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The Tempest
Miranda contempla o naufrágio desencadeado pelas forças mágicas desencadeadas pelo seu pai, Próspero: cena de The Tempest, por John William Waterhouse, 1916

Dez obras instrumentais inspiradas em Shakespeare

Os Dias da Música em Belém têm este ano como tema William Shakespeare, cujos textos inspiraram estas obras orquestrais.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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As palavras do maior poeta e dramaturgo alguma vez a ver a luz do dia no lado de lá do Canal da Mancha – abreviadamente, William Shakespeare, ou ainda "Bardo de Avon" – inspirou não só óperas e canções, mas também serviram de base criativa a obras orquestrais. Na lista abaixo, enumeramos dez obras instrumentais inspiradas no vulto britânico, um dos mais influentes autores da História. Nos Dias da Música, que decorrem de 25 a 28 de Abril no Centro Cultural de Belém, será possível ouvir algumas destas obras ou excertos delas – mais detalhes em 24 sugestões para os Dias da Música em Belém.

Dez obras instrumentais inspiradas em Shakespeare

Música de cena para The Tempest, de Locke

Estreia: 1674
Peça de Shakespeare: The Tempest

Em 1674, o Duke’s Theatre, sito em Dorset Garden (Londres) e gerido pelo empresário (e actor) Thomas Betterton, repôs a versão (muito livre) de The Tempest por William Davenant e John Dryden, que estreara em 1667, com música de cena providenciada por Pelham Humphrey. A Inglaterra levou muito tempo a aceitar a ópera de modelo italiano cuja voga ia alastrando pela Europa continental, cultivando, em vez dela, um entretenimento híbrido – por vezes denominado de “semi-ópera” ou “masque” – que entremeava os diálogos falados com canções e peças instrumentais (frequentemente da autoria de vários compositores).

Para a reposição de 1674 de The Tempest, o texto sofreu nova adaptação, levada a cabo pelo poeta e dramaturgo Thomas Shadwell e foi encomendada música a Matthew Locke (c.1621-1677), que está hoje muito esquecido, mas que não só foi o mais destacado compositor de música para o palco da geração anterior a Henry Purcell (1659-1695), como produziu também relevantes obras de música sacra e música instrumental para “uso doméstico”. Em 1661 foi nomeado compositor da corte de Carlos II de Inglaterra, cargo a que se somou, pouco depois, a de organista da rainha – a “nossa” Catarina de Bragança.

Em 1690, The Tempest seria reposta numa nova versão, desta feita com música de Henry Purcell.

[“Dance of the Fantastick Spirits”, pela Orquestra Barroca de Filadélfia, em instrumentos de época, com direcção de Gwyn Roberts & Richard Stone, ao vivo em 2014]

Abertura de concerto Sonho de uma Noite de Verão op. 21, de Mendelssohn

Estreia: 1827
Peça de Shakespeare: A Midsummer Night’s Dream

Felix Mendelssohn tinha apenas 17 anos quando, em 1826, compôs esta peça inspirada pela leitura (numa tradução alemã) da peça homónima de Shakespeare, autor pela qual o jovem Mendelssohn tinha grande estima. A obra estreou no ano seguinte em Stettin, na Prússia, num concerto que teve a presença do compositor, que foi solista, no piano, em obras suas e de Weber. A abertura não foi concebida como tendo vínculo ao palco, mas, 16 anos depois, em 1842, por encomenda de Frederico Guilherme IV da Prússia, Mendelssohn, que assumira entretanto a direcção da Gewandhaus de Leipzig, comporia música de cena para a peça de Shakespeare, somando 13 números musicais à Abertura – esta obra, que estreou em Potsdam em 1843 foi publicada como op.61, não mantém a atmosfera feérica nem o nível superlativo de inspiração da Abertura op.21.

[Pela Orquestra da Gewandhaus de Leipzig, com direcção de Kurt Masur]

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Abertura de concerto Hamlet op.37, de Gade

Estreia: 1861
Peça de Shakespeare: The Tragedy of Hamlet, Prince of Denmark

Niels Gade (1817-1890) é o mais notável compositor dinamarquês do período romântico. No início de carreira recebeu o encorajamento de Mendelssohn, que, em 1843, apresentou em Leipzig a sua Abertura Echos de Ossian – foi o princípio de uma amizade que levaria Gade a obter uma bolsa de estudo em Leipzig e a que, em 1847, quando Mendelssohn faleceu, fosse nomeado para lhe suceder à frente da Orquestra da Gewandhaus. Porém, o eclodir da guerra entre a Prússia e a Dinamarca forçou Gade a regressar a Copenhaga, onde se tornou director da Sociedade Musical da cidade, cargo que ocuparia até à morte.

Além de oito sinfonias e um magnífico octeto de cordas (com afinidades com o de Mendelssohn), compôs também uma Abertura Hamlet, uma escolha nada inesperada num compositor dinamarquês.

[Pela Filarmónica Estatal da Renânia-Palatinado (Staatsphilharmonie Rheinland-Pfalz), com direcção de Ole Schmidt (CPO)]

Poema sinfónico Ricardo III op.11, de Smetana

Estreia: 1862
Peça de Shakespeare: Ricardo III

Bedrich Smetana (1824-1884) foi o pioneiro da escola nacional checa, mas as suas convicções nacionalistas não o impediram de passar uma temporada da sua vida – de 1856 a 1861 – em Goteborg, na Suécia. Foi aí, em 1857-58 que compôs três poemas sinfónicos. O primeiro foi Ricardo III, que põe em música a brutal ascensão do rei ao trono, os pesadelos em que é atormentado pelos fantasmas das suas vítimas, o estado paranóico em que estas visões o mergulham e, finalmente, a sua morte na batalha de Bosworth Field.

