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Olga Roriz
ManuelManso

Olga Roriz: “É maravilhoso não estar sempre apaixonada”

Aos 63 anos, Olga Roriz diz estar no seu tempo. "A Meio da Noite", que chega ao Teatro Camões, é a sua homenagem a Ingmar Bergman, mas também a actores e bailarinos.

Escrito por
Miguel Branco
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Em 2018, Ingmar Bergman faria 100 anos. Olga Roriz conta 63. Altura ideal para se conhecerem melhor, trocarem impressões, gostarem-se. Bergman continua tão vivo quanto a vontade de Olga Roriz de continuar a criar, de continuar a dançar. Em palco, A Meio da Noite, conta a história de um grupo de intérpretes que estão a pensar fazer um espectáculo sobre Bergman. São as relações das pessoas. E esta é uma conversa sobre pessoas, com uma em especial que precisa de fazer outro solo. Que vai dançar outro solo. Embora não saiba se está autorizada a dançar.

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ManuelManso

Quando é que se encontrou com Bergman? Terá sido A Meio da Noite?
Não sei, sei que já me encontrei com o Bergman há muito tempo, na minha juventude. Lembro-me do Morangos Silvestres (1957), e do Persona (1966), e de não perceber nada do Persona. Achar que elas são lindas, tudo branco, tudo lindo, que raio era aquilo. Não é que fosse menos inteligente emocionalmente, pelo menos, do que sou agora, mas não me dei tempo.

Teria que idade?
Talvez no início dos 20. Nessa altura acho que ainda estamos muito apressados. Depois, ao longo da vida, fui vendo os filmes. Houve uma situação que foi muito importante para mim, em que vi, com a minha filha, no Festival Internacional de Teatro (dirigido pelo António Lagarto), a companhia dele, com a Marquesa de Sade. Nessa altura ainda não havia legendas, metiam-se uns auscultadores e faziam a tradução ao vivo. Lembro-me de dizer à minha filha: Sara, já te contei esta história, vamos ouvir a voz destas mulheres. Ela disse “claro que sim, não vamos usar aquilo”. Fomos as únicas duas pessoas no Teatro D. Maria II a não utilizar os auscultadores.

Importavam outras coisas.
Claro, interessava-nos o som daquelas mulheres, a língua, o sueco, é como os filmes dobrados, são horríveis, portanto, pelos vistos aí já estava apaixonada pelo Bergman. Fazer um espectáculo em torno dele era algo que já me tinha passado pela cabeça, mas outros projectos surgiram, agora com a celebração dos cem anos do seu nascimento e pensei que era a altura ideal para dar mais visibilidade ao projecto e ao próprio Bergman.

Temos falado pouco sobre o Bergman?
Muito pouco, basta pensar que a Cinemateca nem sequer tem os direitos, não consegue os direitos. E é que o Bergman não é só cinema, é literatura, é teatro, é muita coisa. Não sei se se dá Bergman na Escola Superior de Teatro e Cinema, espero que sim, no teatro e no cinema.

Esperemos que sim.
Esperemos que sim, é um exemplo de longevidade, de grande obra, e uma obra muito cruzada, ele escrevia para os seus filmes, traz o teatro para o cinema e aí é que ele é diferente. É um homem do teatro, da escrita, o que lhe interessava era a palavra e a relação entre as pessoas.

Como é que se dança essa palavra?
Exacto, essa foi a minha preocupação. Como é que entro no universo do Bergman... Não quis fazer um espectáculo bergmaniano, não era isso, era influenciar-me, tal como aos meus bailarinos, e perceber o que fazer com aqueles textos, porque também os utilizámos. Os diários, guiões dos filmes, as peças, que pontos de cruzamento é que nos mexia cá dentro. Mais ou menos um mês antes de ir para estúdio tinha delineado na minha cabeça o que queria fazer. Não no sentido de um alinhamento, mas um ponto de partida que tinha a ver com a própria construção do espectáculo.

Quando ouve Bergman o seu corpo tem uma reacção? Isto é possível?
Acho que não. Vejamos, o que o Bergman trabalha já ando a trabalhar há muito tempo, as relações entre as pessoas, os conflitos, as famílias disfuncionais, não é uma coisa nova para mim. Ao querer trabalhar o lado existencialista do ser humano o Bergman já lá está. Há uma coisa nova: inclui a imagem, o cinema, pela primeira vez. Quer dizer, já na Sagração da Primavera havia imagem, mas agora são imagens dos próprios intérpretes fora do espectáculo.

