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Kurt Weil
Kurt Weil

Dez versões de “Speak Low” para trautear baixinho

As canções que falam da sua efemeridade podem tornar-se eternas. É o caso deste tema de Kurt Weill e Ogden Nash.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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30 de Janeiro de 1933: Hitler é nomeado chanceler da Alemanha.

27 de Fevereiro de 1933: o Reichstag é consumido pelas chamas e, nas semanas seguintes, Hitler aproveita o pretexto para perseguir opositores e obter o poder absoluto.

Março de 1933, o compositor Kurt Weill (1900-1950) foge da Alemanha – na dupla qualidade de judeu e comunista, adivinhava o tipo de destino o regime nazi lhe reservava.

Após uma passagem por Paris, em 1935, Weill fixou-se em Nova Iorque e centrou a actividade na composição de musicais para a Broadway, que estudou atentamente e assimilou na perfeição, deixando para trás o registo da sua fase europeia. Obteve a cidadania americana em 1943, ano em que estreou o musical One Touch of Venus, com texto de Ogden Nash (1902-1971), mais conhecido pelos seus poemas humorísticos, mas que em “Speak Low” revela faceta bem diversa. O musical foi um sucesso – manteve-se em cartaz até 1945, com 567 representações, e foi adaptado ao cinema em 1948 (com Ava Gardner no papel principal) – mas dos seus números musicais só “Speak Low” alcançou notoriedade e, mesmo assim, só a partir do início dos anos 50 e graças aos músicos de jazz.

A primeira linha de “Speak Low” – “Speak low when you speak, love” – adapta uma linha de Much Ado About Nothing, de Shakespeare, e o resto da letra esclarece a razão deste pedido: “Os nossos dias de Verão desvanecem-se cedo demais [...]/ O momento passa célere e, como navios à deriva, afastamo-nos demasiado depressa/ [...] O amor é uma centelha que se cedo se perde na escuridão/ E eu sinto, seja onde for que vá/ Que o amanhã se aproxima, que o amanhã já está cá// O tempo é tão longo e o amor tão breve/ O amor é ouro puro e o tempo, um ladrão// Estamos atrasados, estamos atrasados/ A cortina desce, tudo acaba cedo demais, cedo demais”. Há pois que dizer as palavras de amor em voz baixa, para não despertar a cobiça do tempo, e tentar fruir os breves instantes de bem-aventurança que nos são concedidos na passagem por esta vida.

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Dez versões de “Speak Low” para trautear baixinho

Kurt Weill

Ano: desconhecido
Álbum: Tryout (DRG Recordings)

Versão cantada pelo compositor (com pronúncia algo macarrónica), acompanhando-se a si mesmo ao piano. O álbum Tryout compila gravações informais de ensaios em que Ira Gershwin e Kurt Weill cantam canções de sua lavra.

Gerry Mulligan & Chet Baker

Ano: 1953
Álbum: Gene Norman Presents the Original Gerry Mulligan Tentet and Quartet (GNP)

O quarteto do saxofonista barítono Gerry Mulligan com o trompetista Chet Baker teve existência breve, mas tudo o que registou é indispensável. É o caso desta sucinta versão de “Speak Low” (2’10), com Carson Smith (contrabaixo) e Larry Bunker (bateria). O álbum acima indicado reúne os LP de 10’’ Gerry Mulligan and His Ten-tette e Gene Norman Presents the Gerry Mulligan Quartet.

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Bill Evans

Ano: 1956
Álbum: New Jazz Conceptions (Riverside)

O título do álbum de estreia do pianista Bill Evans pode parecer pretensioso, mas, com efeito, é arauto de mudanças no clássico trio com piano, que se confirmariam plenamente quando, três anos depois, Evans recrutou para o seu grupo o contrabaixista Scott LaFaro. Nesta sessão, o contrabaixista foi Teddy Kotick e na bateria já estava o crucial Paul Motian. Evans gravaria outra versão de “Speak Low” 21 anos depois, no álbum Crosscurrents, com Lee Konitz e Warne Marsh.

