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Cole Porter
©DRCole Porter ao Piano

10 versões clássicas de “Anything Goes”

Uma das canções mais trocistas de Cole Porter, que descreve um tempo de desnorte, em que vale tudo e nada causa escândalo, converteu-se num standard tocado por numerosos músicos de jazz

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Nos 83 anos que decorreram desde que foi escrita, os detalhes da letra original de “Anything Goes” converteram-se em enigmas indecifráveis, mas a sua essência não perdeu actualidade – muito pelo contrário.

Cole Porter (1891-1964), o autor da letra e da música, faz alusão, em tom satírico, a vários eventos escandalosos ou ridículos do show bizz e do jet set norte-americanos daquele tempo. Por exemplo, o filme Nana, uma produção de Samuel Goldwyn desse mesmo ano de 1934, que deveria ter imposto a actriz Anna Sten como uma rival de Greta Garbo, mas que foi um fiasco, em boa parte porque o inglês da ucraniana Sten era praticamente incompreensível – algo que só Goldwyn, nascido e criado na Polónia, não terá percebido.

Naturalmente, os cantores foram deixando cair estas referências à medida que foram ficando datadas e cingiram-se à parte intemporal da letra, o que faz com que a maioria das versões vocais dure pouco mais de dois minutos, uma brevidade que, pelo menos nos anos 50, parece ter contagiado também as versões instrumentais.

A letra diz-nos que muito mudou desde que os puritanos do Mayflower desembarcaram em 1620 em Plymouth Rock (no que é hoje o Massachusetts), evento que é visto como um momento fundador na história dos EUA. Queixa-se Porter de que “Em dias passados, entrever umas meias/ Era tido como algo de chocante/ Mas hoje, sabe Deus/ Vale tudo/ Os escritores de renome, que em tempos eram educados/ Agora só usam palavras ordinárias/ Na escrita da prosa/ Vale tudo/ O mundo de hoje enlouqueceu/ O bom é mau/ E o preto é branco/ E a noite é dia/ Neste tempo em que os homens/ Que as mulheres mais prezam/ São gigolôs tontos”.

A canção fez parte do musical homónimo estreado em 1934, que continha duas outras canções que também se converteram em standards, “I Get a Kick Out of You” e “You’re the Top”.

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10 versões clássicas de “Anything Goes”

Cole Porter

Ano: 1934
Álbum: Cole Porter: A Centennial Celebration (RCA)

Uma verdadeira raridade: é o próprio compositor que canta, acompanhando-se ao piano, no ano da estreia da canção. A letra é a original, retendo os muitos versos omitidos nas versões posteriores.

Helen Merrill

Ano: 1955
Álbum: Helen Merrill with Strings (EmArcy)

Nesta versão de “Anything Goes”, Merrill escolhe uma abordagem invulgarmente lenta e suave e uma articulação pausada e meticulosa, que, em vez de atenuarem a ironia da letra, acabam por a realçar. E se é verdade que, no trecho “When most guys today/ That women prize today/ Are just silly gigolos”, o recato a faz substituir “gigolos” por “Romeos”, no final ela acrescenta, em tom malicioso: “Qualquer coisa que me queiras fazer, querido, está bem para mim.”

A sessão de Outubro de 1955 conta com um quarteto com Hank Jones (piano), Barry Galbraith (guitarra), Milt Hinton (contrabaixo) e Sol Gubin (bateria) e uma orquestra de cordas arranjada e dirigida por Richard Hayman (a que se soma algo que soa como um clarinete-baixo, logo no início de “Anything Goes”).

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Frank Sinatra

Ano: 1955-56
Álbum: Songs for Swingin’ Lovers! (Capitol)

Songs for Swingin’ Lovers! foi o quarto álbum da ditosa colaboração entre Sinatra e o orquestrador e maestro Nelson Riddle e é dominado por canções de tempos médios e rápidos e uma toada mais jazzística e exuberante do que a média dos álbuns anteriores.

Chris Connor

Ano: 1956
Álbum: Chris Connor (Atlantic)

Chris Connor já tinha gravado cinco álbuns para a Bethlehem, em 1954-55, quando se estreou na Atlantic com o álbum Chris Connor (que marcou a estreia da editora no jazz vocal). O álbum reúne material de três sessões diferentes, uma com orquestra de 19 elementos arranjada por Ralph Burns, outra mais intimista, com um quarteto liderado pelo pianista John Lewis, e outra com um decateto de que fazia parte Zoot Sims. Foi com este último que Connor gravou "Anything Goes”, a 8 de Fevereiro de 1956.

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Ella Fitzgerald

Ano: 1956
Álbum: Sings the Cole Porter Songbook (Verve)

Cole Porter foi o autor escolhido por Norman Granz para inaugurar a série American Songbook e, ao mesmo tempo, o catálogo da sua editora. A série, que se estenderia até 1964 (com o Johnny Mercer Songbook) iria ficar como o maior feito da prolífica carreira de Ella e um marco na história do jazz vocal. Nestes dois LPs, gravados em Fevereiro-Março de 1956 e contendo 32 canções, Ella contou com o respaldo de uma orquestra arranjada e dirigida por Buddy Bregman.

Quando o disco foi editado, Granz fez questão de o levar, em pessoa, a Cole Porter, que terá emitido apenas este comentário: “Que dicção maravilhosa tem esta rapariga”. É verdade, mas a “rapariga” tinha muito mais do que isso.

Sonny Criss

Ano: 1956
Álbum: Sony Criss Plays Cole Porter (Imperial)

Apesar de uma carreira de três décadas como líder – de California Boppin’ (1947) a The Joy of Sax (1977) – o saxofonista alto Sonny Criss nunca alcançou grande visibilidade, embora os seus discos da década de 50 tenham sido bem recebidos pela crítica. Foi o caso deste álbum dedicado a composições de Cole Porter, que inclui uma versão de “Anything Goes” com Sonny Clark (piano), Larry Bunker (vibrafone), Buddy Woodson (contrabaixo) e Lawrence Marable (bateria).

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Dakota Staton

Ano: 1958
Álbum: Dynamic! (Capitol)

A cantora Dakota Staton, acompanhada por um combo dirigido por Sid Feller, dá-nos uma versão zombeteira e muito viva de “Anything Goes”, uma disposição que parece contagiar a trompete.

Gerry Mulligan & Stan Getz

Ano: 1957
Álbum: Gerry Mulligan Meets Stan Getz (Verve), também editado como Mulligan Meets Getz in Hi-Fi

Os álbuns em colaboração que, na década de 1950, o saxofonista barítono Gerry Mulligan, lançou com outros nomes grandes do jazz, são quase todos indispensáveis e a reunião com o saxofonista tenor Stan Getz não é excepção. “Anything Goes” é atacado com invulgar ímpeto pelos dois sopradores, sustentados pela efervescente secção rítmica formada por Lou Levy (piano), Ray Brown (contrabaixo) e Stan Levey (bateria).

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Count Basie & Tony Bennett

Ano: 1959
Álbum: Basie Swings, Bennett Sings (Roulette), reeditado como Strike Up the Band

Em 1959, Tony Bennett gravou dois álbuns com a orquestra de Count Basie, In Person! para a Columbia, e Basie Swings, Bennett Sings para a Roulette. Não sendo uma versão que possa comparar-se às de Ella, Sinatra ou Merrill, é bem melhor do que a que viria a gravar, 64 anos depois, com Lady Gaga, para o álbum em dueto Cheek to Cheek e em que ambos passam a maior parte do tempo a berrar para disfarçar quão limitadas são as qualidades vocais (as dele porque as perdeu, ela porque nunca as teve). Se Porter os ouvisse comentaria “Anything goes!”.

Martial Solal

Ano: 1960
Álbum: The quintessence. Paris 1956-1962 (Frémeaux & Associés)

Esta versão traquinas de “Anything Goes” foi registada a solo por Martial Solal, um pianista francês nascido em 1927 na Argélia, que descobriu o jazz com os soldados americanos que desembarcaram no Norte de África em 1942 e se estreou em disco como líder em 1953 e soube manter uma carreira de invulgar vitalidade e irreverência até ao final da primeira década do século XXI. As sessões a solo registadas em 1960, em Paris, podem ser encontradas em várias compilações, nomeadamente na que se menciona acima.

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