A classe artística nunca parou de arranjar novas formas de se exprimir e mostrar trabalho ao longo desta pandemia. Enquanto as salas estiveram fechadas, apostaram as fichas todas na internet e no streaming. Até que, finalmente, o sector da cultura voltou a abrir as portas. Desde então, todas as semanas há propostas culturais de diferentes géneros, nascidas em diferentes épocas e com diferentes intenções. Muitas vezes com a chancela dos melhores criadores, companhias e salas. Por isso não tem desculpa: vá ao teatro.
O estúdio de fotografia no Alto de São João não tinha o tamanho de um palco ou de uma sala de ensaio, mas chegou para os bailarinos da Companhia Nacional de Bailado (CNB) se entrançarem numa torre humana uma e outra vez, em busca da posição perfeita. Eram nove corpos quase despidos, interligados até parecerem um único corpo. Dezoito pés, dezoito mãos, outras tantas pernas, outros tantos braços. Nada podia falhar naquela frágil pirâmide, como nada pode falhar no dia-a-dia na barra, em frente ao espelho, ou nas noites de espectáculo no Teatro Camões, em frente ao público. A perfeição era o mínimo, como é sempre.
Maria Rita Rodrigues (que assina apenas Maria Rita) nunca tinha trabalhado com modelos assim. A fotógrafa de moda lisboeta – que com apenas 36 anos já fez editoriais para gigantes como a KTZ, a Chanel, a Louis Vuitton ou a Levi’s, bem como para os portugueses Alexandra Moura ou Duarte – não tinha sequer uma relação assim tão próxima com o ballet. “A minha mãe tentou vestir-me um tutu quando era pequena e acho que ainda hoje se arrepende”, conta à Time Out Lisboa a propósito da campanha para a CNB que acaba de produzir. “O meu interesse em ballet surge com o meu interesse em moda – e consequentemente com o meu interesse sobre corpos e o movimento dos mesmos. Comecei por apreciar dança contemporânea, que depois me levou ao ballet contemporâneo. Vi alguns espectáculos da CNB nos últimos anos, mas não era uma espectadora assídua e muito menos entendida no assunto.”
Não era preciso. Não era o objectivo. À CNB interessava mais uma nova estética de comunicação – a estética de Maria Rita. “Desde os oito anos que tinha acesso a máquinas fotográficas e ia fotografando tudo à minha volta, mas era muito envergonhada e nunca fotografava pessoas”, lembra. A paixão e o talento ficaram numa gaveta durante muito tempo, optando por estudar Design de Moda. “Curiosamente, até ter entrado na licenciatura, não tinha grande interesse na área. Sempre adorei cinema e televisão e escolhi o curso com uma perspectiva mais virada para o figurinismo”, conta. Foi no final do curso na Faculdade de Arquitectura de Lisboa que recuperou a máquina fotográfica – para nunca mais a largar. “No último ano, com a apresentação do trabalho final, tivemos de apresentar também imagens e acabei por fotografar o meu projecto e mais alguns de outros colegas. Foi a primeira vez que percebi que talvez conseguisse juntar as duas áreas e fazer algo de que realmente gostava.” Tirou um curso de fotografia e voou para Londres para aprender mais sobre pós-produção. Só voltou três anos depois.
Talvez o figurinismo nunca tenha desaparecido completamente – e voltou a dar uns ares da sua graça neste trabalho mais recente. Foram Maria Rita e a sua equipa que trataram do styling e da mise en scéne para a produção fotográfica da CNB. “Pintámos o cenário, procurámos props e roupas que fizessem sentido. Até ao dia estava em dúvida se conseguiríamos fazer estas ideias funcionarem no meu estúdio, que não é assim tão grande”, confessa.
As ideias funcionaram. Muito graças à ajuda da equipa da CNB que acompanhou a sessão – “e que foi incrível na parte de coreografar as imagens” – e aos próprios bailarinos, claro. “Todos os bailarinos, sem excepção, foram incríveis”, descreve a fotógrafa. “Chegam ali e parece tudo muito fácil. Há uma noção do corpo muito grande e muita paciência para conseguirmos o melhor resultado final, talvez por estarem habituados a ensaios tão exigentes.”
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