O poema sinfónico estreou em 1862 em Zofin, com direcção do compositor.

[Pela Filarmónica Checa, com direcção de Václav Neumann (Supraphon)]

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Fantasia sinfónica A Tempestade op.18, de Tchaikovsky

Estreia: 1873
Peça de Shakespeare: The Tempest

Tchaikovsky já compusera em 1870 uma obra inspirada em Shakespeare – a fantasia-abertura Romeu e Julieta –, quando o crítico de arte e jornalista Vladimir Stasov lhe sugeriu The Tempest como assunto – uma sugestão paradoxal, vinda de um homem que sempre se bateu pela afirmação da identidade cultural russa e que apelava a que os artistas russos se libertassem das influências ocidentais e buscassem inspiração nas suas próprias raízes.

A fantasia sinfónica A Tempestade, composta em 1873, não deve ser confundida com a abertura com o mesmo título que Tchaikovsky compôs em 1864, quando ainda era aluno do Conservatório e que foi inspirada por uma peça do dramaturgo russo Aleksandr Ostrovsky e só foi estreada postumamente, em 1896. A fantasia sinfónica estreou em 1873, em Moscovo, sob a direcção de Nikolai Rubinstein.

[Excerto, pela Filarmónica de Berlim, com direcção de Claudio Abbado, ao vivo no Museu Vasa, em Estocolmo, 1998]

Poema sinfónico Macbeth op.23, de Strauss

Estreia: 1890
Peça de Shakespeare: Macbeth

Após a estreia do seu primeiro poema sinfónico, Aus Italien, em 1886, o jovem Richard Strauss (1864-1949) lançou-se na composição de Macbeth, que há quem considere ser realmente a sua estreia no formato, já que Aus Italien segue ainda a estrutura sinfónica convencional (o compositor designou-a como “Fantasia Sinfónica”). A ruptura com os procedimentos tradicionais foi, porém, trabalhosa: a 1.ª versão de Macbeth, concluída em 1888, sofreu uma revisão em 1889 e uma revisão da orquestração em 1890, nas vésperas da estreia em Weimar, e foi novamente reorquestrada antes de ser apresentada em Berlim em 1892 – é esta última versão que tem sido ouvida desde então.

[I parte, pela Sinfónica de Detroit, com direcção de Antal Dorati]

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Abertura Othello op. 93, de Dvorák

Estreia: 1892
Peça de Shakespeare: The Tragedy of Othello, the Moor of Venice

Em 1891-92, o checo Antonín Dvorák (1841-1904) compôs a trilogia de aberturas “Natureza, Vida e Amor”, formada por Na Natureza op.91, Carnaval op.92 e Othello op.93 (ainda que o tema de Othello seja mais o ciúme do que o amor). A trilogia estreou em Praga em 1892.

[Pela Orquestra Sinfónica da Rádio Sueca, com direcção de Daniel Harding, ao vivo na Sala Berwald (Berwaldhallen), Estocolmo, 2017]

Música de cena para Le Roi Lear, de Debussy

Composição: 1904
Peça de Shakespeare: King Lear

Em 1904, Claude Debussy recebeu do encenador André Antoine o encargo de compor música de cena para uma produção de O Rei Lear, mas a empresa ficou-se por dois fragmentos, “Fanfare” e “Le Sommeil de Lear”, que só foram publicados postumamente.

[“Le Sommeil de Lear”, pela Orquestra Nacional da ORTF, com direcção de Jean Martinon]

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Música de cena para Much Ado About Nothing, de Korngold

Estreia: 1920
Peça de Shakespeare: Much Ado About Nothing

Erich Wolfgang Korngold (1897-1957) foi, como o outro Wolfgang, uma criança-prodígio, que cedo revelou talento para o piano e para a composição. Aos 11 anos compôs o bailado O Homem de Neve (Der Schneemann), que foi levado à cena na Hofoper de Viena, e aos 13 anos compôs a Sonata para piano n.º 2, que o prestigiado concertista Arthur Schnabel de imediato incluiu no seu repertório. Após duas óperas e música sinfónica e de câmara, em 1918-19 compôs música de cena para uma produção vienense de Much Ado About Nothing, que teve mais de 80 récitas.

[Abertura da Suíte extraída da música de cena, pela Orquestra Bruckner de Linz, com direcção de Caspar Richter]

Música de cena para Stormen op.109, de Sibelius

Estreia: 1926
Peça de Shakespeare: The Tempest

Em meados da década de 1920, o caudal de inspiração de Jean Sibelius sofreu uma brusca redução: após a Sinfonia n.º 7, surgida em 1924, Sibelius trabalhou em 1925-26 no poema sinfónico Tapiola e na música de cena para uma produção de Stormen (a versão dinamarquesa de The Tempest), no Teatro Real de Copenhaga, e não voltou a produzir uma peça de grande envergadura durante os 31 anos que mediaram até à sua morte, em 1957, limitando-se a rever algumas obras anteriores e a compor peças tão breves quanto irrelevantes.

A música de cena para A Tempestade continha 34 peças, com duração total de cerca de uma hora, e dela Sibelius extraiu duas suítes com um total de 19 peças.

[Prelúdio, pela Orquestra Sinfónica de Londres, com direcção de Adrian Boult, num registo de 1956]

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