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Alexei Volodin
©Marco BorggrevePianista Alexei Volodin

Dez concertos para piano que tem de ouvir

A apresentação em Lisboa de Alxei Volodin serve para recordar que muitos compositores investiram no concerto para piano a sua melhor inspiração.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O pianoforte, o grácil antepassado do robusto instrumento que hoje conhecemos como piano, foi inventado por Bartolomeo Cristofori no início do século XVIII, mas levou algum tempo até que pudesse contestar a hegemonia do cravo e os compositores começassem a escrever peças destinadas especificamente a ele. Os meados do século XVIII foram um período de transição em que os concertos se destinavam a um instrumento de tecla que tanto pode ser o cravo como o pianoforte, daí que seja impossível apontar uma obra, entre as que foram compostas nesta altura pelos filhos de Johann Sebastian Bach, Georg Christoph Wagenseil (1715-77) ou Carl Friedrich Abel (1723-87) como sendo “o primeiro concerto para piano da história”. A evolução acelerada que o do pianoforte sofreu no terceiro quartel do século XVIII acabou por convertê-lo num instrumento com características bem demarcadas do cravo, ao mesmo tempo que acabou por ditar a extinção deste.

Recomendado: Mozart por Volodin

Dez concertos para piano que precisa de ouvir

Mozart: Concerto n.º 26 K.537

Ano: 1788

Mozart compôs 27 concertos para piano (incluindo um para dois pianos e outro para três pianos) e foi ele mesmo que estreou a maioria dos concertos em espectáculos por ele organizados. O n.º 26 foi terminado em 24 de Fevereiro de 1788 e não se sabe onde e quando foi estreado. O primeiro registo existente da sua execução data de Abril de 1789, quando Mozart o tocou na corte imperial de Viena. A execução pública que fez com que ganhasse o título “Coroação” teve lugar mais de dois anos e meio após a sua conclusão: foi por altura da coroação de Leopoldo II como Sacro Imperador Germânico, em Outubro de 1790, em Frankfurt.

[III andamento (Allegretto), por Friedrich Gulda (piano e direcção) e a Orquestra Filarmónica de Munique]

Beethoven: Concerto n.º 5 op.73 “Imperador”

Ano: 1811

Os primeiros concertos para piano de Beethoven ainda reflectem a herança estilística de Mozart e Haydn (que também deixou alguns concertos para tecla, bem menos populares do que os de Mozart), mas quando chegou ao n.º 5, já tinha operado uma redefinação do género. O público da época começou por recebê-lo com pouco entusiasmo, não sendo capaz de compreender inteiramente as novas vias que o compositor desbravava. O concerto, como o n.º 4, foi dedicado ao Arquiduque Rodolfo, ex-aluno de piano de Beethoven e seu mecenas, e algumas fontes indicam que terá sido Rodolfo a estreá-lo, num concerto privado no palácio do príncipe Lobkowitz, em Viena, a 13 de Janeiro de 1811. O cognome “Imperador” não é da lavra de Beethoven – que lhe chamou “Grand Concerto” – mas do editor da obra na Grã-Bretanha.

[III andamento (Allegro ma non troppo), por Alfred Brendel e a Filarmónica de Nova Iorque, com direcção de Kurt Masur, num concerto no Lincoln Center, 1996]

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Schumann: Concerto op.54

Ano: 1845

Atendendo a que a maioria dos compositores do Romantismo foram grandes pianistas ou até virtuosos do instrumento, é de estranhar a magreza da produção de concertos ao longo do século XIX: Schubert 0, Chopin 2, Liszt 2, Mendelssohn 2, Brahms 2, Grieg 1. Schumann compôs apenas um, em 1845, que dedicou ao compositor Ferdinand Hiller. Foi a sua esposa, Clara, exímia pianista, a estreá-lo a 1 de Janeiro de 1846 na Gewandhaus de Leipzig (e empregando como I andamento a reciclagem de uma Fantasia para piano e orquestra que Schumann compusera para Clara 15 anos antes).