De onde veio essa ideia?
Antes de ir para estúdio quis pôr-me no papel do Bergman, então quis arranjar a minha ilha. E comecei a gravá-los de uma forma muito simples, grandes planos, quis aproximar a visão do público àqueles bailarinos, um outro lugar…

...um embrião, talvez.
Exactamente, onde estivemos meramente a sentir esse lugar do cinema, foi por aí. Só pedia aos bailarinos, que estavam contra uma parede, para irem do riso à raiva. Era uma coisa mais facial. Esse início pôs os bailarinos no lugar de actores, no lugar da imagem, da face, na atmosfera do que se estava a pedir. Vimos muitos filmes.

Juntos?
Sim. Por exemplo, víamos O Silêncio (1963) da parte da manhã e da parte da tarde fazia-se toda uma improvisação sobre o filme. Essa pesquisa foi muito importante.

ManuelManso

O Bergman dizia que gostava de trabalhar mais com mulheres, são melhores actrizes. Consigo é igual?
Não. Acho que tive fases na minha criação, que é normal, na [Ballet] Gulbenkian, nos anos 80, que gostava muito de trabalhar com homens. Mas é muito óbvio: tenho um gesto quase agressivo, sobretudo naquela altura, tinha muita força. O que não era muito normal uma mulher fazer, quando trabalhava com algumas bailarinas ela queixavam-se muito, faltava-lhes força, então trabalhava para os homens, que ficavam doces, sensuais. Depois achei que homens e mulheres eram iguais, houve uma evolução.

Isso significa que perdeu força?
Não, isso tem que ver com a minha vida. E vá lá, já estava há alguns anos na Gulbenkian, ou seja, elas já começavam a ter força. Eu não perdi força nenhuma. E cada vez mais há mais bailarinas com mais forças. A certa altura acho que percebi que o homem é o homem e a mulher é a mulher. Cada um tem o seu lugar.

Portanto, discorda com o Bergman, não acha que as mulheres são melhores actrizes?
A meu ver não. E, vamos lá ver, a mulher bailarina não é só actriz, cada vez se pede mais, mas não é só isso. Não sinto mesmo isso, os homens podem ser um bocado complexos. O homem é forte, ou quer ser forte, embora às vezes não seja nada, seja muito frágil.

Tem 63 anos. Sente esse peso?
Ainda não percebi se a idade é um peso ou uma leveza. Mas há sempre um peso, sim. Por exemplo, sexualmente... É uma coisa em que já não penso, já não penso assim, já passou para um sítio e agora tenho imenso tempo. A sério, não preciso de me apaixonar, não preciso de estar sempre apaixonada.

Era um requisito?
Sim, era muito chato. É maravilhoso não estar sempre apaixonada, não te sei explicar, há uma outra coisa. Está tudo certo, não é “ah coitadinha de mim”, nada disso, está tudo bem, estou bem.

Está no seu tempo.
Estou no meu tempo, pronto. Evidentemente que, como foi público, tive uma doença autoimune – ainda tenho, até porque ainda faço o meu tratamento, estou sempre preocupada com isso, a única coisa que ainda não está resolvido é que acho que ainda tenho que dançar.

E não pode.
Não...quer dizer, não é não posso, é não sinto o lugar, não sinto que…

Mas clinicamente está autorizada?
...não sei muito bem. Sei que estou autorizada a nadar todos os dias, autorizada ou quase obrigada. Mas o problema não é o dançar, é o criar em palco, é o criar um novo espectáculo. E não preciso de andar aí às cambalhotas, é óbvio. Ainda existe essa interrogação, embora já esteja a trabalhar nesse projecto. Portanto, cada vez ele está mais próxima.

Falamos de um solo?
Sim. Continuo a ter dúvidas. Enquanto 63 já é muito tempo para mim, até aos 80 posso estar muito bem para ir para o palco. Quando sentes que já há um limite na tua longevidade, mesmo que sejam vinte anos, isso muda qualquer coisa na tua vida. Há um fim. Até aos 50 e muitos não pensava nisto, agora começa a haver um countdown. É um bocado esquisito. 

Sobre o que é que pode ser esse solo?
Neste momento é sobre as minhas entranhas. Tenho todos os meus TACs, todas as minhas ressonâncias magnéticas, acho que isso tem que estar tudo lá. Do osso, da artéria, a pulsação, o sangue, a articulação.

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