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Música, Jazz, Pianista, Brad Mehldau
©Facebook/Brad MehldauBrad Mehldau

Dez versões de “My Favorite Things”: vol. 2

Julie Andrews, que a cantou em "Música no Coração", talvez não reconhecesse a canção nalgumas destas reinterpretações

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Nada faria prever que esta cançoneta ingénua do musical The Sound of Music (Música no Coração, em português), com música de Richard Rodgers e letra de Oscar Hammerstein II, se tornaria num tema popular para tantos músicos de jazz – e talvez nunca o tivesse sido se, em 1960, John Coltrane não se tivesse apropriado dela de uma forma muito pessoal. “My Favorite Things” era originalmente uma canção-lista que irradiava bonomia e ingenuidade, contudo, estimulados pelo exemplo de Coltrane, outros músicos de jazz foram, ao longo dos anos, apresentando reinterpretações da canção cada vez mais afastadas do original. 

Recomendado: Dez versões clássicas de “My Favorite Things”

Dez versões de “My Favorite Things” vol. 2

McCoy Tyner

Ano: 1972
Álbum: Echoes of a Friend (JVC/Milestone)

McCoy Tyner tocou muitas vezes “My Favorite Things” quando fez parte do quarteto de Coltrane, pelo que é natural que tenha recuperado a canção quando gravou este álbum de homenagem ao saxofonista, falecido cinco anos antes. O programa deste disco de piano solo contém duas composições de Coltrane, outras duas de Tyner e “My Favorite Things”, que, na mente de Tyner, já seria mais de Coltrane do que de Rodgers & Hammerstein.

Sun Ra

Ano: 1977
Álbum: Some Blues But Not the Kind That’s Blue (Saturn, reed. Atavistic)

O único jazzmen com vocação para viagens interestelares comparável à de John Coltrane foi Sun Ra, pelo que é natural que também este abordasse “My Favorite Things”. Neste registo, a canção tem solos merecedores de destaque pelo próprio Sun Ra (em piano), John Gilmore (saxofone tenor) e Akh Tal Ebah (trompete). A tripulação inclui Marshall Allen e Danny Davis (saxofone alto, flauta), Jame Jackson (flauta, fagote), Eloe Omoe (clarinete baixo), Richard Williams (contrabaixo), Luqman Ali (bateria) e Atakatune (congas).

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Betty Carter

Ano: 1979
Álbum: The Audience With Betty Carter (Bet-Car, reed. Verve)

Se a versão de “My Favorite Things” por Betty Carter em Inside Betty Carter (ver 10 versões clássicas de “My Favorite Things”) já era pouco convencional, a que gravou 15 anos depois é vertiginosa. Todo o álbum The Audience With Betty Carter desafia as convenções – a faixa de abertura, “Sounds (Movin’ On)” dura 25 minutos – e merece que o reputado Penguin Guide to Jazz o tenha distinguido com um dos “indispensáveis” da história do jazz. O disco documenta um concerto no Great American Music Hall, em São Francisco, em que Carter tem a cumplicidade de John Hicks (piano), Curtis Lundy (contrabaixo) e Kenny Washington (bateria).

David Moss

Ano: 1990
Álbum: My Favorite Things (Intakt)

Os fãs de Julie Andrews e Música no Coração – até mesmo aqueles com espírito suficientemente aberto para aceitar a versão de Betty Carter acima – são aconselhados a saltar para a versão seguinte. Na abordagem de “My Favorite Things” por David Moss, vocalista, percussionista, improvisador e performer nova-iorquino radicado em Berlim (desde 1991), não consegue perceber-se quais são as suas “coisas favoritas”, mas é seguro que não serão os bigodes dos gatinhos. Aliás, convém manter esta versão longe do alcance de animais e crianças.

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John McLaughlin

Ano: 1994
Álbum: After the Rain (Verve)

After the Rain é um álbum incaracterístico na carreira do guitarrista John McLaughlin, que retoma o clássico trio guitarra + órgão + bateria, com Joey DeFrancesco no órgão, e Elvin Jones na bateria, e um repertório de peças de Coltrane (“Naima”, “Crescent”, “After the Rain”), ou a ele associadas (“Take the Coltrane”, de Ellington, e “My Favorite Things”), a que se soma uma composição de McLaughlin dedicada ao baterista que foi uma peça fulcral do “quarteto clássico” de Coltrane (“Tones for Elvin Jones”).

Dave Liebman et al.