[Por Martha Argerich e a Orquestra da Gewandhaus de Leipzig (a mesma orquestra da estreia em 1846), com direcção de Riccardo Chailly, num concerto na Gewandhaus de Leipzig, a 2 de Junho de 2006, no dia do 250.º aniversário da morte do compositor]

Liszt: Concerto n.º 1

Ano: 1849

Contrastando com a facilidade sobre-humana com que Liszt enfrentava as mais espinhosas partituras, o seu primeiro concerto para piano teve uma génese inesperadamente demorada: os primeiros esboços datam da década de 1830, quando tinha 19 anos, mas só em 1839-40, durante a sua estadia em Roma começou a trabalhar nele seriamente. Só ficaria concluído em 1848-49 e a estreia teria de esperar ainda seis anos: teve lugar em 1855, em Weimar, com o compositor no piano e Hector Berlioz a dirigir a orquestra.

[Por Lang Lang e a Orquestra Sinfónica da BBC, com direcção de Edward Gardner, na Last Night of the Proms 2011, no Royal Albert Hall; é uma interpretação plena de panache, mas é preciso dar um desconto às expressões e gesticulações de Lang Lang]

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Tchaikovsky: Concerto n.º 1 op.23

Ano: 1875

Atendendo ao apreço de que goza entre músicos, críticos e públicos, custa a crer que tenha recebido críticas tão ásperas quando, na véspera de Natal de 1874, o compositor, que era um pianista competente mas não um virtuoso, tocou o Concerto para piano nº1 para o célebre pianista Nikolai Rubinstein. Tchaikovsky pretendia dedicar o concerto a Rubinstein e esperava conselhos quanto a questões estritamente pianísticas. Em vez disso o que recebeu foi uma torrente de impropérios: Rubinstein declarou o concerto repelente, imprestável, intocável, fragmentário, desajeitado, incompetente, ordinário – e, aqui e ali, até tinha plágios de outros compositores. Já mais calmo, Rubinstein apresentou uma extensa lista de alterações como condição para que ele desse ao compositor a honra de o interpretar. Tchaikovsky respondeu que não mudaria uma única nota. O tempo deu-lhe razão: o concerto, que foi estreado por Hans von Bülow em Boston, a 25 de Outubro de 1875, tornou-se num dos mais ouvidos e apreciados.

[Por Evgeny Kissin e a Orquestra Sinfónica de Boston, dirigida por Seiji Ozawa, no Carnegie Hall, Nova Iorque, 1995]

Brahms: Concerto n.º 2 op.83

Ano: 1881

O primeiro concerto para piano de Brahms teve um parto longo – ocupou Brahms entre os 21 e os 25 anos – e difícil – foi uma sinfonia e uma peça para dois pianos, antes de assentar no formato final, em 1858 – e não suscitou grande entusiasmo entre o público. É possível que o tortuoso processo de composição e o acolhimento frio tenham contribuído para que o n.º 2 só tenha surgido mais de duas décadas depois, estreando em 1881, em Budapeste, com o compositor ao piano, após três anos de labor em torno da partitura. Desta feita, os seus esforços foram compensados, pois a obra foi bem acolhida e Brahms teve oportunidade de tocá-la várias vezes pela Europa fora.

[Por Maurizio Pollini e a Filarmónica de Viena, com direcção de Claudio Abbado, 1977]

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Rachmaninov: Concerto n.º 2 op.18

Ano: 1901

A carreira de Rachmaninov como compositor começara cedo – com o Concerto para piano n.º 1, composto em 1891, com 18 anos, quando ainda era aluno do Conservatório de Moscovo – mas sofreu um interregno entre 1897 e 1900. A razão para o silêncio foi a recepção arrasadora que teve a sua Sinfonia n.º1, em 1897 – Rachmaninov estaria consciente de que a culpa era menos da obra do que da direcção de Glazunov, compositor competente mas maestro inepto, mas tal não impediu que perdesse a confiança nas suas capacidades e ficasse bloqueado perante a partitura em branco. A salvação veio do Dr. Nikolai Dahl, que já tratara com sucesso uma tia do compositor. Através da hipnose, o Dr. Dahl conseguiu fazer com que Rachmaninov saísse da depressão e se lançasse na composição do Concerto para piano n.º2, que estreou em 1901 em Moscovo, com o compositor como solista. Reconhecido, Rachmaninov dedicou a obra a Dahl.

