da Odete. Fazem tranças africanas, mas não só, também penteados mais de festa, mais ligados à comunidade africana.” Rua Matheus Vicente de Oliveira, 38A (Queluz). 93 626 9719. Instagram: @braids_ao_domicilioo

Ondjaki: “É um autor angolano que tem vários romances e um livro que adoro, que é Os Transparentes. Fala sobre uma Angola pós-guerra e como isso ainda afecta as pessoas, contado de uma forma como se fosse cinema.” Os Transparentes, de Ondjaki, Caminho, 2012

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Kady

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 659 — Outono 2022

Se para muitos Kady é ainda um nome desconhecido, os mais atentos já terão dado por ela – foi um dos destaques da programação do Jardim de Verão, na Gulbenkian, e do festival Sol da Caparica. Nascida na ilha de Santiago, em Cabo Verde, a música acompanha-a desde o berço, não fosse filha de uma das fundadoras do grupo Simentera, a cantora Terezinha Araújo. Aos discos, chegou em 2015, quando editou Kaminho. Seguiu-se o Festival da Canção, em 2020, onde interpretou “Diz Só” da autoria de Dino d’Santiago e Kalaf Epalanga. Com o EP Lumenara quase a sair, a cantora renasce, ou reinventa-se. “Já não sou a mesma pessoa. Senti a necessidade de procurar uma identidade musical. Apesar de ser grata por todo o meu processo, não tinha sentido que tinha chegado à identidade que queria”, conta. “Estou a ir para um estilo novo, diferente do que fazia antes, mas sempre naquela fusão da música cabo-verdiana com o pop e o afro.” Não é errado dizer que Kady é hoje uma mulher resolvida, empoderada. “Djunto”, com Dino D’Santiago, e “Tempu” são os avanços de um trabalho em que a cantora se apresenta segura e com uma visão artística completa. Não há detalhe deixado ao acaso, do guarda-roupa aos vídeos, com direcção criativa de Urivaldo Lopes. O foco é um: falar do que está a acontecer. “Às vezes parece cliché, mas nunca é demais falar, por exemplo, do empoderamento da mulher negra, até porque ainda temos muitas vítimas”, diz, sem medo do peso das palavras. “Para mim, é uma missão usar a minha voz para combater.” Tal como já havia feito a sua avó, Amélia Araújo, ou Maria Turra, voz da Rádio Libertação do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) durante a luta pela independência. Não por acaso, Kady sabe bem o lugar que ocupa e a diferença que pode fazer, seja cantando em português ou em crioulo, a língua em que se sente mais à vontade. “Eu penso em crioulo, sonho em crioulo, é-me natural.” Sem pressão de julgamentos. “A nossa maior artista é a Cesária Évora, que sempre cantou em crioulo. Acho que essa é a magia da música.” Cláudia Lima Carvalho

Art Kaizen: “O Kwenda Lima é um grande amigo e tem um espaço de consciência espiritual que conjuga a dança. É um dos meus sítios favoritos em Lisboa. Um lugar onde fazes uma viagem para dentro, para te conheceres melhor.” Rua do Açúcar, 52 (Marvila). Qua-Qui 19.00-21.30, Sáb-Dom 10.00-21.30. Instagram: @artkaizen_lisboa

Philipa Semedo: “É uma cabeleireira e trancista, uma super-profissional que encontrei quando vim para Portugal. É tão importante para a comunidade ter pessoas que sabem cuidar do teu cabelo. Vais ao salão e sabem como esticar o teu cabelo, fazer tranças.” Rua Doutor Francisco Sousa Tavares, 9B (Damaia)93 372 7516. Seg e Qua-Sáb 10.00-19.00. Instagram: @philipa_semedo

