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Linn da Quebrada
©DR

Entrevista a Linn da Quebrada: “Sou terrorista do género por subverter essa lógica falocêntrica”

A cantora trans de funk brasileiro apresenta esta semana um documentário sobre a sua vida no Festival de Cinema de Berlim e vai esgotar a Galeria Zé dos Bois, no Bairro Alto, com um concerto na sexta, 2 de Março, o primeiro em Lisboa.

Escrito por
Clara Silva
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O documentário sobre a sua vida, Bixa Travesty, estreia agora em Berlim [concorre ao Teddy Award, o prémio para filmes LGBT]. De onde surgiu a ideia para o filme?

A ideia partiu dos realizadores, a Claudia [Priscilla] e o Kiko [Goifman], que queriam mostrar a actual cena LGBT da música underground de São Paulo. Eu entro aí como uma personagem que caminha por essa cena, conto minha trajectória, misturando ficção e documentário, num filme divertido, ao lado de grandes amigas [a cantora Liniker é uma delas], também artistas e figuras importantes desse movimento de resistência. É um filme que fala de uma cena específica, mas também diz muito sobre o momento actual que vivemos no Brasil.

Como é ser uma mulher trans neste momento no Brasil?

É um momento de rupturas e mudanças, um momento de novas formas de resistência. De arte como uma importante ferramenta de luta e mobilização. Um momento de novos entendimentos de nossas “mulheridades” e potências. Um momento de celebração e empoderamento de nossos corpos.

Quando é que descobriu que era uma mulher?

Sempre fui mulher, mesmo quando ainda não me entendia uma. Já sentia certas potências em mim. Na adolescência, quando passei a me montar, passei a me descobrir ainda mais e a entender que meu corpo era também minhas potências e possibilidades de transformação. Nessa altura era Testemunha de Jeová.

O que mudou depois de se assumir?

Fui desassociada da igreja por acreditarem que eu era uma “maçã podre” e poderia contaminar as demais. Lamentei a perda de amigos e pessoas queridas com quem convivia nessa época, mas entendi que minha mudança era também me posicionar diante disso, assumir minha vida e meu corpo como os sinto. Diz-se uma terrorista do género. Sou terrorista de género por subverter essa lógica falocêntrica que rege nossas relações sociais, afectivas e económicas. Eu tiro o macho do lugar de destaque e no lugar exalto os corpos feminizados. Com isso quero criar conexões entre as mulheres, como forma de afecto e protecção.

Quais são as suas armas?

Acredito que hoje em dia minha maior arma é minha arte, que funciona como veneno e antídoto para mim mesma. Foi compondo e cantando que consegui desentalar muitas coisas que estavam presas na garganta e esse desaguar me fortaleceu muito. Compartilhar isso com meu público também.

O seu álbum de estreia, Pajubá, lançado em Outubro de 2017, surgiu depois de uma campanha de crowdfunding.

Foi uma campanha intensa, com quase dois meses de duração e 104% da meta total alcançada. Os meus fãs entenderam que Pajubá também era um disco delas, sobre elas, para elas. Por isso foi um disco feito por todas, porque de facto é de todas.

O que significa Pajubá?

Pajubá é o nome que damos ao vocabulário de origem africana que, misturado ao português brasileiro, virou um idioma específico da comunidade LGBT no Brasil, com palavras próprias. Dei esse nome ao álbum justamente porque vi nele a oportunidade de reinventar linguagem, criar uma nova narrativa, contar nossa história a partir do nosso próprio ponto de vista. Pajubá é linguagem e criação de um novo imaginário.

Várias artistas brasileiras trans saíram da sombra no último ano e são agora bastante reconhecidas. A que se deve isso?

Ocupamos esse espaço pela falta de representatividade que sempre houve no Brasil. Surgimos e um grupo imenso de pessoas se identificou com nossas letras, se viu na gente e em nossa arte. Mas recuso o papel de diva, não acredito nisso. Nos meus shows sou apenas mais uma voz entre tantas outras, uma voz que quiseram manter em silêncio por muito tempo mas que agora não conseguem mais calar. Vai ser a sua primeira vez em Portugal.

O que podemos esperar deste concerto em Lisboa?

Sim, é minha primeira vez na Europa como um todo. Estou muito ansiosa para este show, acredito que nossa língua nos vai aproximar ainda mais. Podem esperar um show bem dançante e divertido, ‘pra todo o mundo sair suado de tanto dançar’. Vai ser uma delícia. 

Galeria Zé dos Bois. Rua da Barroca, 59. Sexta-feira, 2 de Março. 8€ (esgotado). Ansiamos por uma segunda data

Lisboa arco-íris

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