Música, Jazz, Billie Holiday
@William P. GottliebBillie Holiday, 1947

Dez versões clássicas de “Don’t Explain”

Esta canção magoada, inspirada por uma traição amorosa, é um notável contributo de Billie Holiday para o cancioneiro jazz

Publicidade

“Não digas nada, não dês explicações/ Diz-me só que irás ficar/ Estou feliz por teres voltado, não me dês explicações/ Cala-te, não dês explicações/ O que há a ganhar com isso?/ Esquece esse bâton/ Não dês explicações/ [...] Eu sei que me trais/ Mas isso pouco importa/ Quando estás comigo”. Reza a lenda que Billie Holiday terá ido buscar inspiração para esta letra quando o seu primeiro marido, o trombonista Jimmy Monroe (com quem esteve casada entre 1941 e 1947), chegou uma noite a casa com marcas de bâton no colarinho. Monroe esteve longe de ser a única desilusão na vida sentimental de Holiday, preenchida maioritariamente por parceiros abusivos – pode ver-se uma prefiguração do que lhe estava reservado no pequeno papel de mulher abusada pelo amante que desempenhou em 1935 na curta-metragem Symphony in Black, em que a orquestra de Duke Ellington toca A Rhapsody of Negro Life.

Na vida de Holiday não faltaram, portanto, experiências capazes de alimentar “Don’t Explain”, que foi elaborada a meias com Arthur Herzog Jr., com o qual Holiday já co-compusera outra das suas canções emblemáticas, “God Bless the Child”.

Recomendado: Dez versões clássicas de “Someday My Prince Will Come”

Dez versões clássicas de “Don’t Explain”

Billie Holiday

Ano: 1944
Álbum: American Decca Recordings (GRP)

Holiday fez a primeira gravação de “Don’t Explain” a 8 de Novembro de 1944, em Nova Iorque, com uma orquestra arranjada e dirigida por Toots Camarata, com Russ Case (trompete), Hykie Schertzer, Jack Cressy, Larry Binyon, Dave Harris (saxofones), Carl Kress (guitarra), Dave Bowman (piano), Haigh Stephens (contrabaixo), George Wettling (bateria) e cordas. Holiday voltaria a gravar a canção no ano seguinte, com a orquestra de Bob Haggart, e a canção surge também nos registos do Jazz at the Philharmonic de 1956.

Helen Merrill

Ano: 1954
Álbum: Helen Merrill (EmArcy)

Quando gravou este seu álbum de estreia, a cantora Helen Merrill (n. 1930) tinha 24 anos, mas o seu arranjador, Quincy Jones, era ainda mais novo: tinha 21. A principal estrela do combo que acompanhou Merrill, o trompetista Clifford Brown, tinha a mesma idade de Merrill e acabara de gravar, dias antes, um álbum similar com Sarah Vaughan, para a mesma editora – que é, como o álbum de Merrill, uma obra-prima. A equipa completou-se com Danny Bank (palhetas), Jimmy Jones (piano), Barry Galbraith (guitarra), Milt Hinton (contrabaixo) e Osie Johnson (bateria). Merrill voltou a gravar “Don’t Explain” 11 anos depois, no álbum The Feeling Is Mutual.

Publicidade

Mal Waldron

Ano: 1957
Álbum: Mal-2 (Prestige)

Mal-2 foi o segundo álbum como líder do pianista Mal Waldron (1925-2002), que iniciara carreira com Ike Quebec e – numa experiência que viria a moldar decisivamente a sua abordagem à música – no Jazz Workshop de Charles Mingus, com quem viria a gravar Pithecanthropus Erectus e Blues & Roots. Igualmente marcante foi a experiência de Waldron como acompanhador de Billie Holiday entre 1957 e a morte da cantora, em 1959, e talvez esta não seja estranha à escolha de “Don’t Explain” para o programa de Mal-2.

O álbum foi gravado por Bill Hardman (trompete), Jackie McLean (saxofone alto), John Coltrane (saxofone tenor), Julian Euell (contrabaixo) e Art Taylor (bateria) e pinta um “Don’t Explain” solene, misterioso e lúgubre.

Abbey Lincoln

Ano: 1957
Álbum: That’s Him! (Riverside)

A cantora Abbey Lincoln (1930-2010) tornar-se-ia, com Nina Simone, numa das mais empenhadas combatentes da causa dos direitos cívicos dos afro-americanos, mas nos seus dois primeiros discos, ambos de 1957, Abbey Lincoln’s Affair: A Story of a Girl in Love e este That’s Him!, Lincoln surge ainda, como os títulos sugerem, no papel (obrigatório, na época) de cantora romântica.

That’s Him! foi gravado com o que a capa do álbum identifica como “the Riverside Jazz Stars”, ou seja, Kenny Dorham (trompete), Sonny Rollins (saxofone), Wynton Kelly (piano), Paul Chambers (contrabaixo) e Max Roach (bateria, com quem Lincoln se casaria em 1962 e que também pugnou pelos direitos cívicos). Em “Don´t Explain” o piano é omisso, pois Kelly deixou o seu instrumento para, excepcionalmente, substituir Chambers, que ficara a cozer uma bebedeira num canto do estúdio. A abordagem é desolada e amarga, com walking bass e bateria minimais e os sopros a deixar espaço à sua volta.

