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The Reception - John Frederick-Lewis
©John Frederick-LewisThe Reception de John Frederick-Lewis

10 peças clássicas inspiradas pelo Oriente

Um concerto na Fundação Gulbenkian junta duas peças de Ravel inspiradas pela Scheherazade das Mil e Uma Noites. São duas das muitas obras que atestam o fascínio dos compositores ocidentais pelo Médio Oriente

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Hoje, aos olhos do mundo ocidental, o Médio Oriente tornou-se sinónimo de instabilidade política e social, guerras civis, regimes repressivos, decapitações, fundamentalismo islâmico, sharia, opressão feminina e terrorismo. No século XIX e no início do século XX, o Oriente tinha, aos olhos europeus, uma imagem bem mais sedutora, feita de climas cálidos, tradições pitorescas, roupagens e mercadorias exóticas, beldades ocultas atrás de véus, liberdade sexual (para os homens, entenda-se) e ócio (à custa dos escravos, claro), tudo envolto numa aura de mistério e fantasia (e, sobretudo, desconhecimento da realidade). O Orientalismo oitocentista teve forte expressão na pintura e na música, embora os temas “turcos” já se insinuassem na música europeia desde o século XVIII. A voga das “turqueries” musicais ganhou ímpeto quando, em 1699, em Viena, por ocasião da assinatura do Tratado de Karlowitz, em que o Império Otomano se viu forçado a fazer importantes cedências às potências europeias, os representantes otomanos levaram consigo uma banda de janízaros para abrilhantar as cerimónias (embora os termos do tratado não lhes dessem razão para festejos).

As duas Shéhérazades de Ravel emparelham com a Sinfonia n.º9 op.125, de Beethoven, num programa que terá como intérpretes Chen Reiss (soprano), Nora Gubisch (mezzo-soprano), Christian Elsner (tenor), Tareq Nazmi (baixo), o Coro & Orquestra Gulbenkian e direcção de Alain Altinoglu.

Fundação Gulbenkian, quinta-feira 27, 21.00, e sexta-feira 28, 19.00, 20-40€.

10 peças clássicas inspiradas pelo Oriente

Marche pour la Cérémonie des Turcs, de Lully

Ano e local de estreia: 1670, Château de Chambord (estreia privada) e Paris (estreia pública)

A “Marche pour la Cérémonie des Turcs” faz parte da comédie-ballet Le Bourgeois Gentilhomme, com texto de Molière e interlúdios musicais de Jean-Baptiste Lully, e providencia o ambiente musical para um embuste: Cléonte pretende casar-se com a filha do tolo e rico M. Jourdain, mas este, que só pensa na ascensão social, reserva a mão da filha para um gentilhomme. O rejeitado Cléonte regressa então sob o disfarce de filho do Grande Turco e M. Jourdain, deliciado com a perspectiva de se tornar sogro de tão nobre criatura, até aceita converter-se à fé muçulmana. A música de Lully respira pompa e dignidade, mas tem tanto de “turco” quanto o astuto Cléonte.

[Por Le Concert des Nations, com direcção de Jordi Savall]

Os Peregrinos de Meca, de Gluck

Ano e local de estreia: 1764, Viena

A acção desta ópera decorre no Cairo, onde o príncipe Ali vive acabrunhado, julgando que a sua amada Rezia faleceu. De nada servem os apelos dos amigos a que a esqueça, nem os encantos de duas escravas da favorita do sultão. Estas garantem que, embora os seus jogos de sedução não tenham conseguido demover Ali da fidelidade à sua extinta amada, a sua senhora saberá vencer a sua impassibilidade. Acontece que a favorita do sultão não é outra senão Rezia (prodigiosa coincidência!) e os dois amantes voltam a juntar-se. O sultão não acha piada ao surpreender a sua favorita enrolada com um desconhecido no seu harém, mas após peripécias várias, é posto a par da desdita que separou os amantes e da condição de príncipe de Ali e acaba por abençoar a reunião do casal – a figura do soberano magnânimo era recorrente numa época em que os monarcas eram os mais activos e generosos patrocinadores da ópera.