Igor Regalla

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 657 — Verão 2022

Meia hora numa esplanada no centro de Lisboa e Igor Regalla é abordado três vezes. “Gosto de ser reconhecido pelo que faço, mas não vim para isto, para ser reconhecido”, garante. “Isto” é a representação, o mundo em que navega desde que largou o curso de informática. Os filmes que protagonizou, Ruth (2018) e Gabriel (2018), catapultaram o actor de 34 anos, nascido na Guiné e criado em Oeiras, para o estrelato. “Foi a primeira vez que um actor preto foi nomeado para Melhor Actor num Globo de Ouro no Cinema”, diz, entre o orgulho e a consciência de que há um longo caminho a percorrer, e que só encurtará quando a diversidade, à frente e atrás da câmara, for a regra. “Lisboa é tão multicultural, porque é que a nossa televisão não é o reflexo disso?”. Admite que ainda não chegou às “personagens grandes de novela” – e não foi por falta de vontade. “Há muita coisa que vejo que é injusta e que me apetece falar, só que às vezes tenho um bocadinho de medo de repercussões”, confessa. Ainda assim, o activismo que nele fervilha suplanta o medo – Igor foi um dos que marchou, em 2019, na Avenida da Liberdade, contra a violência policial no Bairro da Jamaica (Seixal). “Na altura estava a fazer uma novela e isso teve um impacto gigante. Senti que havia gente muito grata por eu estar a fazer parte e a ser uma bandeira da situação”, diz emocionado. Com tanto para dizer e fazer, o tempo escasseia para o teatro, a sua área de formação. Ainda assim, subir ao palco do Teatro Nacional com Otelo é um sonho antigo. Lá chegará. “Dêem-me as audições e eu provo que consigo fazer tudo.” Entretanto, está a descobrir a paixão pela fotografia e pela realização – é da sua autoria o videoclipe de Rap Consciente. Tal como Valete, fala “sem superioridade moral”, confiante no seu trabalho, mas com medo dos rótulos. “Vivo num país que rotula muito. Quase que escondo esta coisa.
Como quero vingar como actor... quero que as pessoas
olhem para mim como actor.” Joana Moreira

Dário Pequeno Paraíso: “É um fotógrafo, cresceu cá, mas chegou uma altura em que pensou ‘tenho de ir conhecer as minhas raízes’. Foi a São Tomé e ficou sem palavras com uma identificação que não encontrou em mais lado nenhum. Começou a fotografar, a preto e branco. Fotografa caras africanas, mãos. É mesmo muito, muito bom.”

Atelier Samissone: “Estava a fazer um filme, realizado pela Daniela Ruah, chamado Os Vivos, o Morto e o Peixe Frito, quando conheci a Teresa. É chefe de guarda-roupa e toda ela transpira isto, África. É um exemplo porque está no mundo do cinema, tem ascendência africana e tal como eu também está a tentar vingar neste universo. Fico muito orgulhoso porque ela está a representar, está a vingar.” Avenida Mouzinho de Albuquerque, 12B (Penha de França). Por marcação. 91 994 2521

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Cláudia Semedo

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 656 — Primavera 2022

É a voz serena, mas assertiva, que há anos se faz ouvir na televisão, na rádio, no cinema, no teatro. Cláudia Semedo procura sempre o copo meio cheio. “Tenho uma lente muito cor de rosa, não me agarro ao rancor, procuro o lugar da construção.” Ingenuidade? Não, até porque não é de baixar os braços. “Não quero desistir, quero combater.” E o combate faz-se por um mundo mais justo. “Ainda vivemos numa sociedade patriarcal, em que o poder está muito na mão do homem hetero, cis, branco, rico. Vai havendo uma representatividade maquilhada, nunca está em lugares de total decisão”, defende a directora artística do Teatro Municipal Amélia Rey Colaço. A resposta, acredita, passa pelo empoderamento pessoal e pela confiança na diferença. “Durante muito tempo respondi a mim com os padrões desta sociedade. Estou num caminho de desconstrução e de constante alerta.” Cláudia olha para si e para os seus sem rótulos: “Sou fruto de uma ligação entre Portugal, Goa, Cabo Verde e Guiné. O que é a norma na nossa vida é a diferença. Na minha casa tanto se come cozido à portuguesa como caril ou moamba.” Ser uma cara conhecida protegeu-a. “Não era automaticamente a preta, era a miúda que aparece não sei onde”, observa, lembrando que na pandemia, com máscara, já sentiu diferença no tratamento. É racismo – e é urgente combatê-lo. “Parece que estes temas não deviam ocupar o nosso tempo, mas são recentes enquanto discussão pública. Já para quem os vive são eternos”, afirma Cláudia, que integra um grupo de reflexão sobre o estado de Portugal, em conjunto com Marcelo Rebelo de Sousa. “Falamos muito e é muito bonito perceber até que ponto conseguimos despertar a Presidência e trazer alguma luz a lugares que muitas vezes estão fora das agendas políticas.” Cláudia Lima Carvalho