Sonny Clark

Ano: 1957
Álbum: Sonny’s Crib (Blue Note)

O líder da sessão é o pianista Sonny Clark, um pianista hard bop que certamente teria hoje maior renome se não tivesse falecido em 1963 com apenas 31 anos, por overdose de heroína. Mas em “Speak Low” a vedeta não é Clark, mas um jovem e promissor saxofonista chamado John Coltrane.

Sonny’s Crib, o segundo álbum como líder de Clark, tem afinidades com o bem mais famoso Blue Train, gravado 14 dias depois, sob liderança de Coltrane, no mesmo estúdio (de Rudy van Gelder), para a mesma editora, com a mesma formação instrumental, com trompete, trombone, saxofone tenor, piano, contrabaixo e bateria. Tem também alguns músicos em comum – o trombonista Curtis Fuller e o contrabaixista Paul Chambers – e uma atmosfera muito semelhante. Quem aprecie Blue Train não ficará, pois, desiludido com Sonny’s Crib.

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Sarah Vaughan

Ano: 1958
Álbum: Afterhours at the London House (Mercury)

Vaughan era conhecida pelo vozeirão que possuía e pela exuberância com que o usava, mas em “Speak Low” a cantora mostra que também sabe o que é contenção e intimismo. Esta sessão, no clube London House, de Chicago, com um pequeno grupo – Ronell Bright (piano), Richard Davis (contrabaixo) e Roy Haynes (bateria) – privilegia essa faceta menos conhecida.

Lena Horne

Ano: 1958
Álbum: Give the Lady What She Wants (RCA Victor)

Lena Horne (1917-2010) começou por distinguir-se como actriz de cinema, mas, nos anos 50, desiludida com Hollywood (que, naquela época não confiava papéis principais a actores negros, por talentosos que fossem) e tendo dificuldade em encontrar trabalho em musicais por ter sido colocada na lista negra pelos seus vínculos ao Partido Comunista Americano na década anterior, acabou por concentrar-se na carreira como cantora. Give the Lady What She Wants, com arranjos de Ralph Burns & Lennie Hayton e orquestra dirigida por Lennie Hayton, foi um dos seus maiores sucessos.

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Walter Bishop Jr.

Ano: 1961
Álbum: Speak Low (Jaztime)

O pianista Walter Bishop Jr., que fez parte dos grupos de Charlie Parker e Hank Mobley, escolheu “Speak Low” para dar título ao seu álbum de estreia como líder. O trio conta com Jimmy Garrison (contrabaixo) e G.T. Hogan (bateria).

Anita O’Day

Ano: 1961
Álbum: Incomparable! (Verve)

Incomparable!, editado em 1964, é o derradeiro dos 14 excelentes álbuns que O’Day gravou para a Verve entre 1956 e 1961 e conta com arranjos e direcção orquestral de Bill Holman, que providenciam swing com elegância.

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Tethered Moon

Ano: 1994
Álbum: Play Kurt Weill (JMT)

Quase 40 anos depois de ter gravado “Speak Low” com Bill Evans, o baterista Paul Motian revisitou a canção no terceiro álbum do esplêndido trio que formou com o pianista Masabumi Kikuchi e o contrabaixista Gary Peacock e que é integralmente dedicado a composições de Weill. E Motian, que costuma ser um baterista discreto, até assume um protagonismo inusitado, no espaço que lhe é aberto por Kikuchi, um mestre do despojamento e das melodias oblíquas.

Django Bates

Ano: 1997
Álbum: Quiet Nights (Screwgun)

Os standards incluídos em Quiet Nights são submetidos a tratamentos heterodoxos e desconcertantes, mas “Speak Low” escapa relativamente incólume – ouvindo a primeira metade nem se adivinha que tem a mão de Django Bates, pianista/teclista britânico que cultiva a irreverência e o dadaísmo. A voz é da sueca Josephine Cronholm, os músicos são parceiros usuais de Bates: Iain Ballamy (saxofone), Michael Mondesir (baixo) e Martin France (bateria).

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