Os Peregrinos de Meca (La Rencontre Imprévue ou Les Pèlerins de la Mecque) estreou em Viena a 7 de Janeiro de 1764 e tem libreto baseado na peça de vaudeville Les Pèlerins de la Mecque (1726) de Louis Dancourt. A ópera conheceu grande sucesso pela Europa fora, foi adaptada para alemão e, em 1775, Haydn fez dela uma adaptação italiana, L’Incontro Improvviso, para o teatro de Esterháza. Em 1790, estreou em Paris como Les Fous da la Médine, um título que hoje colocaria, seguramente, a França a ferro e fogo.

[A abertura da ópera adopta o “estilo turco” e recorre a uma abundante secção de percussão “janízara”. Interpretação do Concerto Köln]

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Zaide, de Mozart

Ano e local de composição: 1780, Salzburgo

Esta ópera de Mozart é raramente apresentada, pois o compositor não a concluiu (não há abertura nem III acto). Pode ser vista como um primeiro ensaio para corresponder ao desejo do imperador José II de ver desenvolver um híbrido teatro/ópera cantada em alemão (Singspiel) e que chegaria a bom porto, dois anos depois, com O Rapto do Serralho. Tal como esta, decorre no harém do sultão e gira em torno das relações sentimentais entre escravos e escravas europeus e o sultão e os guardiães do harém. Mozart não deu título à ópera, sendo Zaide uma designação atribuída tardiamente.

[Ária “Ruhe Sanft, Mein Holdes Leben”, o trecho mais popular da ópera, por Mojca Erdmann (Zaide), no Festival de Salzburgo de 2006]

O Rapto do Serralho, de Mozart

Ano e local de estreia: 1782, Viena

É provável que Os Peregrinos de Meca, que em 1780 voltara a ser levada à cena em Viena, tenha inspirado os Singspiel Zaide e O Rapto do Serralho (Die Entführung aus dem Serail). Do que não há dúvida é que Mozart conhecia a ópera de Gluck, pois em 1784 compôs um conjunto de variações para piano (K 455) baseadas numa das árias da versão alemã da ópera, “Unser Dammer Pöbel Meinl”.

O Rapto do Serralho estreou, como a ópera de Gluck, no Burgteather de Viena, e o libreto de Christoph Friedrich Bretzner relata o reencontro de dois jovens europeus (Belmonte e Pedrillo) com as suas noivas (Konstanze e Blonde), que estão cativas no harém do Paxá Selim. Os dois intrépidos jovens começam por conseguir ludibriar o Paxá, mas a tentativa de resgate das noivas fracassa, devido à intervenção do malévolo guarda Osmin. Porém, Selim acaba por voltar atrás na decisão de torturar os cativos até à morte e, num gesto magnânimo, ordena a sua libertação, para desgosto de Osmin, que já estava a deleitar-se com as sevícias que iria infligir.

[Final de O Rapto do Serralho, na versão dirigida por Zubin Mehta, com Eva Mei, Patrizia Ciofi, Rainer Trost, Mehrzad Montazeri, Kurt Rydl e o Coro & Orquestra do Maggio Muusicale Fiorentino, registada no festival Maggio Muusicale Fiorentino de 2002]

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Rondo alla Turca, de Mozart

Ano e local de composição: 1783? Viena ou Salzburgo?

O célebre Rondo alla Turca (também conhecido como “Marcha turca”) é o III andamento da Sonata para piano n.º 11 K331. É uma de várias peças (ou trechos de peças) compostas na Europa Central no século XVIII que pretendem simular, de forma estilizada, as bandas de janízaros do exército otomano – é preciso lembrar que Viena fora sitiada por duas vezes, em 1529 e 1683, pelas forças otomanas e que o Império Otomano ocupava à data o que são hoje os Balcãs e parte da Hungria e Bulgária, pelo que “o Turco” não era uma abstracção distante. No tempo de Mozart, alguns pianos estavam equipados com um “registo turco” ou registo “janízaro”, que permitia produzir sons de percussão “típicos” das bandas de janízaros e há testemunhos do uso desse registo na execução do Rondo alla Turca.

[Por Alfred Brendel]

Marcha Turca, de Beethoven

Ano e local de estreia: 1811, Pest (Hungria)

Beethoven também compôs uma Marcha Turca, embora seja bem menos conhecida do que a de Mozart: faz parte da música de cena para a peça As Ruínas de Atenas (Die Ruinen von Athen), de August von Kotzebue, que inaugurou um teatro em Pest, a metade oriental da cidade hoje conhecida como Budapeste. Pest esteve sob domínio turco entre 1541 e 1686 (o Império Otomano reconheceu a sua perda através do acima mencionado Tratado de Karlowitz) e a peça traça um paralelo entre a luta contra o domínio turco na Grécia e na Hungria.