Raquel Lima: “É uma poeta, investigadora, e arte-educadora incrível. O seu primeiro livro – audiolivro, porque tem o lado da spoken word – chama-se Ingenuidade Inocência Ignorância. Ela tem uma visão sobre a contemporaneidade e sobre o lugar do corpo negro, e todos os outros corpos, muito interessante.” @raquel_palmira 

Roselyn Silva: “Nasceu em São Tomé e veio com quatro anos para Portugal. Quando se pensa nestas questões da ligação entre Portugal e África, ela é muito óbvia porque tem um trabalho óptimo e uma visão já muito dela. É uma artista que não se limita. O seu atelier fica no Chiado, no coração da cidade.” @roselyn_silva

Mariama Barbosa

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 655 — Inverno 2021

“Pau, pau, pau” não é só uma catchphrase que virou moda na hora de avaliar um look: é a definição perfeita de Mariama Barbosa, uma comunicadora nata, cheia de atitude e com uma energia contagiante. Nascida na Guiné-Bissau, veio para Portugal ainda em miúda. Hoje é embaixadora do Turismo e Artesanato da Guiné-Bissau. Um convite que chegou sem aviso há pouco tempo, mas que lhe encaixa que nem uma luva. “É um trabalho que já faço, falo imenso da Guiné em todo o lado.” O objectivo agora é “mostrar o que de bonito a Guiné-Bissau tem”. E não se refere apenas à parte turística, mas também à história e cultura. “Quero mostrar como somos alegres, simples, lutadores, trabalhadores.” Mariama é uma das protagonistas do programa Passadeira Vermelha e a cara de Tesouras e Tesouros, ambos na SIC Caras. Um rosto negro onde ainda falta diversidade, mas Mariama não quer ser olhada por isso. “É uma questão de personalidade e eu espero não ter sido convidada para preencher uma lacuna, isso é que seria racismo”, diz. “As pessoas têm de seravaliadas pela sua performance, pelo mérito e não pela cor. Quero mesmo que todos os negros se sintam capazes.” E não tem dúvidas de que saímos todos a ganhar da mistura de que é feita a cidade. Apesar do olhar confiante e do sorriso positivo, admite que nem todos os dias são fáceis. E relembra um episódio recente “super-racista”. “Se uma senhora que tem 60/70 anos me aborda de uma maneira tão racista e mesquinha, é isso que vai ensinar ao neto que vem puro. É uma bola de neve.” Nada que lhe tire a esperança. Até porque faz questão de dizer várias vezes: “Eu sou
completamente negra e não me vejo de outra forma. Tenho orgulho nisso.” Cláudia Lima Carvalho

C.R.T.D: “[O Miguel Marques da Costa] não é africano, mas produz camisas em África, no Quénia. Ajuda a economia local, cria emprego, é importante. Depois da marca [C.R.T.D], abriu a loja House of Curated, com criadores e marcas internacionais, também africanas.” Rua Presidente Arriaga, 174 (Bica). Seg-Dom 10.30-13.30 e 14.00-19.00

Karyna Gomes: “Adoro imenso a Karyna. É uma amiga de infância, já foi miss Guiné-Bissau, é cantora e compositora. Acho que é importante tê-la aqui representada. N’Na é o novo disco.” @karyna_gomes_oficial

Mariama Barbosa morreu a 29 de Julho de 2022.

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Neusa Sousa

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 654 — Outono 2021

Veio para Portugal aos 10 anos. É produtora de conteúdos no programa Bem-vindos, o talk show diário nas tardes da RTP África, e fundadora do Chá de Beleza Afro (@chadebelezaafro), um projecto que procura empoderar outras mulheres negras, com eventos, conversas e ciclos de debates. A ideia nasceu quando foi mãe. “Vi-me grávida, numa situação vulnerável, e como mais uma mulher negra em Portugal que vai trabalhar num trabalho precário, sem o pai da criança, a viver com os pais”, lembra Neusa. Desde então que luta para promover negócios e projectos de pessoas negras, sobretudo mulheres. “A conjuntura social em que vivem faz com que continuem a ser invisíveis e os seus negócios invisibilizados. É por isso que temos de falar deles”, diz. É natural de São Tomé e Príncipe, país
a que só regressou já adulta, mas com o qual tem uma relação muito forte. “Dentro da comunidade PALOP as mulheres são-tomenses são as que têm menos oportunidades, não estão tão visíveis. Por questões sociais, o patriarcado é bastante forte”. Hoje batalha contra o machismo a partir de Lisboa e foi a sede de conhecimento que a levou até ao mestrado de Estudos sobre as Mulheres, na FCSH – Universidade Nova de Lisboa. Pelas redes sociais, continua na missão de partilhar iniciativas de empoderamento feminino negro, uma luta de cada vez. A próxima edição do Chá de Beleza Afro, por exemplo, é dedicada ao mercado laboral. “Com a pandemia fomos vendo a vulnerabilidade em que a mulher negra se encontra no mercado de trabalho, a vários níveis”, afirma. Joana Moreira

Atelier Versatill Closet: “A Kenya [dona do Atelier Versatill Closet] era modelo e trabalhou muitos anos no mundo da moda. Com a experiência dela, mesmo com poucos recursos, conseguiu abrir um espaço e dar o primeiro passo. Acho que devia ser conhecida por não desistir de concretizar o seu sonho.” Amadora. Por marcação. 96 765 4187. @atelierversatiil_closet

Raquel Khira: “A Khira é uma cantora que sofreu de abuso sexual e violência doméstica durante oito anos e na transição de sair de casa do parceiro lançou-se enquanto cantora. É uma mulher que me inspira por ter passado por tanto e mesmo assim transmitir amor, paz e muito boa vibe. É difícil encontrarmos pessoas que passaram por situações marcantes e mesmo assim conseguem transmitir serenidade. Ela merece ter muito sucesso e tenho a certeza que vai chegar lá.” @khira_artist

DJ Rycardo aka Ricardo Maneira

Esta rubrica foi originalmente publicado na revista Time Out Lisboa, edição 653 — Verão 2021

Durante anos foi como DJ Rycardo que se deu a conhecer, mas é como Ricardo Maneira que se apresenta à frente do bar A Viagem das Horas, que abriu em Arroios. Se a pandemia o obrigou a parar de pôr música, também lhe deu a vontade de cumprir um sonho antigo. A música continua a ser peça fundamental deste bar que vai buscar o nome ao disco do brasileiro José Mauro. É possível ouvi-lo por lá, bem como à restante colecção do DJ. Os vinis são, aliás, parte da decoração, que se completa com garrafas de vinhos naturais, de pequenos produtores e com pouca intervenção, e as plantas da Bago Plant Shop, que também aqui estão à venda. Arroios não foi por acaso: “Tem esta mistura de nacionalidades. Nasci em Angola, sou angolano, mas também sou português. É o sítio certo”, afirma, rodeando-se da comunidade. Na carta, há petiscos que vêm do Templo Hindu e do Mezze. As sobremesas são da Zukar. E até as compras são feitas por ali: o pão vem da Terra Pão, o peixe da Peixaria Veloso. “Quero juntar-me a quem já faz coisas que são boas. Quanto mais juntos estivermos, mais fortes somos.” Forte é também a mensagem que quer passar: a de que também um negro pode abrir um negócio e seguir o caminho que ambicionou. “Isto é um acto de cidadania. Não haver muitos negros à frente destes negócios motivou-me. Temos um racismo estrutural que nos come todos os dias. E o facto de ter um espaço ou estar numa situação de privilégio não invalida que não sofra de racismo”, diz, esperando que A Viagem das Horas possa também ser um espaço de encontro de afrodescendentes. Para o futuro, não faltam ideias. Cláudia Lima Carvalho

Brooklyn: “É dos sítios onde mais gosto de ir comer a cachupa. É de um amigo meu, o Carlos, cabo-verdiano, que o abriu há alguns anos, num sítio nobre da cidade, a Praça da Alegria, onde não é suposto um negro abrir um negócio. É simbólico.” Praça da Alegria 35 (Avenida). 21 346 0201. Seg-Sáb 09.00-18.00

Afrolink: “É um trabalho magnífico que a [jornalista] Paula Cardoso faz, dando visibilidade aos invisíveis. Há tantos negros que são cientistas, por exemplo, e ela vai buscar essas histórias que pouca gente conhece. É um trabalho que merece ser conhecido. É útil até para empresas que queiram contratar trabalhadores afrodescendentes e que queiram criar uma representatividade. Ela tem esse papel. É mais uma das guerreiras mulheres, que são muitas, porque as mulheres negras têm um papel muito importante na luta contra o racismo.” 

Mais Lisboa Negra

  • Coisas para fazer

Música para dançar até de manhã, comida para aconchegar em qualquer altura, marcas inovadoras e projectos sociais. Há uma Lisboa a acontecer pelas mãos de pessoas negras que toda a gente deveria conhecer.

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