Publicidade

Charlie Byrd

Ano: 1958
Álbum: Byrd’s Word! (Riverside)

O guitarrista Charlie Byrd é conhecido sobretudo por ter apresentado a bossa nova a Stan Getz e, em parceria com este, ter desencadeado a febre da fusão entre jazz e bossa nova. O obscuro álbum Byrd’s Word!, que precede a voga do jazz-samba e recorre a diversas combinações instrumentais, inclui um “Don’t Explain” que apenas requer guitarra e a voz de Ginny Byrd, então esposa do guitarrista.

O álbum foi editado em 1959 pela Offbeat Records, com o título Jazz at the Showboat, e só em 1962 foi reeditado como Byrd’s Word! pela Riverside, que, entretanto, se tornara na casa de Byrd.

Wynton Kelly

Ano: 1958
Álbum: Piano (Riverside)

O anodinamente intitulado Piano foi o segundo álbum de Kelly como líder (sete anos após a estreia, com Piano Interpretations) e contou com Kenny Burrell (guitarra), Paul Chambers (contrabaixo) e, nalgumas faixas (mas não no despido “Don’t Explain”), com Philly Joe Jones (bateria).

Publicidade

Lorez Alexandria & Ramsey Lewis

Ano: 1960
Álbum: Early in the Morning (Argo)

O jazz costuma preferir atmosferas nocturnas, mas este quinto álbum da cantora Lorez Alexandria (1929-2011) escolhe como tema a manhã – mais precisamente, a manhã em que as promessas de amor e fidelidade da noite anterior revelam a sua falsidade e a desilusão se impõe. O álbum, com canções como “Good Morning Heartache”, “Trouble Is a Man”, “I Ain’t Got Nothing But the Blues” e “Don’t Explain”, é tocado pelo (então famoso) trio do pianista Ramsey Lewis com Eldee Young (contrabaixo) e Red Holt (bateria), acrescido de Johnny Gray (guitarra) e, no lado B do LP, alguns músicos da orquestra de Count Basie (“some of Basie’s cats”).

Harold Land

Ano: 1960
Álbum: West Coast Blues! (Jazzland)

Embora em 1954-55 tenha feito parte do (fulgurante) quinteto de Clifford Brown/Max Roach, com base em Nova Iorque, a carreira do saxofonista tenor Harold Land (1928-2001) decorreu essencialmente na Costa Oeste, o que explica o título deste seu terceiro álbum, com Joe Gordon (trompete), Wes Montgomery (guitarra), Barry Harris (piano), Sam Jones (contrabaixo) e Louis Hayes (bateria).

Publicidade

June Christy

Ano: 1960-63
Álbum: The Intimate Miss Christy (Capitol)

Como o título sugere, este álbum tem atmosfera íntima e Christy requer apenas acompanhamento minimal de guitarra acústica (Al Viola) e contrabaixo (Don Bagley), complementado nalgumas faixas (que não “Don’t Explain”) por pinceladas discretas de flauta, piano e bateria. Seria o penúltimo álbum da década para Christy, pois em 1965, com as vendas de discos de jazz em queda, lançaria Something Broadway, Something Latin e depois viria um longo silêncio, apenas quebrado por Impromptu, em 1977.

Dexter Gordon

Ano: 1962
Álbum: A Swingin’ Affair (Blue Note)

Na viragem dos anos 50/60, o apetite dos fãs de jazz não era capaz de acompanhar o ritmo a que os jazzmen gravavam e foi assim que A Swingin’ Affair (não confundir com o álbum homónimo de Sinatra), gravado dois dias depois do álbum Go! e com a mesma equipa – Sonny Clark (piano), Butch Warren (contrabaixo) e Billy Higgins (bateria) –, só foi editado dois anos depois. Não sendo inferior a Go!, A Swingin’ Affair nunca alcançou a popularidade do seu antecessor imediato.

Mais versões

  • Música
  • Jazz

Sendo o jazz uma música eminentemente nocturna, não é de admirar que“‘Round Midnight” se tenha tornado numa das suas composições mais populares, sendo alvo de mais um milhar de versões. Estas dez são imprescindíveis.

  • Música
  • Jazz
Dez versões de “I’ll Remember April”
Dez versões de “I’ll Remember April”

Abril costuma ser associado a Primavera e ao renascimento da vida, mas nesta balada é tema para um olhar melancólico sobre um amor pretérito. Eis dez versões de um standard favorito dos músicos de jazz.

Publicidade
  • Música
Dez versões de “It Might As Well Be Spring”
Dez versões de “It Might As Well Be Spring”

Uma das mais extraordinárias canções que fala da Primavera não tem flores a desabrochar nem pássaros a chilrear, porque na verdade não se passa na Primavera. Eis dez leituras superlativas deste delicioso paradoxo.

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade