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Kurt Cobain by Jesse Frohman
Photograph: CourtesyJesse FrohmanKurt Cobain

Cinco canções sobre cantores

As estrelas do pop-rock tornam-se, por vezes, no assunto do próprio pop-rock, umas vezes sob a forma de homenagem sentida, outras como comentário irónico. Eis cinco amostras

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Dave Grohl a homenagear nos Foo Fighters o seu ex-parceiro dos Nirvana, Kurt Cobain, nada tem de inesperado. O mesmo não pode dizer-se quando os Sonic Youth evocam a figura de Karen Carpenter, do duo The Carpenters, ou quando os American Music Club depõem as suas canções aos pés do crooner Johnny Mathis. Descubra nesta lista cinco canções sobre cantores, sejam homenagens sentidas ou comentários irónicos. 

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Cinco canções sobre cantores

“The Beatles and The Stones”, de The House of Love

Figuras: The Beatles (1960-70) e The Rolling Stones (1962-?)

Por vezes esquecemo-nos de como a “youth culture” é um fenómeno muito recente e que foi na década de 1960 que se operaram mudanças dramáticas que autonomizaram a “cultura jovem” e a puseram em colisão com o establishment. A música pop desempenhou papel decisivo nessa mudança de comportamentos e mentalidades – a que não será excessivo chamar “revolução” – e os Beatles e os Stones, as bandas mais populares dessa década junto dos jovens, foram nela actores principais. Já em 1967, no poema “Annus Mirabilis”, Philip Larkin reconhecia o papel desempenhado pela pop na evolução das convenções sexuais, com os célebres versos “Sexual intercourse began/ In nineteen sixty-three/ Between the end of the ‘Chatterley’ ban/ And the Beatles’ first LP”.

[“Revolution”, pelos Beatles, ao vivo, em 1968, nos Twickenham Film Studios]

Mais de duas décadas passadas sobre os eventos, os londrinos House of Love, lançaram esta canção sobre o que terá sido ser adolescente na década de 60 (algo que eles eram novos demais para terem experimentado). “The Beatles and the Stones” faz referência à contestação à Guerra do Vietname, mas também sugere que a música pop também acabou por promover o individualismo e a solidão – “made it good to be alone”. A canção, cujo single chegou ao lugar 36 do top britânico, faz parte do segundo álbum da banda, The House of Love (1990), por vezes designado por “Butterfly” para o distinguir do primeiro, com o mesmo título, de 1988. Os House of Love, apesar da sua sonoridade enraizada no pós-punk britânico dos 80s, tinha influências de Beatles e a banda incluiu uma cover de “It’s All Too Much” no EP Feel (1992).

“Roy”, dos Animals That Swim

Figura: Roy Orbinson (1936-1988)

Roy Orbison era apenas um ano mais novo do que Elvis e foi fortemente influenciado por ele. Partilha com o Rei a distinção de ter sido o único músico americano morto a ter dois álbuns em simultâneo no top 5 dos EUA (aconteceu em 1989).

[“Only the Lonely”, de Roy Orbinson e Joe Melson, foi o primeiro grande êxito de Orbinson, em 1960, chegando a n.º 1 no top britânico e n.º 2 do top dos EUA. Antes de decidir cantá-la ele mesmo, Orbinson tentou vender a canção a Elvis Presley e aos Everly Brothers]

“Roy”, lançado em 1993, foi o segundo single dos londrinos Animals That Swim e faria parte do álbum de estreia, Workshy, lançado no ano seguinte. A canção reproduz um diálogo entre o fantasma de Roy Orbinson e Hugh Barker (o vocalista dos Animals That Swim), que se cruza com ele num clube nocturno.

“Ei, eu conheço este gajo, pensei que este filho da mãe já estivesse morto.... Ei, Roy, tu és uma grande estrela!”; “Tens razão filho, eu deveria ter sido maior do que Elvis, canto como um pássaro e escrevo as minhas próprias letras, perdi a oportunidade porque sou demasiado feio”; “Vá lá , Roy, tens toda a fama de que precisas”; Orbison queixa-se de não se encaixar no presente – “A música é demasiado ruidosa e ninguém sabe cantar” – e retoma a sua queixa ressabiada: “Perdi a minha oportunidade por não ser tão giro como o Rei; até conheci Priscilla antes dele, tinha apenas 12 anos e era encantadora, tal qual Dorothy, de O Feiticeiro de Oz“ – o fantasma de Roy refere-se a Priscilla Beaulieu, que Elvis conheceu com apenas 14 anos e que, em 1967, se casaria com ele. E conclui: “Esse Presley foi o traste mais imbecil que alguma vez conheci, era incapaz de escrever a porra de uma nota – deveria ter sido eu e as canções que compus...”

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“Johnny Mathis’ Feet”, dos American Music Club

Figura: Johnny Mathis (n. 1935)

Johnny Mathis não é um cantor muito popular por estes lados, mas os 350 milhões de discos que vendeu fazem dele o 3.º maior sucesso comercial entre os músicos do século XX. Se tivesse seguido a carreira de saltador em altura, como esteve para fazer aos 21 anos, dificilmente conseguiria chegar tão alto. O seu primeiro álbum, Johnny’s Greatest Hits (1958), chegou ao 1.º lugar do top dos EUA e andou por lá durante 490 (quatrocentas e noventa) semanas. A discografia de Mathis é copiosa – houve anos, como 1970, em que lançou três álbuns – e embora tenha abrandado o ritmo de trabalho, continua no activo: o seu álbum mais recente, Sending You a Little Christmas, foi gravado em 2013, aos 78 anos.

[“Raindrops Keep Falling on My Head”, por Johnny Mathis, ao vivo em Paris, em 1975]

O universo de Mark Eitzel, dos American Music Club, não poderia ser mais distante do deste entertainer de casino de voz oleosa: de um lado, negrume, fracasso, fatalismo e auto-irrisão, do outro o brilho cintilante de Las Vegas, uma jovialidade asinina e uma auto-confiança petulante. “Johnny Mathis’s Feet” é uma desconcertante mistura de grandiosidade trágica e ironia, em que Eitzel se apresenta depondo as suas canções aos pés de Mathis e pedindo-lhe que lhe diga que rumo dar à vida, quando as suas esperanças se desfazem e o amor e a serenidade lhe escapam entre os dedos. Mathis olha para as canções e responde-lhe: “Bem, assim à primeira, diria que nunca na vida/ Vi tamanha trapalhada/ Porque dizes tudo como se fosses um ladrão? Como se o que roubaste não tivesse valor,/ Como se o que pregas não fosse digno de crédito?”. E com um aceno da sua mão coberta de pedrarias, que abarca o faiscante cenário de Las Vegas, Mathis aconselha: “Tens de aprender a desaparecer no meio da seda e das anfetaminas”.

A canção, complementada por secção de cordas e com arranjos invulgarmente grandiosos para o que é usual nos American Music Club, faz parte de Mercury (1993), o sexto álbum – e o de produção mais elaborada – da carreira da banda.

“Tunic (Song for Karen)”, dos Sonic Youth

Figura: Karen Carpenter (1950-1983)

O duo The Carpenters era formado por Karen Carpenter, no duplo papel de baterista e vocalista, e pelo irmão Richard, que se ocupava dos teclados, e praticava uma pop macia e açucarada. A carreira de sólido sucesso comercial dos Carpenters sofreu um interregno em 1979, quando Richard foi internado para tratar um problema de toxicodependência. O regresso às lides resultou no 10.º álbum do duo, Made in America (1981), que vendeu 200.000 exemplares. Em 1982 foi a vez de Karen procurar (finalmente) auxílio para o seu persistente problema de anorexia nervosa. Conseguiu ganhar algum peso (depressa demais: 14 Kg em oito semanas) e acabou por sucumbir, a 4 de Fevereiro de 1983, a problemas cardíacos decorrentes da anorexia.

[The Carpenters apresentam “Top of the World” “ao vivo” na TV francesa, algures em 1981, num playback patético, com Richard a fingir tocar piano de cauda, que não é nenhum dos muitos instrumentos que se ouve]

Em 1990, os Sonic Youth incluíram no álbum Goo a canção “Tunic”, cantada/declamada pela baixista Kim Gordon: “Outra salada, outro ice tea/ Há uma túnica no guarda-fatos que está à minha espera/ Sinto que estou a desaparecer, a ficar mais pequena a cada dia/ Mas quando me olho no espelho estou a ficar maior a cada dia”.

A canção, que mistura tragédia e ironia e cujas guitarras distorcidas geram um ambiente onírico e inquietante, aborda a anorexia em abstracto, mas também faz referências ao caso específico de Karen Carpenter.

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“Friend of a Friend”, dos Foo Fighters

Figura: Kurt Cobain (1967-1994)

Cobain fundou os Nirvana em Aberdeen, estado de Washington, em 1987, com o baixista Krist Novoselic, e o primeiro álbum, Bleached, surgiu dois anos depois. Após várias mudanças de baterista, a formação estabilizou e consolidou-se com a entrada de Dave Grohl para o posto em 1990. Seguir-se-iam os álbuns Nevermind e In Utero e mais fama e atenção dos media e do público do que Cobain era capaz de suportar: a tournée europeia no início de 1994 teve de ser cancelada quando ele colapsou sob o efeito combinado de drogas e álcool. A 8 de Abril, suicidou-se com um tiro de caçadeira na sua casa em Seattle. Alguns meses volvidos, Novoselic e Grohl enveredaram pelos seus próprios projectos, os Sweet 75 e os Foo Fighters, respectivamente. [“Drain You”, pelos Nirvana, no último concerto da banda, no Terminal 1, em Munique, a 1 de Março de 1994, cinco semanas antes da morte de Cobain]

É perfeitamente natural que a morte inesperada de um músico na flor da idade leve os seus amigos e colegas de banda a escrever uma canção em sua homenagem. Porém, “Friend of a Friend” não é o que parece. Por um lado, estranhar-se-á que a canção tenha surgido 11 anos após a morte de Cobain (faz parte da metade acústica, do álbum In Your Honor, de 2005). Na verdade, a canção foi composta por Dave Grohl em 1990, logo quando se juntou aos Nirvana, e expressa a sua primeira impressão sobre Cobain. Cobain era o dínamo criativo dos Nirvana, pelo que as incursões de Grohl na composição se mantiveram abaixo da superfície até à inesperada revelação dos seus talentos com o álbum de estreia dos Foo Fighters, em 1995. “Friend of a Friend” andou, pois, pelo fundo das gavetas durante muito tempo – surgiu em Pocketwatch, uma obscura cassette editada por Grohl sob pseudónimo, em 1992 – até Grohl se ter decido a regravá-la sob o nome de Foo Fighters (embora nela apenas figurem a sua voz e a sua guitarra acústica).

“Ele toca numa velha guitarra/ Com uma moeda encontrada junto ao telefone/ Era uma guitarra emprestada/ Por um amigo/ [...] Acho que ele bebe demais/ Porque ele diz aos seus dois melhores amigos/ ‘Acho que bebo demais’ [.../ Quando ele toca/ Ninguém fala/ Ninguém fala”.

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