[Pela Philadelphia Orchestra]

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L’Italiana in Algeri, de Rossini

Ano e local de estreia: 1813, Veneza

Na visão ocidental do mundo islâmico, o harém concita um interesse desproporcionado (funcionando como projecção das fantasias sexuais dos machos europeus), que se converte em monomania no caso da ópera : é difícil encontrar uma ópera “oriental” que não tenha o harém por cenário. O libreto do dramma giocoso L’Italiana in Algeri, da autoria de Angelo Agnelli, não foge à regra; a principal inovação é que desta vez é o homem (Lindoro) o cativo e é a sua amada (Isabella) que, a coberto de um disfarce, procura resgatá-lo. O tom é de comédia e começa com Mustafá, Bey de Argel, a exprimir enfado perante um harém de carácter ovino e a planear passar a sua esposa, Elvira, para as mãos do seu escravo Lindoro, enquanto acalenta o sonho de obter uma rapariga italiana, que, julga ele, é o ingrediente de que necessita para apimentar a sua vida sexual. Porém, a tumultuosa e humilhante experiência que passará com Isabella acabará por fazê-lo jurar que não mais quererá saber de raparigas italianas e suplicar perdão à rejeitada Elvira.

[Finale do I acto, com Marilyn Horne (Isabella), Paolo Montarsolo (Mustafá), Myra Merritt (Elvira), Douglas Ahlstedt (Lindoro) e Spiro Malas (Haly, capitão dos corsários), Coro & Orquestra da Metropolitan Opera, direcção de James Levine, encenação de Jean-Pierre Ponnelle]

Scheherazade, de Rimsky-Korsakov

Ano e local: 1889, São Petersburgo

A suíte sinfónica em quatro partes Scheherazade inspira-se em As Mil e Uma Noites, mas, apesar dos títulos apostos a cada parte – “O Mar e o Navio de Sinbad”, “O Príncipe Kalandar”, “O Jovem Príncipe e a Jovem Princesa” e “Festa em Bagdad/ O Mar/ Naufrágio do Navio nos Rochedos” – o programa delineado pelo compositor é vago, como vago é também o aroma oriental. O que não impede que seja uma das obras de mais rico e faiscante colorido de todo o repertório.

[I andamento (O Mar e o Navio de Sinbad), pela Orquestra da Gewandhaus de Leipzig, com direcção de Kurt Masur, em Leipzig, 1993]

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Shéhérazade (ouverture de féerie), de Ravel

Ano e local de estreia: 1878, Paris

Foi a Scheherazade de Rimsky-Korsakov que impeliu Maurice Ravel (1875-1937) a conceber uma ópera sobre o tema, quando, com 22 anos, ainda era estudante do Conservatório de Paris. O projecto ficou-se por uma abertura (ou melhor, uma ouverture de féerie), que foi a primeira composição orquestral de Ravel e estreou em 1899.

[Pela Orquestra Sinfónica de Londres, com direcção de Claudio Abbado]

Shéhérazade (ciclo de canções), de Ravel

Ano e local de estreia: 1903, Paris

Apesar do fiasco do projecto operático, Shéhérazade continuou a acicatar a imaginação de Ravel, levando-o a compor em 1903 um ciclo de canções com o mesmo nome. As três canções – “Asie”, “L’Indifférent” e “La Flûte Enchantée” – usam poemas de Tristan Klingsor que retratam, como era usual na época, um Oriente de bilhete-postal. “Asie” exprime a vontade de ver “ilhas de flores”, “belos turbante de seda”, “mercadores de olhar matreiro, cádis e vizires”, “mandarins barrigudos sob guarda-sóis e princesas de mãos finas”, “assassinos que sorriem enquanto o carrasco decapita de um golpe um pescoço inocente com um grande sabre curvo” (este último quadro acabou por conhecer uma terrível materialização no nosso tempo).

[Por Régine Crespin e Orquestra da Suisse Romande, com direcção de Ernest Ansermet, 1963]

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A maioria dos filmes não é capaz de dispensar da música e algumas obras de compositores clássicos, umas já célebres, outras obscuras, têm sido chamadas a complementar as imagens, acabando, por vezes, por ficar associadas para sempre às películas.

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