Ano: 1997

Dave Liebman (n.1946) começou a tocar saxofone e interessar-se por jazz por assistir, ainda muito jovem, a actuações de John Coltrane. Naturalmente, Coltrane tem sido referência recorrente na carreira de Liebman: um dos seus primeiros trabalhos como profissional foi no grupo de Elvin Jones, associou-se a Ravi Coltrane (filho de John e também saxofonista), tem tocado regularmente composições de Coltrane e dedicou-lhe inclusive álbuns inteiros, como Homage to John Coltrane (1987), Joy: The Music of John Coltrane (1993) e John Coltrane’s Meditations (1997).

Esta actuação ao vivo faz parte de uma homenagem a Coltrane por ocasião dos 30 anos do seu falecimento e reúne Joey Calderazzo (piano), Dave Holland (contrabaixo) e Jack DeJohnette (bateria).

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Reisinger/Liebman/Celea

Ano: 2001
Álbum: Ghost (Night Bird Music)

Mais um testemunho da devoção de Dave Liebman por Coltrane, proveniente do terceiro álbum do trio com o contrabaixista francês Jean-Paul Céléa e o baterista austríaco Wolfgang Reisinger.

Brad Mehldau

Ano: 2006
Álbum: Live in Marciac (Nonesuch)

Brad Mehldau é o primeiro nome nesta lista que é demasiado novo – nasceu em 1970 – para ter tocado com Coltrane ou para tê-lo ouvido ao vivo. Este “My Favorite Things” em piano solo, registado ao vivo no Festival de Jazz de Marciac de 2006 (mas editado apenas em 2011), não passa por Coltrane, é antes uma demonstração da espantosa aptidão de Mehldau para desconstruir temas e virá-los pelo avesso.

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Dr. Lonnie Smith

Ano: 2016
Álbum: Evolution (Blue Note)

Lonnie Smith estreou-se como líder em 1967, na Blue Note, com Finger Lickin’ Good Soul Organ, e foi nesta editora que, até 1970, cimentou a sua reputação como um dos mestres do órgão Hammond B-3. 46 anos depois, regressou à casa-mãe com Evolution, no consagrado formato órgão + guitarra + bateria, com Jonathan Kreisberg (guitarra) e Jonathan Blake (bateria). O “Dr.” que antecede o nome de Lonnie Smith não vem da prática da medicina nem de um título de Ph. D. conferido por uma universidade, mas do seu hábito moldar as composições alheias ao seu estilo – o que em inglês é designado por “to doctor” –, como este “My Favorite Things” comprova.

Louis Sclavis

Ano: 2018

Esta interpretação de “My Favorite Things” por Louis Sclavis em clarinete baixo (e não em saxofone, como se escreve na apresentação do videoclip) faz parte da série “My Favorite Song”, concebida por Paul Ouazan para o canal ARTE France, que convida vários músicos a tocar, a solo, a sua música favorita.

Mais versões: vol. 2

  • Música

“Caravan” é uma composição que se associa de imediato a Duke Ellington, mas não terá sido ele o seu iniciador, antes um membro da sua orquestra, o trombonista Juan Tizol. Este não parece ter-se importado com a “apropriação” de Ellington, pois tinha a composição em tão escasso apreço que, pouco depois, cedeu a sua parte nos direitos ao autor da letra, Irving Mills, por 25 dólares. Foi um negócio das Arábias para Mills, mas, quando “Caravan” ganhou popularidade, o letrista teve a hombridade de dar a Tizol uma percentagem dos royalties.

  • Música

A canção, com música de Henry Mancini e letra de Johnny Mercer, foi composta em 1961 para a banda sonora da comédia romântica Breakfast at Tiffany’s, inspirada na novela homónima de Truman Capote. O filme obteve dois Óscares, que reverteram ambos para Mancini: um pela melhor banda sonora original e outro pela melhor canção original, isto é, “Moon River”. Esta seria também eleita Canção do Ano nos Grammys de 1962, o que torna mais irónico que, após uma pré-exibição com reacções mornas, um executivo da Paramount tenha sugerido que “Moon River” fosse suprimida – a protagonista Audrey Hepburn é que não deixou.

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  • Música

Sendo o jazz uma música eminentemente nocturna, não é de admirar que “‘Round Midnight” se tenha tornado numa das suas composições mais populares, sendo alvo de mais de um milhar de versões. Thelonious Monk terá composto “‘Round Midnight” em 1940-41, mas só registou a composição em 1944, ano em que foi alvo de uma primeira gravação por Cootie Williams, que lhe introduziu alguns embelezamentos – o mesmo fez Dizzy Gillespie quando a gravou em 1946. Entretanto, a composição ganhou também uma letra, da autoria de Bernie Hanighen, de forma que este e Williams passaram a ser creditados como co-autores.

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