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Jordan Peele, Get Out
Photograph: Justin Lubin

Jordan Peele: “O terror ajudou-me a lidar com os meus medos”

O comediante Jordan Peele também é um original realizador de filmes de terror. Falámos com ele antes da estreia de "Nós"

Phil de Semlyen
Escrito por
Phil de Semlyen
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Jordan Peele está em altas. Foge, a sua primeira longa-metragem, premiada com um Óscar, fez do actor/comediante/argumentista/realizador/produtor/cinéfilo uma estrela em Hollywood. E produzir BlacKkKlansman: O Infiltrado também não fez mal nenhum à sua carreira. À semelhança de Foge, o seu novo filme, Nós, que se estreia na quinta-feira, combina terror com um afiado comentário racial e social. À medida que a história se desenvolve, são dadas pequenas pistas e sucedem-se as citações visuais, forçando os espectadores a fazerem perguntas como: “Qual é o significado de ‘11:11’?” ou “Qual é a cena dos coelhos?” Basicamente, é o tipo de filme que uma pessoa tem vontade de ver outra vez quando chega ao fim, para perceber todas as coisas que não apanhou à primeira. Ao vivo, porém, Peele é um tipo descontraído, normal: pensa e leva o seu trabalho muito a sério, claro, mas tem sentido de humor e uma vontade genuína de partilhar a sua paixão pelo cinema de género com os seus interlocutores.

De onde vem o teu amor pelo cinema de terror?

Era uma criança e um adolescente muito medricas, e o terror ajudou-me a lidar com isso. Ajudou-me a desenvolver as ferramentas para manter os meus medos sob controlo. De certa forma, contar histórias de terror é ainda melhor. Sinto-me muito empoderado quando estou a contar histórias de terror.

Vias muitos filmes de terror em miúdo?

Alguns. Na altura, os pais do meu melhor amigo deixavam-no ver filmes de terror e ele tinha cópias da [revista de terror americana] Fangoria em casa. Esse foi o meu primeiro contacto com o género. Eu via umas coisas em casa dele, e durante o resto do tempo puxava pela minha imaginação.

Há algo que seja demasiado assustador para ti?

Não. Mas, provavelmente, os dois filmes mais angustiantes de que me lembro, assim de repente, são o [filme de terror extremista francês] Mártires e o Brincadeiras Perigosas [do realizador austríaco Michael Haneke]. Tanto um como o outro fazem-te sentir muito mal, miserável mesmo. Mas quando és meio doente, como eu, também te dão algum prazer, nem que seja pela execução da visão dos realizadores. A nossa resposta emocional ao terror é mais intensa do que qualquer outra coisa.

Os teus filmes precisam de ser vistos pelo menos duas vezes, dada a quantidade de pistas e ovos da páscoa que as cenas escondem.

Sou um grande fã de filmes que crescem em nós. O Christopher Nolan é um mestre a fazer filmes que ficam melhores sempre que os vês outra vez, porque estão cheios de camadas.

Há 15 ou 16 piões, como em A Origem, no Nós.

Eu sei, e talvez tenha exagerado um bocado, mas as pessoas gostam disso. Estou basicamente a divertir-me [com referências e piscares de olho a outros realizadores] e espero que haja uma quantidade quase infinita de coisas para o público discutir depois de ver o filme.

A Lupita Nyong’o está espectacular – no papel da heroína e da sua dupla maléfica. Como é que ela conseguiu fazer a voz assustadora com que a sósia dela fala?

O guião dizia apenas: “Ela começou a falar e a voz soava como se não tivesse sido usada durante anos.” A Lupita limitou-se a interpretar isso e assim que a ouvi soube que tínhamos ali uma antagonista como nunca se tinha visto.

Quão importante é o facto de termos uma protagonista negra num grande filme de terror?

Já houve umas quantas protagonistas negras em filmes de terror antes dela, mas interpretar a antagonista e a protagonista e trazer tamanha profundidade às personagens é um feito notável. Se bem que, em termos de representatividade, o mais importante é ser um filme de terror centrado numa família negra, que é algo que não se costuma ver.

Além de teu filho, o que te mantém acordado à noite?

Sabes uma coisa? O meu puto, o Beaumont, passa a noite toda a dormir. Por isso tenho dormido muito bem. A única coisa que me mantém acordado, às vezes, é ficar a ver televisão. Mas presumo que estivesses a falar no sentido figurado.

Também pode ser num sentido mais literal.

Andei a ver a Boneca Russa, que é uma série mesmo muito boa, e uma quantidade vergonhosa de episódios de uma programa chamado 90 Day Fiancé. Vejo demasiados reality shows. Aquilo é falso como tudo, mas mesmo assim é mais real do que qualquer outra coisa na televisão.

Sei que estás a produzir uma nova versão de O Assassino em Série (Candyman, no original). É um reboot? Uma sequela?

Estamos a chamar-lhe “uma sequela espiritual” e outras coisas complicadas para evitar responder precisamente a essa pergunta. Queremos que o filme possa ser visto por quem está familiarizado com o original e por quem nunca o viu.

No filme, se disseres "Candyman" cinco vezes enquanto te olhas ao espelho, ele aparece. Já tentaste fazê-lo?

Cheguei às quatro vezes, e depois parei. Mas tentei chamar a Bloody Mary quando era criança e não o recomendo a ninguém. Não sei se alguma vez tentaste, mas é suposto apagar as luzes, dizer o nome dela ao espelho três vezes e depois, teoricamente, surgir uma aparição.

Há uma cena do Nós com uma data de coelhos. Como é que diriges os animais?

Por sorte, posso simplesmente dizer para agirem como coelhos, o que significa que eles fazem cocó e acasalam enquanto nós filmamos. E não posso dizer que um bando de coelhinhos ninfomaníacos tenha arruinado as minhas cenas. Houve momentos desconfortáveis, mas pelo menos nenhum coelho sofreu durante a rodagem. Só eu é que sofri, porque acho os coelhos assustadores. É isso e baratas.

Mas tu não estás a interpretar um coelho no Toy Story 4?

Estou. É estranho, não é?

Pois. Tu e o Keegan-Michael Key, o teu parceiro em Key & Peele, dão a voz a dois novos personagens, o Coelhinho e o Patinho. O que é que achaste da experiência?

A Pixar encorajou-nos a recuperar a química da [série] Key & Peele, e improvisámos muito, mas não sei o que é vai mesmo entrar no filme. Se calhar não te devia contar esta história, mas eles mostraram-nos uma cena animada do Coelhinho e do Patinho a fazerem o sketch “I said… biiitch!” de Key & Peele. Foi do caraças.

E vais finalmente entrar um filme que podes mostrar ao teu filho...

Não, eu já mostrei o Foge ao meu filho de 15 meses, para ele ficar com uma ideia de como são as relações raciais. Vou esperar algum tempo antes de lhe mostrar o Toy Story 4. Não quero confundi-lo. [Risos.]

Conversa filmada

  • Filmes

J.K. Rowling continua a expandir o universo de Harry Potter, aliás, o seu passado, em Monstros Fantásticos: Os Crimes de Grindelwald, com realização de David Yates. E Jude Law é um jovem Albus Dumbledore no novo filme. Aproveitámos e falámos da magia de encarnar um personagem que faz parte do imaginário dos seus filhos. 

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