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©Joana LindaCristina Branco

Cristina Branco: "Passei muitos anos a tentar adaptar-me"

Não há muitas vozes assim, capazes de mergulhar tão a fundo na música e nas palavras. Falámos com Cristina Branco

Escrito por
Ana Patrícia Silva
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Eterna nómada musical, a fadista Cristina Branco é uma das mais aventureiras exploradoras da canção portuguesa. No álbum Branco continua a descobrir a liberdade de poder ser várias pessoas através da música e das palavras de autores de diferentes gerações como Sérgio Godinho, Mário Laginha, Jorge Cruz, André Henriques, Filipe Sambado e Luís Severo. Terça-feira, dia 27 de Novembro, actua no Teatro São Luiz, no âmbito dos Dias do Desassossego.

 

Muitos dos jovens autores deste disco têm um lado feminino forte, têm poucos pudores, têm uma sensibilidade diferente de outras gerações. Isso interessou-te?

Completamente. Parecendo que não, são 20 anos de diferença entre a minha geração e a deles. Eu nasci em 1972, a geração dos meus pais sai de uma ditadura e havia uma certa ostentação em tentar ter tudo e dar-nos tudo o que eles não tiveram. 20 anos volvidos, eles não têm isso. Eles entram num período de crise e com alguma dificuldade. Tiveram que lutar pelas coisas, a minha geração não. Tiveram que querer muito e sair para a rua. São gajos combativos, têm uma visão da vida muito diferente da minha.

E isso acaba por enriquecer a tua música?

Ter batido de frente com eles foi a melhor coisa que me podia acontecer. Sempre fui uma ave rara dentro do fado. Lembro-me das primeiras vezes em que cantei, fui para cima do palco com uns All Star vermelhos e calças de ganga. No fim, um indivíduo do fado veio ter comigo e... ui, isso não é figura. Eu tinha 23 anos e, apesar de discordar dele, não quis ir contra. A minha paixão pelo fado era a Amália e a música portuguesa, mas de outros quadrantes, que eu já estava a tentar misturar na minha música mas ainda não sabia bem como. E ainda não sabia como me portar dentro daquele meio, que era bastante fechado e conservador. Passei muitos anos a tentar adaptar-me, até que cresces e te tornas uma mulher e vês o mundo inteiro e passas a saber exactamente o que queres. Fui sempre sabendo, mas sempre o fiz de uma forma tímida. Só tenho meia dúzia de fados tradicionais no meu repertório. O resto é um tesouro, é quase tudo inéditos.

As tuas canções são maioritariamente escritas por homens…

É verdade. A vida toda convivi com homens, entendo-me melhor com eles, não tenho medo de dizer nada. Tenho mais facilidade em fazer amizade e trabalhar com homens.

O que tens aprendido sobre a forma como os homens escrevem sobre as mulheres?

Para as gerações anteriores, a mulher era outra coisa. Hoje eles são iguais a nós, na verdade. Para eles não há género, ou o género é uma coisa que não é forçada, tenho a certeza que escrevem da mesma maneira para eles. Claro que naqueles textos eu olho e vejo-me ao espelho. Ou vejo outras mulheres ao espelho. Aliás, este disco está muito feminino e elas parecem todas mulheres, mas podem nem todas ser mulheres. São pessoas; cada uma tem uma personalidade muito vincada.

Mas não gostavas de ter mais mulheres a escrever?

É uma coincidência, não foi de propósito. Eu percebo agora, já percebi que isto vai ser a pergunta mote [risos].

É porque é importante haver mais mulheres a escrever sobre mulheres, para não vermos sempre a nossa vida através do olhar de um homem.

Mas esta geração não tem isso, eles são muito parecidos connosco. São mais inclusivos e isso é tão bom... É libertador. É uma casualidade a Capicua não estar neste disco. Tenho trabalho dela para fazer, mas ainda não aconteceu. Ela é incrível, escreve maravilhosamente, e há outras dessa geração...

Mas não há muitas. Proporcionalmente, há muitas mulheres a cantar, poucas a escrever. Porque será?

Achas que ainda há um certo medo? Será que tem que haver uma razão? Vamos virar a pergunta ao contrário. Perguntam-me sempre por que é que eu não faço as minhas letras. Eu gosto de escrever, eu organizo os meus discos escrevendo. Mas como eu me sinto cantora, não consigo encaixar o meu nome no meio dos outros créditos do disco. A minha posição é de alguém que interpreta. Não sei, elas podem não ter essa necessidade.

Nunca tiveste necessidade de cantar-te a ti própria?

Não, e provavelmente elas também não. Se calhar podem dizer que as mulheres deviam escrever mais porque nós temos pouca voz. Por exemplo, o [disco anterior] Menina foi escrito também no masculino na sua grande parte e não acho que se note que seja escrito por homens. Eu não acho que seja o ponto de vista do homem sobre a mulher. Parecem elas a escrever sobre elas próprias.

Por que é que não gostas de te cantar?

Porque isso é muito topless, é muita pornografia [risos]. Não, é tramado. Há muitos anos fiz uma letra, gravei e cantei uma única vez. Saí do palco e disse: nunca mais volto a cantar uma coisa minha.

Porquê?

É muito desconcertante. Assumi outro papel. Eu sou a intérprete, sou a que pega naquilo tudo e faz um shake de outra coisa. Consigo ter múltiplas gavetinhas dentro da cabeça. Abro uma e vou ser aquela pessoa, depois fecho, vou para casa e sou a mãe dos meus filhos... Consigo fazer isso de forma saudável. Eu não quero ser eu. Não quero dar isso. Há uma parte que tem que ser preservada. E é uma coisa a que ninguém tem acesso, uma coisa minha. Preciso disso. Mas eu sofro por aquela pessoa, e sofro por mim também. Ali no palco é a catarse, sai tudo. Quando estou no palco são pessoas diferentes, mas todas coabitam em mim.

Há alguma canção deste disco que te seja mais especial?

São todas especiais. Eu sou uma privilegiada. Tenho os melhores músicos do mundo, tenho os melhores compositores [risos].

Estás bem na vida, então.

Sim, faço aquilo de que gosto. E se não fizesse... Os meus filhos perguntam-me isso imensas vezes. Quando estou fora, às vezes nem mais de três dias, eles mudam de comportamento. A minha filha pergunta-me: “Mãe, mas porquê?” Eu digo-lhe que se não fizesse aquilo de que eu gosto, e eu gosto muito... É preciso que eles entendam que é duro para mim ir embora, mas estou a fazer uma coisa de que gosto mesmo. Seria outra pessoa e outra mãe para eles se não tivesse este amor todo.

Conversa cantada

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