[Concerto n.º 2 de Rachmaninov, por Hélène Grimaud, com a Orquestra do Festival de Lucerne, dirigida por Claudio Abbado]

Prokofiev: Concerto n.º 2 op.16

Ano: 1913, revisto em 1923

Sergei Prokofiev (1891-1953) foi, com Rachmaninov (1873-1943) e Bartók (1881-1945), um dos mais respeitados pianistas de concerto do início do século passado. É natural que os seus concertos para piano sirvam também de veículo para o seu virtuosismo – e em nenhum outro tal é tão patente como no n.º 2, composto em 1912-13 e estreado pelo próprio compositor em Pavlovsk, em 1913. Prokofiev tinha apenas 22 anos e atravessava então a sua fase “futurista”, caracterizada por música de natureza percussiva, agitada e desafiadora dos cânones. Nunca saberemos a que soava exactamente este concerto, pois a partitura acabou por se perder num incêndio e Prokofiev teve de reconstituí-la de memória em 1923, altura em que terá inserido substanciais alterações (Prokofiev declarou mesmo que era como se fosse um novo concerto).

[IV andamento (Allegro tempestoso), por Vladimir Ashkenazy, com a Orquestra Sinfónica de Londres, dirigida por André Previn (Decca). “Tempestoso” é a palavra justa ]

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Ravel: Concerto para a mão esquerda

Ano: 1929

Defendia Ravel que um concerto deve ser “alegre e brilhante e não procurar profundidade e efeitos dramáticos”. Se o Concerto para piano em sol maior cumpre este programa, o Concerto em ré maior para a mão esquerda é assunto mais sério. Os dois concertos foram compostos em simultâneo, em 1929, são ambos de elevada exigência virtuosística e ambos têm influências do mundo vibrante do jazz, mas o Concerto para a mão esquerda nasceu de uma encomenda insólita: o pianista Paul Wittgenstein (irmão do mais conhecido filósofo Ludwig) perdera o braço direito na I Guerra Mundial, mas, determinado a refazer a carreira, solicitara peças concertantes destinadas à mão esquerda à fina-flor dos compositores de então: Britten, Hindemith, Korngold, Prokofiev, Strauss e Ravel. Hoje, as peças dos restantes compositores estão esquecidas e só o concerto de Ravel se mantém no repertório – e com justiça, pois Ravel foi superou a limitação da encomenda e criou um concerto de extraordinária vitalidade, invenção e densidade, em que, quem não saiba, nem por um momento suspeita que o solista recorre apenas a uma mão.

[Por Yuja Wang e Orchestra dell’Academia Nazionale di Santa Cecilia, dirigida por Lionel Bringuier, Roma, 2016]

Bartók: Concerto n.º 2

Ano: 1931

O Concerto n.º 1 (1926) de Béla Bartók faz extraordinárias exigências ao solista, mas o n.º 2 vai ainda um pouco mais longe e é considerado como um dos mais espinhosos de todo o repertório, juntamente com o n.º 2 de Prokofiev e o n.º 3 de Rachmaninov (e deve realçar-se que a componente orquestral, em que a percussão tem particular relevo, é tão tumultuosa e complexa como a parte do solista).

O Concerto n.º 2, terminado em 1931, foi ouvido pela primeira vez em 1933, em Frankfurt, com Bartók como solista (como aconteceu também com o n.º 1 e o n.º 3).

[III andamento (Allegro molto), por Zoltán Kocsis, com a Orchestra della Svizzera Italiana, dirigida por Zoltán Pesko, 1995]

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